A AOJUSTRA enviou para o email institucional dos ministros do Supremo Tribunal Federal o texto abaixo, elaborado pelo vice-presidente NEEMIAS RAMOS FREIRE, sobre o ocorrido no final da sessão daquela Corte realizada em 30/04/2015.
SRS. MINISTROS DO STF:
DEIXEM NOSSOS MORTOS EM PAZ
Nós, Oficiais de Justiça,
assistimos perplexos aos comentários de alguns ministros do Supremo Tribunal
Federal na sessão desta quinta-feira, 30 de abril. De perplexos ficamos
indignados com as manifestações que anteciparam o pensamento de alguns dos
magistrados da mais alta Corte brasileira em relação a um processo (Mandado de
Injunção nº 833/DF), de autoria do Sindicato dos Servidores do Judiciário
Federal do Rio de Janeiro (Sisejufe).
O objetivo do MI 833 é fazer com
que a Corte se pronuncie sobre qual a regulamentação infraconstitucional que
deverá produzir plenos efeitos em relação aos Oficiais de Justiça, cuja atividade
de risco já vem sendo declarada pelo STF em vários mandados de injunção. Nesse
MI, busca-se que o STF reconheça a aplicação por analogia da Lei Complementar
51/1985 (que regulamenta a aposentadoria especial de policiais) e se é cabível
a redução em cinco anos no tempo de serviço necessário para a aposentadoria
especial de servidores do sexo feminino.
O processo ainda não estava em
debate, já que se discutia ainda o MI 4204, que tratava de contagem
diferenciada do tempo de serviço para fins da aposentadoria especial de
servidor público que teria exercido atividade em condição insalubre.
O ministro Luiz Fux comentou ter recebido uma informação de uma
associação de oficiais:
“Vejam só que irônico, se não fosse trágico”. Segundo ele, a
associação argumentava que “efetivamente os Oficiais de Justiça exercem
atividade risco, tanto assim que um Oficial de Justiça do TRT da 1ª Região foi
assassinado no exercício de suas funções no município de Barra do Piraí, Estado
de Rio”. E acrescentou, sem citar o nome
do colega Francisco: “Com 25 anos de idade foi morto com dois tiros e depois
atropelado”.
O ministro Marco Aurélio Mello, sorrindo, interveio e disse:
“Mas um episódio não leva à conclusão de que o Oficial de Justiça exerce uma
atividade de risco”, acrescentando: “Nós também, julgadores, como ficaríamos?”
O ministro Lewandowski, que preside a Corte e já acompanhou o
voto favorável da relatora Carmen Lucia no julgamento do MI 833, mencionou
então, no mesmo tom: “Então os motoristas de táxi de São Paulo exercem
atividade de altíssimo risco”.
Em seguida, o ministro Luiz Fux voltou à carga: “Por exemplo,
aquele médico que V.Exa, citou, ministro Gilmar, ele exerce por excelência uma
atividade de risco. Ele trata de loucos. O sujeito era maluco”.
A ministra Rosa Weber aproveitou para lembrar que “os
motociclistas de São Paulo, os motoboys, têm o adicional de periculosidade,
pois são conceitos legais. Se a lei disse que é perigoso...”. E o ministro Lewandowski
completou: “Trata-se de uma escolha legislativa, feita pelos representantes da
soberania popular”.
O ministro Gilmar Mendes, então, arrematou: “No âmbito do
serviço público, alguém que exercia a função de motorista de autoridade, Oficial
de Justiça ou seja lá o que for e que amanhã se torna juiz agora vai ter uma
contagem de tempo especial em função dessa averbação...”, para concluir: “A
legislação até pode assim dizê-lo, tendo em vista as constatações que se façam,
mas não a partir de uma abordagem em mandado de injunção. É essa a observação
pelo menos que eu vejo”.
Assistir ao diálogo acima transcrito, classificado ao final
pelo ministro Ricardo Lewandowski como uma “discussão riquíssima”, revelou o
quanto os magistrados da mais alta Corte do País desconhecem a realidade dos Oficiais
de Justiça. Lamentavelmente, o assassinato do nosso colega Francisco Pereira
Ladislau Neto, de apenas 25 anos e com menos de cinco meses na função, é apenas
mais um episódio de violência, entre tantos que temos contabilizado nos últimos
anos. Não é à toa que temos um dossiê com mais de 250 páginas apenas com casos
noticiados pela mídia nos últimos sete anos.
Os Oficiais de Justiça trabalham sozinhos, desprotegidos e
desarmados (não têm porte de arma estabelecido em lei, como os juízes,
procuradores e, mais recentemente, auditores fiscais). Podem chamar a polícia
somente depois de uma resistência ou uma recusa, mas são alvos fáceis de
agressões porque geralmente não levam boas notícias. Representam o Estado
apenas com papel e caneta nas mãos, muitas vezes em locais inóspitos e
perigosos. Os senhores magistrados da mais alta Corte deveriam saber de tudo
isso, mas insistem em nos comparar a motoboys, que entregam encomendas
esperadas, ou motoristas de táxi, que podem escolher o horário para trabalhar e
eventualmente recusar um passageiro.
Esqueceram-se de mencionar os carteiros,
que recebem adicional de risco.
Tudo isso poderia ser atribuído apenas ao desconhecimento de
uma realidade que nós temos insistido em mostrar a parlamentares, a formadores
de opinião e até mesmo aos nossos Tribunais.
Mas o que talvez tenha nos deixado mais indignados foi ver a forma como
integrantes da mais alta Corte trataram o caso do assassinato de nosso colega
Francisco.
Não, senhores ministros, não queremos usar este “episódio”
para convencê-los de que exercemos uma atividade de risco. Não é disso que se
trata. Não é apenas um caso isolado de violência. São vários e repetidos episódios
em que os agredidos representam o Estado longe dos gabinetes protegidos, sem
segurança. Casos que se repetem a cada dia e nos quais o Poder Judiciário, na
figura do Oficial de Justiça que carrega nas mãos a ordem de um magistrado, é costumeiramente
desrespeitado. E que, em situações extremas, têm como desfecho um assassinato.
Diante de tudo isso, dizemos: deixem nossos colegas mortos em
paz. Para eles, não haverá aposentadoria especial.
Neemias Ramos Freire
Oficial de Justiça Avaliador
Federal, vice-presidente da AOJUSTRA
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