Artigo: Subsídio, teorias e conspirações
Comentários sobre mistificações e tabelas acerca da emenda de subsídio
Demerson Dias
A primeira mistificação que surge nesse estágio do debate é negativa. Desrepeita-se o maior acúmulo teórico e democrático que a categoria judiciária conseguiu alcançar no debate sobre Plano de Carreira. Não é pouca coisa, e o problema não está somente em se tentar obliterar esse fato, o que em si, já é uma violência profundamente autoritária.
A proposta de subsídio não cabe na nossa pauta porque ela já foi plenamente superada nos debates. Não digo que em outra oportunidade ela não possa retornar, mas nós a superamos teórica e politicamente e por essa razão, não por outra, ela não consta do conjunto de propostas que pautamos.
Na sequência dessa atitude autoritária e violenta, a proposição é apresentada desrespeitando também, muito além das nossas instâncias, a nossa história.
Sindicatos e Federação aprovaram 3 PCSs. Garantiram que o 4 existisse e estivesse no congresso. Sem isso não existiria emenda alguma. Mas as pessoas apagam esse contexto para simplesmente achar que possuem mais condições de propor, entender e garantir as conquistas desta categoria. Como é possível isso? Em que realidade surreal, as pessoas envolvidas na evolução de uma mesma conquista durante 15 anos, pelo menos, deixam de estar habilitadas para avaliar qual é o caminho mais adequado para avançarmos nas conquistas?
Não se trata de negar-se que há erros nesse processo. Mas só erra quem se expõe a mudar a realidade. A proposta de subsídio não só tenta embarcar numa luta que já vem sendo pautada há anos, como ainda acusa quem travou essas batalhas de não saber o que está fazendo. E faz isso defendendo uma das mais tenebrosas formas de ataque a direitos pautada pelo neoliberalismo.
Porque será que não existe sequer uma carreira de nível auxiliar no executivo que receba por subsídio?
Esta categoria já demonstrou maturidade para fazer essa discussão, e aliás, já repudiou a elitização do serviço público. Isso sim é começar a moralizar o Estado de onde se deve. Que o estado inclua nos seus quadros TODOS os trabalhadores, não somente os filhos das elites, os remediados e incluídos.
Não defendemos altos salários para o judiciário. Historicamente nossa luta é por isonomia e salários dignos. Fomos nós, e não a cúpula, ou intervenções corporativas, que garantiram que o judiciário hoje conseguisse "concorrer” com as carreiras públicas e atrair quadros capacitados. Se dependesse da cúpula, dos governos, e dos organismos como Banco Mundial e FGV – que tentam definir o que deve, ou não ser feito com o judiciário – provavelmente nenhum de nós estaríamos fazendo essa discussão porque este poder já estaria desmontado e precarizado.
E por termos uma visão política estratégica e um compromisso radical com a organização da categoria, estamos hoje em condições de fazer essas discussões. Não foi por vocação aventureira, imediatista ou mercenária.
Além disso, as pessoas presentes às reuniões com Paulo Bernardo, que autuam na Fenajufe, nós conhecemos, sabemos de seu alinhamento político, e representam legitimamente a categoria. Quem os acusa de estarem ocultando informações ou mentindo, quem são? De onde vêm? Que conquistas ajudaram a construir nesta categoria? E é claro, por onde andavam enquanto este debate ocorria nos últimos anos? Se a idéia é contribuir, porque não se submeteram ao crivo democrático da categoria?
Não se sabe a que propósito servem, mas a tese que defendem conhecemos bem. Para além disso se até mesmo os setores simpáticos ao governo apontam que suas intenções não são do interesse da categoria, em defesa de quem está a proposta do subsídio?
Com esta pergunta passo a avaliar alguns aspectos da proposta inclusive a famigerada tabela.
Em primeiro lugar, a Fenajufe discutiu e aprovou uma tabela que foi apresentada à Comissão interdisciplinar. Existe uma confusão proposital nesse debate que é atribuir e comparar coisas distintas.
A proposta da Fenajufe era MUITO SUPERIOR AO PCS e, a depender da prioridade, melhor que a tabela defendida na emenda do subsídio. Sem mencionar que foi resultante das deliberações da categoria em instância nacional de discussão.
Os sindicatos e a Fenajufe conduziram com sucesso a proposição, a luta e conquista de 3 projetos de lei reajustando salários. O tratamento à informação dado, em cada uma dessas lutas, derivou diretamente do perfil político da direção nacional, e da correlação de forças dentro da Fenajufe.
Nos PCSs 2 e 3 nós de São Paulo sofremos derrotas significativas quando propúnhamos adentrar numa abordagem que nos aproximasse de um Plano de Carreira. Para este PCS4 havia um consenso inicial em prol da carreira e, mais uma vez, o pragmatismo da maioria pautou um recuo nas questões estruturais, para de novo se buscar a reposição de perdas.
Não fomos somente nós do Lutafenajufe que pautamos e insistimos numa discussão mais aprofundada. Pessoalmente considero que a começamos a perder para a lógica imediatista quando fomos derrotados na defesa de que o Plano de Carreira incluísse a jornada de 6 horas. Nesta questão, destaque-se o empenho e insistência dos companheiros do RJ.
Nossas divergências são superadas aí. Diante da decisão da categoria de que a prioridade seria seguir garantindo mais uma fez a revisão da tabela.
Uma vez que a categoria expressivamente decide que a luta pela Carreira vai, novamente, esperar, recolhem-se as diferenças e vamos o mais unitariamente possível lutar pela vontade da maioria. Isso é democracia, isso é responsabilidade com a luta geral da categoria. Evidentemente, o debate por reajuste não é secundário. O Judiciário e Ministério Público ainda perseguem equiparação, pelo menos, com as carreiras jurídicas do Excecutivo.
Um ofício do Sindjus-DF provocou a criação da Comissão Interdisciplinar que debateu propostas que esboçariam um Plano de Carreira. Os Sindicatos e a Fenajufe, por mais de um ano, realizaram debates para aprofundar a discussão e conformaram uma proposta razoavelmente avançada de Plano.
A Fenajufe constituiu um GT em que estavam representadas forças e proposições de forma democrática. Nenhuma proposta trazida pelos estados foi negligenciada. É bom repetir NENHUMA PROPOSTA TRAZIDA PELOS ESTADOS FOI NEGLIGENCIADA. O processo de debates transcorreu por mais de um ano. A rigor, alguns estados debatem um Plano de Carreira há muito mais tempo. Como já mencionei, em 1991 realizaram se as primeiras discussões nos Estados e entre as organizações nacionais. PE, RS, SC e SP, antes de 2000, já vinham acumulando a respeito. Menciono estes porque foram estados em participei de debates [a memória nem sempre ajuda].
Desta vez, seguindo orientação nacional, TODOS os estados em que existe organização sindical consistente discutiram Plano de Carreira.
Proposta por proposta, a Fenjaufe realizou um trabalho razoavelmente fundamentado para construir sua síntese. E é importante apontar alguns elementos que nos distinguem bastante, política e teóricamente, dessa formulação de subsídio.
A começar pelas controvérsias que existem na categoria, e uma delas aponta a distorção existente entre técnicos e analistas que realizam rigorosamente o mesmo trabalho. Apesar de acusados pelos técnicos de só privilegiarmos analistas, ao longo da história dos PCSs e a série histórica das reposições ocorridas desmentem esse fato.
Ainda assim, a proposta da Fenajufe previa um teto para a carreira dos analistas MAIOR DO QUE A OUTRA PROPOSTA. ( Veja Tabela 1 abaixo ) - CLIQUE SOBRE A IMAGEM PARA AUMENTÁ-LA
Elaboração Démerson Dias
Esta comparação é feita com a tabela de enquadramento da Fenajufe. Na estrutura de tabela existem pelo menos duas vantagens em relação à proposta de emenda ao PCS. Primeiro que definimos uma alteração com uma razão única entre um padrão e o seguinte.
Pela proposta que fizemos na progressão vertical o aumento entre um padrão e o seguinte seria sempre de 3,14%. Na proposta de emenda esse índice varia entre 1,8% (analista 10 e 11) e 9,81%. Temos lutado contra esse elemento de irracionalidade desde o primeiro PCS e enquanto tivemos a primazia da elaboração da tabela [até o PCS2] conseguimos preservar essa correção em relação à situação anterior.
A segunda vantagem escapa por completo à percepção da proposta de subsídio. Como remunerar o desempenho diferenciado? E o interesse no aperfeiçoamento?
O subsídio nivela a todos. Como se todos fossem iguais. Pessoas que se especializam na atividade que exercem irão receber rigorosamente o mesmo que as que simplesmente se limitam a fazer o que mandam.
Na discussão do Plano de Carreira tratamos longamente desta questão. Não irei me alongar aqui e tentarei apresentar uma síntese do debate de carreira que aprovamos na Fenajufe.
Seguindo na avaliação da tabela, seria interessante cotejarmos a forma como são construídas essas tabelas. Tomamos como base a comparação no nível superior, uma vez estabelecido um parâmetro como pressuposto, podemos avançar na projeção para os níveis intermediário e básico.
Se a idéia é comparar com o que existe no executivo, e o teto proposto é superior ao das carreias jurídicas, o que impediu os formuladores de buscar a equiparação com o teto de carreiras daquele poder que é o de Delegado da Polícia Federal, R$ 19.699,82? Aliás, o piso também, no caso do delegado é R$ 13.368,68 ou ainda o das carreiras jurídicas que é ainda maior R$ 14.549,53. Porque não adotar esses parâmetros?
Da mesma forma, se o foco é dinheiro no bolso mesmo cedendo ao subsídio neoliberal, por que vender barato a perda de direitos, e não montar uma tabela com 3 ou 4 padrões a exemplo da maioria das tabelas do executivo (veja aqui o quadro)?
Essas questões são todas elementares na construção de tabelas. O que fica claro mesmo a partir de uma uma análise superficial da proposta, é que os parâmetros adotados não condizem com a propaganda de que esta é uma proposta melhor para a categoria, mesmo em termos de subsídio. AO CONTRÁRIO, É LIMITADA E INFERIOR, MESMO EM RELAÇÃO AO QUE JÁ EXISTE NO PRÓPRIO EXECUTIVO.
Um caso flagrante é a análise da amplitude da tabela, ou seja, tomando-se ainda apenas o nível superior, a amplitude da tabela proposta é de 42,57%. A menor amplitude nas carreiras de nível superior que recebem subsídio é de 25,5%. O que explica essa desproporção? Esse tipo de inconsistência, nós não cometemos mais na Fenajufe. Supondo que estivéssemos defendendo o subsídio, teríamos uma situação consideravelmente melhor do que essa. Inclusive porque precisamos prestar contas das proposições que apresentamos.
Abaixo, a tabela com os limites da remuneração por subsídio no executivo (Veja aqui Tabela 2).
A disputa pela maior tabela é pueril e falsa
Conforme exposto, existem alguns parâmetros que, se elaborados, por exemplo no GT da Fenajujfe teriam sido substancialmente melhorados, os próprios fundamentos da tabela seriam explicitados. Parâmetros são importantes porque permitem um controle melhor sobre os efeitos. Quando lidamos com salários o resultado final sempre é importante.
Por exemplo, seguindo o modelo de remuneração proposto para as carreiras jurídicas e adotando-se o teto de subsídio pago no executivo [afinal, se o teto dos Ministros do Judiciário é o parâmetro do teto constitucional, não há razão para projetar no Judiciário um teto de carreira inferior aos demais poderes] poder-se-ia chegar a resultados superiores e menos distorcidos de tabelas. Apresento duas variações, a primeira com 3 categorias (Tabela 3 – Estudo 1) e a segunda com 13 padrões (Tabela 4 – Estudo 2). A mera comparação permite notar como a qualidade dos critérios adotados [ou ainda, a existência de critérios] pode alcançar soluções mais satisfatórias.
Mas qual o valor político real destas propostas? Nenhum . Estas propostas não foram submetidas a instância alguma. E, no cotejo com a emenda pró-subsídio, surge uma mistificação esdrúxula pautada pelos defensores da emenda.
Como já provamos que teríamos chegado a resultados efetivos melhores, apenas adotando alguns cuidados e critérios na elaboração das tabelas, vamos avaliar o contexto em que se realiza essa proposta.
A tabela do PCS4 é inferior porque não foi acatada a proposta do GT de Carreira da Fenajufe. Trata-se de um processo negocial. Em dado momento temos que decidir se seguimos sustentando nossa proposta, ou se aceitamos o ganho preliminarmente acordado e preservamos nossa proposta para um momento futuro. A lógica que admitiu a redução da tabela é a da primazia de algum aumento, em detrimento do Plano de Carreira, neste momento.
Ocorre que o tema TABELA DE REMUNERAÇÃO é o ponto fulcral do PCS [por isso é PCS e não PCCS]. Em torno dele gira a principal queda de braços deste debate, pois envolve a questão orçamentária. A TABELA DO PCS É A TABELA COM A QUAL O PODER JUDICIÁRIO ESTÁ DE ACORDO. Da mesma forma, o executivo, diante dela obstaculizou fundamentalmente a disponibilidade orçamentária. Vamos abstrair o fato de que o judiciário possui rubrica para reajustes e reestruturação de carreira, e que o executivo torra bilhões de reais com o sistema de agiotagem.
O PCS É O ACORDO PRIMORDIAL EFETIVO EM TORNO DA QUESTÃO TABELA E ORÇAMENTO. Podemos discordar dessa tabela? Evidente que sim, mas a lógica que impõe essa e não qualquer outra tabela, é justamente o acordo tácito em torno deste projeto de lei e não de qualquer outro. SE QUISERMOS PROPOR UMA TABELA MAIOR, ou mesmo a tabela original da Fenajufe, IREMOS ANDAR PARA TRÁS NA DISCUSSÃO. Esse é um raciocínio elementar, tanto na negociação política, como na lógica parlamentar.
Porque a Fenajufe não banca sua tabela? Simples, porque essa é uma das condições para que o Judiciário tenha enviado o projeto. Como a prerrogativa de envio é do STF, a qualquer momento em que as condições de aprovação do mesmo contrarie radicalmente o projeto original, ele pode ser retirado. Mas o mais provável não é essa hipótese. Algumas categorias esperam por anos a aprovação de projetos de reajuste. A rigor, sobretudo um projeto em que estejam envolvidos outros poderes, a hipótese de aprovação de algo excessivamente contraditório é menos do que improvável. Pois essa é a prática. O Congresso não colocará em votação um relatório em que os termos sejam inaceitáveis para o governo, ou para o poder que detém a prerrogativa de envio. Simples assim.
Outrossim, a prática tem provado qu a melhor forma de aprovar os PCSs é chegando ao Congresso com a proposta o mais unitária possível entre categoria e Judiciário. Do contrário, a mediação no Congresso tende a representar perda para os trabalhadores na queda de braços ocorrida no Congresso. Não se trata de um dogma, é simplesmente o que a prática nos tem ensinado. (Veja aqui Tabela 3 e a Tabela 4).
E como nós temos conseguido preservar direitos ou avançar nos acordos com o Judiciário? Com greves. A política é um jogo queda de braço. Em 1994 queríamos um Plano de Carreira e desde então, temos recuado para um Plano de Cargos e Salários porque temos considerado não contarmos com condições políticas para bancar uma proposta distinta. Existem inúmeras divergências entre os sindicatos na Fenajufe e mesmo em sua direção. Mas ninguém é absolutamente irresponsável a ponto de sabotar a aprovação de um projeto que traz ganhos efetivos, em troca da duvidosa hipótese de avançar em outras direções.
Existe um motivo consistente para isso. Uma proposta aventureira, pode tumultuar o andamento das negociações e da tramitação e adiar, ou mesmo comprometer, a aprovação do projeto. Nesse sentido, o momento negocial junto à cúpula do Judiciário constitui-se numa espécie de pegar ou largar que só é alterado com mobilização (conclusão igualmente histórica).
A pressão oferecida pela Frente Associativa dos Juízes, caso se expresse no congresso, pode simplesmente fechar as portas da negociação. Da mesma forma, o aumento excessivo do impacto da proposta no orçamento do Judiciário pode levar à paralisação da tramitação por ausência de acordo quanto ao impacto orçamentário.
Por essas e algumas outras razões, Fenajufe e Sindicatos são conseqüentes na apresentação de emendas aos PCSs enviados pelo judiciário.
Ou seríamos todos parvos ao longo desses 15 anos, e não conheceríamos a correlação de forças de cada um nesse processo?
Ao contrário. Se lançássemos a categoria numa aventura, no mínimo iríamos esclarecer os motivos e nunca o faríamos sem endosso, pelo menos de uma maioria.
Somos capazes de fazer propostas melhores. Mas a realidade delimita o que é possível, e nossa capacidade de intervenção política é que determina o horizonte que alcançamos nas nossas conquistas.
O resto é conversa fiada.
Demerson Dias é diretor do Sintrajud, servidor do TRE e um dos principais elaboradores da proposta de Plano de Carreira do Judiciário Federal
Nenhum comentário:
Postar um comentário