sábado, 27 de junho de 2009
Da unificação de carreiras do Poder Judiciário. Medida restauradora da justiça e da ordem jurídica
Da unificação de carreiras do Poder Judiciário. Medida restauradora da justiça e da ordem jurídica
» Emerson Odilon Sandim
I – Da problemática:
Em data de 29/10/2007, o site "Espaço Vital" publicou, no tanto que interessa, a seguinte notícia: "A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei nº 319/07, do Supremo Tribunal Federal, que transforma as carreiras de analista judiciário, técnico judiciário e auxiliar judiciário em cargos de uma única carreira - a judiciária. Com a mudança, o projeto torna a carreira dos servidores do Poder Judiciário da União compatível com as emendas constitucionais 41 e 47 – da reforma da Previdência. O projeto evita, por exemplo, que um servidor com 15 anos de exercício no cargo de técnico judiciário, se aprovado no concurso para analista judiciário, tenha de acumular mais 15 anos como analista para obter a paridade de aposentadoria prevista nas regras de transição da reforma da Previdência. A Emenda Constitucional nº 47, de 2005, autoriza o servidor a se aposentar com paridade salarial ao ativo desde que preencha alguns requisitos. Entre eles, 25 anos de efetivo serviço público, 15 anos na carreira e 5 anos no cargo." (01)
Essa unificação preconizada acima, além de atender às questões previdenciárias, impedirá anomalias dentro das próprias carreiras já existentes, isto é, um servidor que seja analista judiciário da área judiciária, por exemplo, venha a ingressar na mesma área judiciária, em apenas uma atividade especializada e, numa leitura rápida, poderia perder, para efeito de progressão, o tempo anteriormente mourejado.
Daí porque, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, procuraremos dimensionar a vantagem da unicidade das preditas carreiras e, também, levaremos a cabo uma interpretação mais sistêmica, para que, enquanto não haja mudança normativa, se consiga maior harmonização exegética.
II – Das diferentes carreiras tratadas pela Lei nº 11.416/06. Imprecisão jurídica:
A Lei nº 11.416 reza que: "Art. 2º Os Quadros de Pessoal efetivo do Poder Judiciário são compostos pelas seguintes Carreiras, constituídas pelos respectivos cargos de provimento efetivo: I - Analista Judiciário; II - Técnico Judiciário; III - Auxiliar Judiciário."
Por sua vez, a Constituição Federal, no ponto sob análise, assevera que: "Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II - os requisitos para a investidura; III - as peculiaridades dos cargos."
Segundo a boa doutrina, tem-se que: "Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei." (02)
E, prosseguindo, funções públicas tratam-se de "plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche." (03)
Daí porque, a bem da verdade, no Estado brasileiro pode-se aquilatar, face à existência de três poderes (art. 2º, da Carta Política), que, igualmente, se fazem presentes apenas três carreiras. No mais, as divisões emergirão dos diversos cargos e funções.*
Deste modo, a Lei nº 11.416/06, em seu art. 2º, quando alude à existência de três carreiras no Poder Judiciário, protele inegável erronia, haja vista que carreira é singular a cada Poder e, exatamente isso, é o que se extrai do § 1º, do art. 39, da Lei Mater, que jamais pluraliza esse instituto do direito administrativo.
Este, aliás, é o judicioso posicionamento de Glauce de Oliveira Barros, quando põe à mostra que: "o novo Plano de Carreira contemplado pela Lei 11.416/06 repetiu o erro técnico jurídico constante do seu antecessor, relativamente ao conceito de carreira, pois ao dispor que "as carreiras" do Poder Judiciário são compostas pelos cargos de analista, técnico e auxiliar acabou por dizer que cada cargo correspondia a uma carreira, significando que os servidores do Poder Judiciário compunham três carreiras. Diante desse fato, iniciou-se o equivocado entendimento no âmbito da administração pública, resultado desse erro técnico legislativo." (04)
Infelizmente, essa confusão terminológica tem dado vazão à ocorrência de situações monstruosas, dente elas, podemos exemplificar o caso de um técnico judiciário que já tenha laborado cerca de cinco anos neste cargo e, ao depois, sagrando-se vitorioso em certame para analista judiciário, veja perdido seu tempo de serviço para fins previdenciários** e, identicamente, para ascensão e/ou progressão funcionais.
Para agravar ainda mais, alguns tribunais têm realizado concurso público para certas atividades mais especializadas, alusivas ao cargo de analista judiciário da área judiciária, como, à guisa de exemplo, o relativo aos oficiais de justiça, calcando-se no permissivo da Lei nº 11.416/06, que preceitua: "Art. 4º As atribuições dos cargos serão descritas em regulamento, observado o seguinte: (...) § 1º Aos ocupantes do cargo da Carreira de Analista Judiciário – área judiciária cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida pela legislação processual civil, penal, trabalhista e demais leis especiais, é conferida a denominação de Oficial de Justiça Avaliador Federal para fins de identificação funcional." (ausentes parênteses e reticências na fonte).
Implementado o dito concurso, suponhamos que alguém que já era analista judiciário da área judiciária logre agora a aprovação neste novo mister e como estímulo, por incrível que pareça, sobrevir-lhe-á verdadeira pena, isto porque, não terá contado seu anterior tempo de labor para fins securitários e, também, para progressão/ascensão, tudo em decorrência da equivocada visão quanto à existência de "carreiras" diferentes no próprio Poder Judiciário.
Do exarado no parágrafo antecedente se depreende uma deformação hermenêutica ainda maior, dado que alguns intérpretes têm conseguido a proeza de se criar duas carreiras de analista judiciário da área judiciária, isto é, tendo como carreira própria àquela voltada à execução de mandados, que, neste caso, nem a Lei nº 11.416/06 pretendeu gestar esta irregularidade, tanto assim o é que giza em seu art. 4º, §1º que: "Aos ocupantes do cargo da Carreira de Analista Judiciário – área judiciária cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida pela legislação processual civil, penal, trabalhista e demais leis especiais, é conferida a denominação de Oficial de Justiça Avaliador Federal para fins de identificação funcional." (apuseram-se grifos).
Insistimos, então, em deixar clara a impossibilidade solar de se pensar em duas carreiras de analista judiciário da área judiciária, máxime porque condenamos veementemente a própria gênese da pluralização de carreira no respectivo Poder Judiciário. O que se é distinto entre analista judiciário da área judiciária, sem maiores especialidades, e aquele que esteja lotado, exemplificativamente, como oficial de justiça são as classes díspares que ambos ocupam.
Novamente, por oportuno, a preleção de Glauce de Oliveira Barros, ao vaticinar: "Ora, os cargos estão escalonados em classes, com grau de responsabilidade diferenciada entre auxiliar judiciário, técnico judiciário e analista judiciário. Dessarte, carreira é o conjunto de cargos hierarquicamente diferenciados pela complexidade de atribuições e maior grau de responsabilidade, exigindo-se, como um dos requisitos para o seu provimento, nível de escolaridade diferenciado e razoável ao grau de complexidade das atribuições." (05)
Não cansamos de asseverar, portanto, a incorreção da Lei nº 11.416/06, ao engendrar "carreiras", como no-lo bem diz Glauce de Oliveira Barros: "o entendimento, por certo, está totalmente divorciado do ordenamento constitucional, pois a simples colocação de uma frase para o plural não poderia causar entendimento tão equivocado de que o legislador ordinário "mudou o conceito de carreira", mormente quando a maioria dos servidores do Poder Judiciário são capacitados e qualificados com cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e até mesmo doutorado em ciências jurídica." (06)
O nosso raciocínio, com todo respeito, parece estar de acordo com o sistema jurídico pátrio, visto que, se não fosse deste modo, tornar-se-ia incompossível admitir a iterativa jurisprudência que permite que ocupantes de outros cargos dentro do Poder Judiciário ao ingressar, por exemplo, na magistratura, ainda assim possa assenhorear-se de vantagens daquela sua outra atividade, como sói ocorrer com os quintos. ***
Logo, a propalada unificação da carreira do Poder Judiciário, abarcada pelo Projeto de Lei nº 319/07, do Supremo Tribunal Federal, nada mais representa do que um real ajuste terminológico que a Lei nº 11.416/06 dera em sanchas quando, com a infelicidade redacional, forjara a nascença de três carreiras no poder comento.
Seja como for, temos tido ciência que inúmeros analistas judiciários da área judiciária, em sede de reivindicação previdenciária ou funcional (progressão/ascensão) te recebido de seus tribunais de origem, no pálio administrativo, indeferimentos de tais pretensões sob o argumento de que, ao alçarem carreira diversa ou mesmo ao tomarem posse, novamente como analista judiciário da área judiciária, mas agora como executores de mandados (oficial de justiça), terão aberto nova etapa funcional, como ocupantes de uma nova carreira, não fazendo jus a todos os direitos que guarneciam o patrimônio quando da transata atividade.
Outra nódoa se faz incontinentemente presente, haja vista que ao se fazer uma escorreita interpretação da Lei nº 11.416/06 conclui-se em uma interpretação conforme à Constituição Federal, ou seja, adequando-a ao estabelecido pelo art. 39, § 1º, do mesmo diploma maior, que tão somente existe uma carreira para cada Poder e, por isso mesmo, tudo aquilo que for angariado por uma auxiliar judiciário, técnico judiciário ou analista judiciário jamais poderá ser por ele perdido, sob pena de malferimento ao cânone do direito adquirido.
Pontuando com exatidão de ourives, a questão do direito adquirido, a prelação de José Adércio Leite Sampaio é de veras maravilhosa, ao aludir que: "o direito adquirido, como sabemos, é no Brasil o critério geral de barreira à retroatividade da lei e da garantia da previsibilidade dos negócios. (...) Seja como direito adquirido estrito senso, seja como as subespécies de ato jurídico perfeito e coisa julgada, temos uma situação ou um complexo fático – jurídico consolidados pelo decurso do tempo. Em sentido estrito, consideramos direito adquirido o complexo de situações concretas e subjetivas, fundadas e esgotadas as hipóteses legais de aquisição; em sentido largo, direito adquirido é, ademais, aquelas posições de vantagens que decorrem de um ato irrecorrível, bem como situações existentes e realizadas de acordo com a lei." (inocorrem parênteses e reticências no original).
Derradeiramente, como frisamos alhures, existem processos administrativos de servidores públicos do Poder Judiciário envolvendo a aplicabilidade da Lei nº 11.416/06, no que tange a direitos previdenciários/funcionais, arrimados na análise dessas "três carreiras" que, como sabemos, em linguagem doutrinária, deveriam ter o selo da unidade, a qual, consoante o noticiado Projeto de Lei nº 319/07, será uma realidade normativa. Esses feitos, por ventura em tramitação, se não julgados favoravelmente aos agentes públicos, haverão de ser sobrestados até a edição da nova lei, para que com isso sejam colmatadas eventuais decisões contrárias à esperada nova ordem legal, coibindo-se, assim, ainda mais, gastos desnecessários de tempo e dinheiro com o posterior julgamento dessas quizilas a nível jurisdicional.
O fundamento jurídico favorável à suspensividade dos autos administrativos, como é cediço, radica-se no art. 462, do Código de Processo Civil, como se percebe, mutatis mutandis, deste aresto: "Recurso provido para reconhecer a validade da licitação, por força do novel diploma especificador da lei pretérita que inaugurou o procedimento licitatório, reconhecendo encartado o trecho na previsão originária. Aplicação do art. 462 do CPC." (08)
III – Das conclusões:
Torna-se perceptível, data venia, que:
a) A Lei nº 11.416/06, em seu art. 2º, quando faz emergir três carreiras no Poder Judiciário, malfere o art. 39, § 1º, da Constituição Federal, que explicita existir uma única carreira para cada Poder da República;
b) O exercício das atividades de auxiliar judiciário, técnico judiciário ou analista judiciário não faz sobrevir três distintas carreiras, mas, sim, deságua em três classes diversas, de modo que, em sendo a carreira única, os direitos amealhados em uma delas sê-lo-ão transpostos às outras, tangentemente às questões previdenciárias, progressão e promoção funcionais;
c) As três classes acima nominadas poderão, se for o caso, comportar especializações, dando azo, inclusive, ao ingresso nestas por novo certame. Exemplificativamente: uma analista judiciário da área judiciária poderá habilitar-se em concurso público para exercer misteres de oficial de justiça, porém, neste caso, não estará ingressando em uma nova carreira, até mesmo porque isso inexiste, contudo, abrigar-se-á em uma nova classe, ou, como queira, em um novel cargo, isto apenas para fins de identificação funcional (cf. art. 4º, § 1º, da Lei nº 11.416/06);
d) Hermenêutica que não anteveja essa unicidade de carreira, a par de estar crivada de inconstitucionalidade, por afrontadora do art. 39, § 1º, da Carta de Outubro, menoscabará o primado do direito adquirido, tornando sem sentido, dogmática e pragmaticamente falando, a volição de um servidor que já estivesse lotado em uma das classes do Poder Judiciário, anelar o adentramento em outra, porquanto verse-ia fenecido o seu tempo mourejado na classe pretérita, seja para fins previdenciário ou funcional. Tal desatino, a não mais poder, conspurcaria o princípio da razoabilidade, que tem sido sustentáculo hodierno da interpretação constitucional que, como é sabido, intenta dar a máxima eficácia às suas normas;
e) Os autos administrativos existentes, cujo thema decidendum recaia na casuística dessa "unificação de carreiras", se ainda pendentes de julgamento, caso não decididos em prol dos servidores públicos, haverão ser suspensos até a entrada em vigor da novel lei, para se evitar decisões contrárias ao futuro regramento, e que por isso mesmo, desafiem a jurisdicionalidade a fim de revê-las.
IV - Notas:
* Estudando o contido no art. 39, da Lex legum, Glauce de Oliveira Barros tem ocasião de assercionar que: "Quando o dispositivo destaca "cada carreira" quer se referir à carreira do Poder Judiciário, formada pelos cargos de analista, técnico e auxiliar; a carreira do Poder Legislativo, formada pelos cargos respectivos e a carreira do Poder Executivo, também formada por cargos distintos pela complexibilidade e demais requisitos indicados no parágrafo 1°, suso transcrito."
** Socorre-se, uma vez mais, deste magnífico exemplo do jurista Glauce de Oliveira Barros: "se o servidor, por exemplo, com 20 anos de serviço público, 15 anos de exercício no cargo de técnico judiciário, fosse aprovado no concurso público para analista do Poder Judiciário, deveria, além de permanecer cinco anos no cargo de analista (requisito da EC), também acumular 15 anos na carreira "de analista"."
*** "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ATENDENTE JUDICIÁRIO. FUNÇÃO COMISSIONADA. QUINTOS. INGRESSO POSTERIOR NA MAGISTRATURA. INCORPORAÇÃO DOS QUINTOS. POSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. VANTAGEM PESSOAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO REJEITADA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1 - A incorporação dos quintos, decorrente do exercício de função comissionada, à época em que o apelado era atendente judiciário, constitui vantagem pessoal; 2 - Legalmente incorporada tal vantagem, o ingresso posterior na magistratura não afasta o direito de continuar percebendo o seu valor correspondente; 3 - Ao contrário do que dispõe o art. 65, parágrafo 2º, da LOMAN, os quintos incorporados não configuram nova concessão de vantagem, mas sim obediência ao princípio constitucional do direito adquirido; 4 - Precedentes do STJ, desta Corte e do TRF da 2a Região; 5 - Apelação e remessa obrigatória improvidas." (TRF da 5ª Região. Processo nº 353336. Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha. Data de julgamento: 13/10/2005).
"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RECURSO ORDINÁRIO. EFEITOS MODIFICATIVOS. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. DIREITO ADQUIRIDO. REQUISITOS PREENCHIDOS. IMPLEMENTAÇÃO NÃO EFETIVADA. NÃO-IMPORTÂNCIA. 1. Para o reconhecimento do direito adquirido, pouco importa se a pessoa efetivamente fez uso do direito que adquiriu, pois o que tem valia é a implementação dos requisitos e incorporação de tal direito ao patrimônio do titular que, assim, dispõe dele quando entender conveniente. Doutrina e jurisprudência. 2. É possível o percebimento, por parte de magistrados, de quintos incorporados em época anterior ao ingresso na magistratura. 3. Embargos declaratórios acolhidos, com efeitos infringentes,para julgar procedente o recurso ordinário." (STJ. Processo nº 11988/DF. 6ª Turma. Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Data de julgamento: 21/08/2007).
V - Referências:
(01) Notícia intitulada "Aprovada a unificação de três carreiras do Judiciário". Disponível em:. Acesso em: 06 nov. 2007.
(02) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 182.
(03) Idem ibidem, p. 183.
(04) BARROS, Glauce de Oliveira. Carreiras no Judiciário: projeto de lei corrige erro na redação de plano de carreira. Disponível em:. Acesso em: 06 nov. 2007.
(05) BARROS, Glauce de Oliveira. Ob. Cit.
(06) BARROS, Glauce de Oliveira. Ob. Cit.
(07) SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito adquirido e expectativa de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
(08) STJ. Processo nº 434283/RS. 1ª Turma. Rel. Min. LUIZ FUX. Data de julgamento: 21/11/2002.
» Emerson Odilon Sandim
I – Da problemática:
Em data de 29/10/2007, o site "Espaço Vital" publicou, no tanto que interessa, a seguinte notícia: "A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei nº 319/07, do Supremo Tribunal Federal, que transforma as carreiras de analista judiciário, técnico judiciário e auxiliar judiciário em cargos de uma única carreira - a judiciária. Com a mudança, o projeto torna a carreira dos servidores do Poder Judiciário da União compatível com as emendas constitucionais 41 e 47 – da reforma da Previdência. O projeto evita, por exemplo, que um servidor com 15 anos de exercício no cargo de técnico judiciário, se aprovado no concurso para analista judiciário, tenha de acumular mais 15 anos como analista para obter a paridade de aposentadoria prevista nas regras de transição da reforma da Previdência. A Emenda Constitucional nº 47, de 2005, autoriza o servidor a se aposentar com paridade salarial ao ativo desde que preencha alguns requisitos. Entre eles, 25 anos de efetivo serviço público, 15 anos na carreira e 5 anos no cargo." (01)
Essa unificação preconizada acima, além de atender às questões previdenciárias, impedirá anomalias dentro das próprias carreiras já existentes, isto é, um servidor que seja analista judiciário da área judiciária, por exemplo, venha a ingressar na mesma área judiciária, em apenas uma atividade especializada e, numa leitura rápida, poderia perder, para efeito de progressão, o tempo anteriormente mourejado.
Daí porque, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, procuraremos dimensionar a vantagem da unicidade das preditas carreiras e, também, levaremos a cabo uma interpretação mais sistêmica, para que, enquanto não haja mudança normativa, se consiga maior harmonização exegética.
II – Das diferentes carreiras tratadas pela Lei nº 11.416/06. Imprecisão jurídica:
A Lei nº 11.416 reza que: "Art. 2º Os Quadros de Pessoal efetivo do Poder Judiciário são compostos pelas seguintes Carreiras, constituídas pelos respectivos cargos de provimento efetivo: I - Analista Judiciário; II - Técnico Judiciário; III - Auxiliar Judiciário."
Por sua vez, a Constituição Federal, no ponto sob análise, assevera que: "Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II - os requisitos para a investidura; III - as peculiaridades dos cargos."
Segundo a boa doutrina, tem-se que: "Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei." (02)
E, prosseguindo, funções públicas tratam-se de "plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche." (03)
Daí porque, a bem da verdade, no Estado brasileiro pode-se aquilatar, face à existência de três poderes (art. 2º, da Carta Política), que, igualmente, se fazem presentes apenas três carreiras. No mais, as divisões emergirão dos diversos cargos e funções.*
Deste modo, a Lei nº 11.416/06, em seu art. 2º, quando alude à existência de três carreiras no Poder Judiciário, protele inegável erronia, haja vista que carreira é singular a cada Poder e, exatamente isso, é o que se extrai do § 1º, do art. 39, da Lei Mater, que jamais pluraliza esse instituto do direito administrativo.
Este, aliás, é o judicioso posicionamento de Glauce de Oliveira Barros, quando põe à mostra que: "o novo Plano de Carreira contemplado pela Lei 11.416/06 repetiu o erro técnico jurídico constante do seu antecessor, relativamente ao conceito de carreira, pois ao dispor que "as carreiras" do Poder Judiciário são compostas pelos cargos de analista, técnico e auxiliar acabou por dizer que cada cargo correspondia a uma carreira, significando que os servidores do Poder Judiciário compunham três carreiras. Diante desse fato, iniciou-se o equivocado entendimento no âmbito da administração pública, resultado desse erro técnico legislativo." (04)
Infelizmente, essa confusão terminológica tem dado vazão à ocorrência de situações monstruosas, dente elas, podemos exemplificar o caso de um técnico judiciário que já tenha laborado cerca de cinco anos neste cargo e, ao depois, sagrando-se vitorioso em certame para analista judiciário, veja perdido seu tempo de serviço para fins previdenciários** e, identicamente, para ascensão e/ou progressão funcionais.
Para agravar ainda mais, alguns tribunais têm realizado concurso público para certas atividades mais especializadas, alusivas ao cargo de analista judiciário da área judiciária, como, à guisa de exemplo, o relativo aos oficiais de justiça, calcando-se no permissivo da Lei nº 11.416/06, que preceitua: "Art. 4º As atribuições dos cargos serão descritas em regulamento, observado o seguinte: (...) § 1º Aos ocupantes do cargo da Carreira de Analista Judiciário – área judiciária cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida pela legislação processual civil, penal, trabalhista e demais leis especiais, é conferida a denominação de Oficial de Justiça Avaliador Federal para fins de identificação funcional." (ausentes parênteses e reticências na fonte).
Implementado o dito concurso, suponhamos que alguém que já era analista judiciário da área judiciária logre agora a aprovação neste novo mister e como estímulo, por incrível que pareça, sobrevir-lhe-á verdadeira pena, isto porque, não terá contado seu anterior tempo de labor para fins securitários e, também, para progressão/ascensão, tudo em decorrência da equivocada visão quanto à existência de "carreiras" diferentes no próprio Poder Judiciário.
Do exarado no parágrafo antecedente se depreende uma deformação hermenêutica ainda maior, dado que alguns intérpretes têm conseguido a proeza de se criar duas carreiras de analista judiciário da área judiciária, isto é, tendo como carreira própria àquela voltada à execução de mandados, que, neste caso, nem a Lei nº 11.416/06 pretendeu gestar esta irregularidade, tanto assim o é que giza em seu art. 4º, §1º que: "Aos ocupantes do cargo da Carreira de Analista Judiciário – área judiciária cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida pela legislação processual civil, penal, trabalhista e demais leis especiais, é conferida a denominação de Oficial de Justiça Avaliador Federal para fins de identificação funcional." (apuseram-se grifos).
Insistimos, então, em deixar clara a impossibilidade solar de se pensar em duas carreiras de analista judiciário da área judiciária, máxime porque condenamos veementemente a própria gênese da pluralização de carreira no respectivo Poder Judiciário. O que se é distinto entre analista judiciário da área judiciária, sem maiores especialidades, e aquele que esteja lotado, exemplificativamente, como oficial de justiça são as classes díspares que ambos ocupam.
Novamente, por oportuno, a preleção de Glauce de Oliveira Barros, ao vaticinar: "Ora, os cargos estão escalonados em classes, com grau de responsabilidade diferenciada entre auxiliar judiciário, técnico judiciário e analista judiciário. Dessarte, carreira é o conjunto de cargos hierarquicamente diferenciados pela complexidade de atribuições e maior grau de responsabilidade, exigindo-se, como um dos requisitos para o seu provimento, nível de escolaridade diferenciado e razoável ao grau de complexidade das atribuições." (05)
Não cansamos de asseverar, portanto, a incorreção da Lei nº 11.416/06, ao engendrar "carreiras", como no-lo bem diz Glauce de Oliveira Barros: "o entendimento, por certo, está totalmente divorciado do ordenamento constitucional, pois a simples colocação de uma frase para o plural não poderia causar entendimento tão equivocado de que o legislador ordinário "mudou o conceito de carreira", mormente quando a maioria dos servidores do Poder Judiciário são capacitados e qualificados com cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e até mesmo doutorado em ciências jurídica." (06)
O nosso raciocínio, com todo respeito, parece estar de acordo com o sistema jurídico pátrio, visto que, se não fosse deste modo, tornar-se-ia incompossível admitir a iterativa jurisprudência que permite que ocupantes de outros cargos dentro do Poder Judiciário ao ingressar, por exemplo, na magistratura, ainda assim possa assenhorear-se de vantagens daquela sua outra atividade, como sói ocorrer com os quintos. ***
Logo, a propalada unificação da carreira do Poder Judiciário, abarcada pelo Projeto de Lei nº 319/07, do Supremo Tribunal Federal, nada mais representa do que um real ajuste terminológico que a Lei nº 11.416/06 dera em sanchas quando, com a infelicidade redacional, forjara a nascença de três carreiras no poder comento.
Seja como for, temos tido ciência que inúmeros analistas judiciários da área judiciária, em sede de reivindicação previdenciária ou funcional (progressão/ascensão) te recebido de seus tribunais de origem, no pálio administrativo, indeferimentos de tais pretensões sob o argumento de que, ao alçarem carreira diversa ou mesmo ao tomarem posse, novamente como analista judiciário da área judiciária, mas agora como executores de mandados (oficial de justiça), terão aberto nova etapa funcional, como ocupantes de uma nova carreira, não fazendo jus a todos os direitos que guarneciam o patrimônio quando da transata atividade.
Outra nódoa se faz incontinentemente presente, haja vista que ao se fazer uma escorreita interpretação da Lei nº 11.416/06 conclui-se em uma interpretação conforme à Constituição Federal, ou seja, adequando-a ao estabelecido pelo art. 39, § 1º, do mesmo diploma maior, que tão somente existe uma carreira para cada Poder e, por isso mesmo, tudo aquilo que for angariado por uma auxiliar judiciário, técnico judiciário ou analista judiciário jamais poderá ser por ele perdido, sob pena de malferimento ao cânone do direito adquirido.
Pontuando com exatidão de ourives, a questão do direito adquirido, a prelação de José Adércio Leite Sampaio é de veras maravilhosa, ao aludir que: "o direito adquirido, como sabemos, é no Brasil o critério geral de barreira à retroatividade da lei e da garantia da previsibilidade dos negócios. (...) Seja como direito adquirido estrito senso, seja como as subespécies de ato jurídico perfeito e coisa julgada, temos uma situação ou um complexo fático – jurídico consolidados pelo decurso do tempo. Em sentido estrito, consideramos direito adquirido o complexo de situações concretas e subjetivas, fundadas e esgotadas as hipóteses legais de aquisição; em sentido largo, direito adquirido é, ademais, aquelas posições de vantagens que decorrem de um ato irrecorrível, bem como situações existentes e realizadas de acordo com a lei." (inocorrem parênteses e reticências no original).
Derradeiramente, como frisamos alhures, existem processos administrativos de servidores públicos do Poder Judiciário envolvendo a aplicabilidade da Lei nº 11.416/06, no que tange a direitos previdenciários/funcionais, arrimados na análise dessas "três carreiras" que, como sabemos, em linguagem doutrinária, deveriam ter o selo da unidade, a qual, consoante o noticiado Projeto de Lei nº 319/07, será uma realidade normativa. Esses feitos, por ventura em tramitação, se não julgados favoravelmente aos agentes públicos, haverão de ser sobrestados até a edição da nova lei, para que com isso sejam colmatadas eventuais decisões contrárias à esperada nova ordem legal, coibindo-se, assim, ainda mais, gastos desnecessários de tempo e dinheiro com o posterior julgamento dessas quizilas a nível jurisdicional.
O fundamento jurídico favorável à suspensividade dos autos administrativos, como é cediço, radica-se no art. 462, do Código de Processo Civil, como se percebe, mutatis mutandis, deste aresto: "Recurso provido para reconhecer a validade da licitação, por força do novel diploma especificador da lei pretérita que inaugurou o procedimento licitatório, reconhecendo encartado o trecho na previsão originária. Aplicação do art. 462 do CPC." (08)
III – Das conclusões:
Torna-se perceptível, data venia, que:
a) A Lei nº 11.416/06, em seu art. 2º, quando faz emergir três carreiras no Poder Judiciário, malfere o art. 39, § 1º, da Constituição Federal, que explicita existir uma única carreira para cada Poder da República;
b) O exercício das atividades de auxiliar judiciário, técnico judiciário ou analista judiciário não faz sobrevir três distintas carreiras, mas, sim, deságua em três classes diversas, de modo que, em sendo a carreira única, os direitos amealhados em uma delas sê-lo-ão transpostos às outras, tangentemente às questões previdenciárias, progressão e promoção funcionais;
c) As três classes acima nominadas poderão, se for o caso, comportar especializações, dando azo, inclusive, ao ingresso nestas por novo certame. Exemplificativamente: uma analista judiciário da área judiciária poderá habilitar-se em concurso público para exercer misteres de oficial de justiça, porém, neste caso, não estará ingressando em uma nova carreira, até mesmo porque isso inexiste, contudo, abrigar-se-á em uma nova classe, ou, como queira, em um novel cargo, isto apenas para fins de identificação funcional (cf. art. 4º, § 1º, da Lei nº 11.416/06);
d) Hermenêutica que não anteveja essa unicidade de carreira, a par de estar crivada de inconstitucionalidade, por afrontadora do art. 39, § 1º, da Carta de Outubro, menoscabará o primado do direito adquirido, tornando sem sentido, dogmática e pragmaticamente falando, a volição de um servidor que já estivesse lotado em uma das classes do Poder Judiciário, anelar o adentramento em outra, porquanto verse-ia fenecido o seu tempo mourejado na classe pretérita, seja para fins previdenciário ou funcional. Tal desatino, a não mais poder, conspurcaria o princípio da razoabilidade, que tem sido sustentáculo hodierno da interpretação constitucional que, como é sabido, intenta dar a máxima eficácia às suas normas;
e) Os autos administrativos existentes, cujo thema decidendum recaia na casuística dessa "unificação de carreiras", se ainda pendentes de julgamento, caso não decididos em prol dos servidores públicos, haverão ser suspensos até a entrada em vigor da novel lei, para se evitar decisões contrárias ao futuro regramento, e que por isso mesmo, desafiem a jurisdicionalidade a fim de revê-las.
IV - Notas:
* Estudando o contido no art. 39, da Lex legum, Glauce de Oliveira Barros tem ocasião de assercionar que: "Quando o dispositivo destaca "cada carreira" quer se referir à carreira do Poder Judiciário, formada pelos cargos de analista, técnico e auxiliar; a carreira do Poder Legislativo, formada pelos cargos respectivos e a carreira do Poder Executivo, também formada por cargos distintos pela complexibilidade e demais requisitos indicados no parágrafo 1°, suso transcrito."
** Socorre-se, uma vez mais, deste magnífico exemplo do jurista Glauce de Oliveira Barros: "se o servidor, por exemplo, com 20 anos de serviço público, 15 anos de exercício no cargo de técnico judiciário, fosse aprovado no concurso público para analista do Poder Judiciário, deveria, além de permanecer cinco anos no cargo de analista (requisito da EC), também acumular 15 anos na carreira "de analista"."
*** "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ATENDENTE JUDICIÁRIO. FUNÇÃO COMISSIONADA. QUINTOS. INGRESSO POSTERIOR NA MAGISTRATURA. INCORPORAÇÃO DOS QUINTOS. POSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. VANTAGEM PESSOAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO REJEITADA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1 - A incorporação dos quintos, decorrente do exercício de função comissionada, à época em que o apelado era atendente judiciário, constitui vantagem pessoal; 2 - Legalmente incorporada tal vantagem, o ingresso posterior na magistratura não afasta o direito de continuar percebendo o seu valor correspondente; 3 - Ao contrário do que dispõe o art. 65, parágrafo 2º, da LOMAN, os quintos incorporados não configuram nova concessão de vantagem, mas sim obediência ao princípio constitucional do direito adquirido; 4 - Precedentes do STJ, desta Corte e do TRF da 2a Região; 5 - Apelação e remessa obrigatória improvidas." (TRF da 5ª Região. Processo nº 353336. Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha. Data de julgamento: 13/10/2005).
"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RECURSO ORDINÁRIO. EFEITOS MODIFICATIVOS. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. DIREITO ADQUIRIDO. REQUISITOS PREENCHIDOS. IMPLEMENTAÇÃO NÃO EFETIVADA. NÃO-IMPORTÂNCIA. 1. Para o reconhecimento do direito adquirido, pouco importa se a pessoa efetivamente fez uso do direito que adquiriu, pois o que tem valia é a implementação dos requisitos e incorporação de tal direito ao patrimônio do titular que, assim, dispõe dele quando entender conveniente. Doutrina e jurisprudência. 2. É possível o percebimento, por parte de magistrados, de quintos incorporados em época anterior ao ingresso na magistratura. 3. Embargos declaratórios acolhidos, com efeitos infringentes,para julgar procedente o recurso ordinário." (STJ. Processo nº 11988/DF. 6ª Turma. Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Data de julgamento: 21/08/2007).
V - Referências:
(01) Notícia intitulada "Aprovada a unificação de três carreiras do Judiciário". Disponível em:
(02) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 182.
(03) Idem ibidem, p. 183.
(04) BARROS, Glauce de Oliveira. Carreiras no Judiciário: projeto de lei corrige erro na redação de plano de carreira. Disponível em:
(05) BARROS, Glauce de Oliveira. Ob. Cit.
(06) BARROS, Glauce de Oliveira. Ob. Cit.
(07) SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito adquirido e expectativa de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
(08) STJ. Processo nº 434283/RS. 1ª Turma. Rel. Min. LUIZ FUX. Data de julgamento: 21/11/2002.
A importância da correta avaliação dos bens no cumprimento da sentença e no processo de execução por quantia certa
A importância da correta avaliação dos bens no cumprimento da sentença e no processo de execução por quantia certa
por Clovis Brasil Pereira
Sumário: 1. Introdução 2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença 3. . A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente 4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens 5. Conclusão
1. Introdução
As leis 11.232/05 e 11.382/06, que alteraram o Código de Processo Civil, trouxeram significativas alterações no cumprimento da sentença e na ação de execução, no tocante à efetivação da avaliação dos bens penhorados, atribuindo essa função, em ambos os procedimentos, como regra, ao oficial de justiça.
Registra-se, que no âmbito da Justiça Estadual, antes da legislação citada, a avaliação dos bens penhorados era feita por avaliador especializado, perito de confiança do Juízo, o que acabava onerando sobremaneira as partes, inicialmente o credor, posteriormente o executado, que acabava arcando com as despesas atinentes à avaliação.
Com as alterações ocorridas, que tiveram como finalidade principal, dar maior celeridade processual às demandas, a avaliação passou a ser feita logo após ao ato da penhora dos bens, e o oficial de justiça, na prática, passou a ter a mesma atribuição que vigorava para os processos que tramitam perante a Justiça Federal, onde existe a função específica de Oficial de Justiça Avaliador, embora não tenham alcançado nenhuma vantagem salarial pela nova atribuição recebida.
No presente artigo, vamos discorrer sobre a importância da avaliação dos bens, para o desfecho dos processos de conhecimento, na fase do cumprimento da sentença, e nos processos de execução por quantia certa contra devedor solvente, e consequentemente, quais são os riscos para as partes, na hipótese dessa avaliação se mostrar errônea, equivocada.
2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença
A Lei 11.232/05, alterou o procedimento do cumprimento da sentença, divorciando essa fase processual, do processo de execução, deixando de ser um processo autônomo, para se tornar um complemento, um incidente dentro do próprio processo de conhecimento.
Para tornar a fase do cumprimento da sentença mais ágil, menos burocrática, o legislador autorizou, no artigo 475-J, que a avaliação de bens, pode ser feita de imediato à penhora, pelo próprio oficial de justiça encarregado da diligência, uma vez que o mandado agora é de penhora e avaliação, conforme redação em sua parte final .
A hipótese de tal avaliação não ser feita pelo oficial de justiça, está ressalvada no § 2, do art. 475-J, assim redigido:
“§ 2. Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.”
Essa exceção contemplada na lei, por certo, fica reservada para a hipótese de penhora de determinados bens, que não tem fácil cotação no mercado ou de difícil especificação, o que ao nosso ver deve ser justificado pelo Oficial de Justiça.
Caso ocorra discordância com o valor atribuído aos bens, pode o executado se opor através de impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º), conforme a previsão legal:
“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I - .....
II –
III – penhora incorreta ou avaliação errônea.
IV - .....”.
Registre-se, que embora o procedimento do cumprimento da sentença, seja agora um simples complemento, uma fase processual dentro do processo de conhecimento, cabe a aplicação subsidiária das regras atinentes ao processo de execução de título judicial, conforme a autorização expressa, do seguinte teor:
“Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título judicial”.
3. A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente
O processo de execução recebeu profundas alterações com o advento da Lei 11.382/06, com a previsão de normas procedimentais que buscam maior celeridade processual e efetividade na prestação jurisdicional.
A previsão de avaliação dos bens, pelo oficial de justiça, no processo de execução, está assim expressa:
“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.
§ 1.º Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado.”
A avaliação por oficial de justiça, no processo de execução, especificamente está contida no Art. 680, do CPC, com a seguinte redação:
“Art. 680. A avaliação será feita pelo oficial de justiça (art. 652), ressalvada a aceitação do valor estimado pelo executado (ar. 668, parágrafo único, inciso V; caso sejam necessários conhecimentos especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do lado.”
Formalizada a avaliação, o CPC prevê algumas hipóteses em que é admitida nova avaliação, conforme a previsão do artigo 683, que assim prevê:
“Art. 683. É admitida nova avaliação quando:
I – qualquer das partes argüir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;
II – se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem; ou
III – houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V).”
Observa-se que o pedido de nova avaliação é possível em situações específicas, devendo ser fundamentado pelo interessado, cabendo tal possibilidade, tanto ao credor quanto ao devedor.
Procedida a avaliação, o devedor pode se opor ao valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, através dos embargos à execução (art. 736, CPC), defesa cabível no prazo de 15 dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação (art. 738, CPC).
Se os embargos forem opostos, sem que a penhora tenha sido realizada, hipótese autorizada pela nova redação do artigo 736, obviamente que o devedor poderá se opor posteriormente, através de impugnação, ao valor atribuído aos bens penhorados, desde que devidamente fundamentado.
Nos embargos, conforme a expressa previsão do artigo 745, do CPC, inciso II, se já tiver ocorrido a penhora, pode o devedor questionar o valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, já que essa é uma das alegações possibilitadas pelo legislador, assim redigido:
“Art. 745. Nos embargos, poderá o executado alegar:
I - ...
II – penhora incorreta ou avaliação errônea;
........
V - ....”.
4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens
O objeto principal do cumprimento da sentença ou da execução por quantia certa contra devedor solvente, segundo o art. 646, do CPC, é o de “expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591)”, podendo se operar de quatro formas, dispostas seqüencialmente no CPC, a saber:
“Art. 647. A expropriação consiste:
I – na adjudicação em favor do exeqüente ou das pessoas indicadas no § 2 do at. 685-A desta Lei;
II - na alienação por iniciativa particular;
III – na alienação em hasta pública;
IV - no usufruto de bem móvel ou imóvel.”
A nova ordem das formas de expropriação previstas no Código de Processo Civil, aliado ao fato de que a avaliação dos bens agora é atribuição do oficial de justiça, exige um eficaz monitoramento dos advogados das partes (credor ou devedor), ao valor atribuído aos bens, para que não ocorram prejuízos, principalmente ao executado.
A preocupação se justifica, uma vez que o oficial de justiça não tem experiência na nova atribuição, existe uma diversidade muito grande de bens passiveis de constrição, e não lhe foi carreado nenhum incentivo econômico para buscar aprimoramento nesse mister, uma vez que para proceder a avaliação, o oficial de justiça recebeu apenas o ônus, sem nenhuma contrapartida como bônus.
Por sua vez, a avaliação correta dos bens é fundamental, pois ela serve de parâmetro para as seguintes hipóteses, segundo o Código de Processo Civil:
4.1. Adjudicação dos bens penhorados, pelo preço não inferior ao da avaliação, facultada ao próprio exeqüente (art. 685-A);
4.2. Alienação por iniciativa particular, sendo facultado ao exeqüente, que requeira a alienação dos bens penhorados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado (art. 685-C);
4.3. Alienação em hasta pública, podendo a venda ser feita no primeiro leilão ou praceamento, a quem der maior lanço, cujo valor deve ser superior à importância da avaliação (art. 686, VI);
4.4. Dispensa da publicação de edital, quando o valor dos bens penhorados não exceder 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo vigente na data da avaliação, sendo que nessa hipótese o preço da arrematação não será inferior ao da avaliação (art. 686, § 3º);
4.5. Se a praça ou leilão for de diversos bens, e houver mais de um lançador, será preferido aquele que se propuser a arrematá-los englobadamente, oferecendo para os que não tiverem licitante preço igual ao da avaliação e para os demais o de maior lanço (art. 691).
Observa-se pelas hipóteses relacionadas, que a correta avaliação se mostra de fundamental importância para o desfecho eficaz do cumprimento da sentença e da ação de execução contra devedor solvente, pois a atribuição de valor errôneo, equivocado aos bens penhorados, pode ser motivo de grave lesão ao patrimônio do devedor (no caso de avaliação abaixo do valor real), ou lesão do crédito do autor (no caso de avaliação acima do valor real).
Conclusão
Pelos exemplos citados, são inúmeros os reflexos da avaliação procedida pelo oficial de justiça, feita logo no início da execução, na fase de expropriação dos bens, cabendo aos interessados diretos no cumprimento da sentença, ou na execução contra devedor solvente, zelarem pela atribuição do valor correto aos bens penhorados, pois essa é a solução que melhor atende aos interesses do credor e do devedor.
É importante ser observado, que a impugnação do valor, atribuído de maneira equivocada, deve ser proferida no prazo correto, no momento processual adequado assinalado no Código de Processo civil, sob pena de ocorrência de preclusão, o que pode importar em enriquecimento sem causa do credor, em face do devedor, ou prejuízo irreparável ao credor, na hipótese de adjudicação dos bens, pois estará incorporando determinados bens ao seu patrimônio, através da adjudicando, por um valor irreal.
Por isso, devem as partes e seus advogados ficarem atentas à correta avaliação dos bens, quando da penhora, municiando, se necessário, os oficiais de justiça, com estimativas de valores, tabelas de preço, cotação de mercado, etc, para que a avaliação atenda corretamente o objetivo colimado.
Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 5 de novembro de 2007
por Clovis Brasil Pereira
Sumário: 1. Introdução 2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença 3. . A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente 4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens 5. Conclusão
1. Introdução
As leis 11.232/05 e 11.382/06, que alteraram o Código de Processo Civil, trouxeram significativas alterações no cumprimento da sentença e na ação de execução, no tocante à efetivação da avaliação dos bens penhorados, atribuindo essa função, em ambos os procedimentos, como regra, ao oficial de justiça.
Registra-se, que no âmbito da Justiça Estadual, antes da legislação citada, a avaliação dos bens penhorados era feita por avaliador especializado, perito de confiança do Juízo, o que acabava onerando sobremaneira as partes, inicialmente o credor, posteriormente o executado, que acabava arcando com as despesas atinentes à avaliação.
Com as alterações ocorridas, que tiveram como finalidade principal, dar maior celeridade processual às demandas, a avaliação passou a ser feita logo após ao ato da penhora dos bens, e o oficial de justiça, na prática, passou a ter a mesma atribuição que vigorava para os processos que tramitam perante a Justiça Federal, onde existe a função específica de Oficial de Justiça Avaliador, embora não tenham alcançado nenhuma vantagem salarial pela nova atribuição recebida.
No presente artigo, vamos discorrer sobre a importância da avaliação dos bens, para o desfecho dos processos de conhecimento, na fase do cumprimento da sentença, e nos processos de execução por quantia certa contra devedor solvente, e consequentemente, quais são os riscos para as partes, na hipótese dessa avaliação se mostrar errônea, equivocada.
2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença
A Lei 11.232/05, alterou o procedimento do cumprimento da sentença, divorciando essa fase processual, do processo de execução, deixando de ser um processo autônomo, para se tornar um complemento, um incidente dentro do próprio processo de conhecimento.
Para tornar a fase do cumprimento da sentença mais ágil, menos burocrática, o legislador autorizou, no artigo 475-J, que a avaliação de bens, pode ser feita de imediato à penhora, pelo próprio oficial de justiça encarregado da diligência, uma vez que o mandado agora é de penhora e avaliação, conforme redação em sua parte final .
A hipótese de tal avaliação não ser feita pelo oficial de justiça, está ressalvada no § 2, do art. 475-J, assim redigido:
“§ 2. Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.”
Essa exceção contemplada na lei, por certo, fica reservada para a hipótese de penhora de determinados bens, que não tem fácil cotação no mercado ou de difícil especificação, o que ao nosso ver deve ser justificado pelo Oficial de Justiça.
Caso ocorra discordância com o valor atribuído aos bens, pode o executado se opor através de impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º), conforme a previsão legal:
“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I - .....
II –
III – penhora incorreta ou avaliação errônea.
IV - .....”.
Registre-se, que embora o procedimento do cumprimento da sentença, seja agora um simples complemento, uma fase processual dentro do processo de conhecimento, cabe a aplicação subsidiária das regras atinentes ao processo de execução de título judicial, conforme a autorização expressa, do seguinte teor:
“Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título judicial”.
3. A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente
O processo de execução recebeu profundas alterações com o advento da Lei 11.382/06, com a previsão de normas procedimentais que buscam maior celeridade processual e efetividade na prestação jurisdicional.
A previsão de avaliação dos bens, pelo oficial de justiça, no processo de execução, está assim expressa:
“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.
§ 1.º Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado.”
A avaliação por oficial de justiça, no processo de execução, especificamente está contida no Art. 680, do CPC, com a seguinte redação:
“Art. 680. A avaliação será feita pelo oficial de justiça (art. 652), ressalvada a aceitação do valor estimado pelo executado (ar. 668, parágrafo único, inciso V; caso sejam necessários conhecimentos especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do lado.”
Formalizada a avaliação, o CPC prevê algumas hipóteses em que é admitida nova avaliação, conforme a previsão do artigo 683, que assim prevê:
“Art. 683. É admitida nova avaliação quando:
I – qualquer das partes argüir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;
II – se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem; ou
III – houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V).”
Observa-se que o pedido de nova avaliação é possível em situações específicas, devendo ser fundamentado pelo interessado, cabendo tal possibilidade, tanto ao credor quanto ao devedor.
Procedida a avaliação, o devedor pode se opor ao valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, através dos embargos à execução (art. 736, CPC), defesa cabível no prazo de 15 dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação (art. 738, CPC).
Se os embargos forem opostos, sem que a penhora tenha sido realizada, hipótese autorizada pela nova redação do artigo 736, obviamente que o devedor poderá se opor posteriormente, através de impugnação, ao valor atribuído aos bens penhorados, desde que devidamente fundamentado.
Nos embargos, conforme a expressa previsão do artigo 745, do CPC, inciso II, se já tiver ocorrido a penhora, pode o devedor questionar o valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, já que essa é uma das alegações possibilitadas pelo legislador, assim redigido:
“Art. 745. Nos embargos, poderá o executado alegar:
I - ...
II – penhora incorreta ou avaliação errônea;
........
V - ....”.
4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens
O objeto principal do cumprimento da sentença ou da execução por quantia certa contra devedor solvente, segundo o art. 646, do CPC, é o de “expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591)”, podendo se operar de quatro formas, dispostas seqüencialmente no CPC, a saber:
“Art. 647. A expropriação consiste:
I – na adjudicação em favor do exeqüente ou das pessoas indicadas no § 2 do at. 685-A desta Lei;
II - na alienação por iniciativa particular;
III – na alienação em hasta pública;
IV - no usufruto de bem móvel ou imóvel.”
A nova ordem das formas de expropriação previstas no Código de Processo Civil, aliado ao fato de que a avaliação dos bens agora é atribuição do oficial de justiça, exige um eficaz monitoramento dos advogados das partes (credor ou devedor), ao valor atribuído aos bens, para que não ocorram prejuízos, principalmente ao executado.
A preocupação se justifica, uma vez que o oficial de justiça não tem experiência na nova atribuição, existe uma diversidade muito grande de bens passiveis de constrição, e não lhe foi carreado nenhum incentivo econômico para buscar aprimoramento nesse mister, uma vez que para proceder a avaliação, o oficial de justiça recebeu apenas o ônus, sem nenhuma contrapartida como bônus.
Por sua vez, a avaliação correta dos bens é fundamental, pois ela serve de parâmetro para as seguintes hipóteses, segundo o Código de Processo Civil:
4.1. Adjudicação dos bens penhorados, pelo preço não inferior ao da avaliação, facultada ao próprio exeqüente (art. 685-A);
4.2. Alienação por iniciativa particular, sendo facultado ao exeqüente, que requeira a alienação dos bens penhorados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado (art. 685-C);
4.3. Alienação em hasta pública, podendo a venda ser feita no primeiro leilão ou praceamento, a quem der maior lanço, cujo valor deve ser superior à importância da avaliação (art. 686, VI);
4.4. Dispensa da publicação de edital, quando o valor dos bens penhorados não exceder 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo vigente na data da avaliação, sendo que nessa hipótese o preço da arrematação não será inferior ao da avaliação (art. 686, § 3º);
4.5. Se a praça ou leilão for de diversos bens, e houver mais de um lançador, será preferido aquele que se propuser a arrematá-los englobadamente, oferecendo para os que não tiverem licitante preço igual ao da avaliação e para os demais o de maior lanço (art. 691).
Observa-se pelas hipóteses relacionadas, que a correta avaliação se mostra de fundamental importância para o desfecho eficaz do cumprimento da sentença e da ação de execução contra devedor solvente, pois a atribuição de valor errôneo, equivocado aos bens penhorados, pode ser motivo de grave lesão ao patrimônio do devedor (no caso de avaliação abaixo do valor real), ou lesão do crédito do autor (no caso de avaliação acima do valor real).
Conclusão
Pelos exemplos citados, são inúmeros os reflexos da avaliação procedida pelo oficial de justiça, feita logo no início da execução, na fase de expropriação dos bens, cabendo aos interessados diretos no cumprimento da sentença, ou na execução contra devedor solvente, zelarem pela atribuição do valor correto aos bens penhorados, pois essa é a solução que melhor atende aos interesses do credor e do devedor.
É importante ser observado, que a impugnação do valor, atribuído de maneira equivocada, deve ser proferida no prazo correto, no momento processual adequado assinalado no Código de Processo civil, sob pena de ocorrência de preclusão, o que pode importar em enriquecimento sem causa do credor, em face do devedor, ou prejuízo irreparável ao credor, na hipótese de adjudicação dos bens, pois estará incorporando determinados bens ao seu patrimônio, através da adjudicando, por um valor irreal.
Por isso, devem as partes e seus advogados ficarem atentas à correta avaliação dos bens, quando da penhora, municiando, se necessário, os oficiais de justiça, com estimativas de valores, tabelas de preço, cotação de mercado, etc, para que a avaliação atenda corretamente o objetivo colimado.
Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 5 de novembro de 2007
A LEI 9.421 DE 24/12/1996, SUA REGULAMENTAÇÃO E OS OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES
A LEI 9.421 DE 24/12/1996, SUA REGULAMENTAÇÃO E OS OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES
1. Introdução
Tendo em vista a criação das carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União pela Lei 9.421, DOU de 26/12/1996, o enquadramento dos servidores então ativos e a regulamentação administrativa no âmbito dos respectivos órgãos superiores que o compõem, como, p. ex., a Resolução Administrativa no 207, do Conselho da Justica Federal, de 05/02/1999, no âmbito da Justiça Federal de 1o e 2o graus e, mais recente, na Justiça do Trabalho, a Resolução Administrativa no 833/2002 do Tribunal Superior do Trabalho, de 07/02/2002, algumas indagações surgiram quanto a subsistência do cargo de oficial de justiça avaliador nos quadros de servidores do Poder Judiciário da União.
Indagou-se: O cargo ainda existe? Persiste o seu provimento de forma isolada em relação aos demais servidores do Judiciário Federal? Podem as atribuições do oficial de justiça serem acometidas a um serventuário judicial sem especialização? Pode o oficial de justiça exercer atividades estranhas as atribuições que lhe são conferidas em Lei?
Tais questões causaram, ao mesmo tempo, surpresa e interesse pelo assunto na esfera do Direito Administrativo, isto em decorrência da relevância deste serventuário especializado para o bom andamento dos feitos e o eficaz cumprimento das decisões judiciais na execução.
2. Breves antecedentes históricos
O prof. Alfredo Buzaid, em seu parecer contido na obra "Oficial de Justiça - Teoria e Prática, sob autoria de Gerges Nary, Edição Universitária de Direito, 4ª ed., 1985)", indica que a figura do oficial de justiça remonta, historicamente, aos Direitos Romano (como apparitores), Hebraico (como ajudantes dos suphetas/juízes) e floresce na aurora das legislações medievais germânica (como Botem, Buttel), portuguesa (como sagio/saion/meirinho) e, por fim, na francesa (como hussiers).
No Brasil, foi a legislação do Império que fez a primeira menção aos oficiais de Justiça, cuja nomeação e destituição era livre pelos Juizes de Direito e de Paz.
Proclamada a República, os códigos processuais, por influência do Direito Português, passaram a prever expressamente a figura do oficial de justiça, aos quais, dentre outras atribuições, incumbiu-se precipuamente de executar "(...) pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências próprias do seu ofício, (...)", (conf. art. 143 do Código de Processo Civil Brasileiro).
No mencionado parecer, ressaltou o Prof. Alfredo Buzaid, cuja transcrição não podemos omitir, que:
"Embora seja executor de ordens judiciais, conferiu-lhe a lei uma prerrogativa de suma importância no processo; o poder de certificar (cf. José da Silva Pacheco, Curso Teórico e Pratico do Processo Civil, vol. I, pág. 210). Do poder de certificar se diz que está ínsito na autoridade suprema do Estado (João Mendes Júnior, Exposição Preliminar das Bases para a Reforma Judiciária, pág. 290). Quem o exerce não pode ser havido como funcionário de condição subalterna. É um órgão de fé pública, cujas certidões asseguram o desenvolvimento regular e normal do processo. A circunstância de terem os Oficiais de Justiça maior liberdade de ação no direito alemão, italiano e francês e acentuada dependência ao Juiz no direito brasileiro não lhes diminui a dignidade da função, que reside verdadeiramente na fé publica dos atos que praticam." (ob. supra citada, pág. 15)
3. A Lei 9.421 de 24/12/1996 e a implementação do enquadramento dos servidores realizado em 2002 pelo Tribunal Superior do Trabalho
A Lei 9.421 de 24/12/1996, que no seu art. 1o criou as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União, aqui incluso o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, conferiu as seguintes denominações às carreiras e cargos: “auxiliar judiciário”, “técnico judiciário” e “analista judiciário”, constituídas de cargos de provimento efetivo, de mesma denominação, estruturada em classes e padrões, nas diversas áreas de atividade (conf. o anexo I da lei).
O referido diploma legal, no art. 4o, determinou a transformação dos antigos cargos na forma estabelecida pelo seu anexo III (Tabela de Enquadramento), isto fazendo com a expressa disposição de serem respeitadas "as respectivas atribuições e requisitos de formação profissional, observando-se a correlação entre a situação então existente e a nova situação".
Mais adiante, no §3o do art. 4o, explicitou o legislador que as disposições que criaram os novos cargos são também aplicáveis aos cargos de oficial de justiça avaliador "e demais cargos de provimento isolado, observados no enquadramento os requisitos de escolaridade e demais critérios estabelecidos nesta Lei".
No art. 19 da multicitada lei, remeteu-se ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito de suas competências, baixar os atos regulamentares previstos na lei, bem como as instruções necessárias a sua aplicação, buscando a uniformidade de critérios e procedimentos.
No âmbito da Justiça Federal de 1o e 2o graus, tal enquadramento se processou em 05/02/1999, mediante a Resolução Administrativa do Conselho da Justiça Federal, sob o no 207/1999, publicada no DJU em 18/02/1999.
Daremos ênfase a regulamentação da matéria perante o Judiciário Trabalhista por ser ela mais recente., embora tenha sido elaborada nos mesmos termos da Justiça Federal.
O Tribunal Superior do Trabalho, em sua composição plena, aprovou, através da Resolução Administrativa no 833/2002, publicada em 26/03/2002 no DJU, a regulamentação dos cargos providos e vagos, e o enquadramento por área de atividade e especialidade dos servidores da Justiça do Trabalho nas carreiras judiciárias, fixando em seu art. 11, que os Tribunais Regionais do Trabalho, no prazo de 90 dias a contar da data de publicação, deveriam realizar o enquadramento na forma preconizada pela Lei 9.421/96.
Os Tribunais Regionais do Trabalho assim procederam, podendo-se citar, p. ex., o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região - MG que, pelo seu Órgão Especial, expediu a Resolução Administrativa no 80/2002, aprovando a proposição da Diretoria Geral (TRT/DG/15-2002) e promovendo o enquadramento por área de atividade e especialidade dos servidores da Justiça do Trabalho da Terceira Região nas carreiras judiciárias criadas pela Lei 9.421/96.
A mencionada resolução administrativa do TRT da 3ª Região adotou ainda o quadro anexo à RA no 833/2002 do TST, que estabeleceu a relação de correspondência entre a situação anterior e a atual dos ocupantes do cargo de oficial de justiça avaliador no âmbito da Justiça do Trabalho, conforme abaixo compilamos de forma parcial:
TRANSFORMAÇÃO E ENQUADRAMENTO DE CARGOS POR ÁREA DE ATIVIDADE E ESPECIALIDADE – ANEXO DA R.A. 833 /2002 - TST
Nível superior
Situação anterior:
-Grupo: Apoio judiciário;
-Nível: Superior;
-Categoria Funcional: Técnico Judiciário, Técnico Judiciário – Área fim, Técnico Judiciário – área meio, Oficial de justiça avaliador, Inspetor de seguranaça judiciário, Taquígrafo judiciário.
Situação nova:
-Carreira/Cargo: Analista Judiciário
-Área: Judiciária, Administrativa, Judiciária, Administrativa, Judiciária (Especialidade: Execução de Mandados), Serviços Gerais (Especialidade: Segurança e Transporte), Apoio Especializado (Especialidade: Taquigrafia).
No quadro de transformação e enquadramento, aqui parcialmente transcrito, tem-se a seguinte correlação: o cargo de oficial de justiça avaliador, na "situação anterior", era posicionado no grupo de apoio judiciário, nível superior. Na denominada "situação nova", este servidor tem seu enquadramento na carreira e cargo de analista judiciário, da área judiciária, com a especialidade de execução de mandados.
4. Persiste o cargo de oficial de justiça no âmbito do Judiciário Federal?
Como visto, no âmbito do Poder Judiciário da União, o cargo de oficial de justiça avaliador foi transformado e renomeado para analista judiciário com a especialidade de execução de mandados, contudo, embora não mais detenha a denominação de oficial de justiça na esfera administrativa, tal denominação, e a respectiva descrição de atividades, remanescem na legislação processual, seja no âmbito do Processo Civil (art. 143) como no Processo do Trabalho (art. 721, 880 e 883 da CLT), permanecendo aos ocupantes do cargo renomeado o encargo legal e essencial de execução de mandados judiciais.
Veja-se que, em razão da citada legislação processual, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também submetido as determinações da Lei 9.421/96, manteve em seus quadros funcionais a denominação de oficial de justiça, tanto que a Lei no 10.417, de 05/04/2002, ao instituir a gratificação por execução de mandados especifica:
Art. 1o Fica instituída Gratificação por Execução de Mandados, devida aos servidores ocupantes do cargo de Analista Judiciário - Oficiais de Justiça - Área Judiciária - Especialidade Execução de Mandados, do Quadro de Pessoal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, pelas peculiaridades decorrentes da integral e exclusiva dedicação às atividades do cargo e riscos a que estão sujeitos.
(...)
Portanto, as atividades acometidas pela legislação processual aos oficiais de justiça são, no âmbito do Poder Judiciário da União, reservadas aos ocupantes do cargo de analista judiciário, com a especialidade de "execução de mandados".
Melhor teria sido que a Lei 9.421/96 não tivesse modificado a denominação do cargo de oficial de justiça avaliador, permanecendo para este cargo específico a identidade de denominações entre as Justiças Federal e Estadual, como se observava outrora.
5. O "analista judiciário executor de mandados" pode ser substituído em suas atividades por outro serventuário que não tenha o mesmo enquadramento funcional, isto ao talante do administrador público?
A resposta é negativa, porque fica o administrador público jungido ao cumprimento do que dispõe a Lei 9.421/96 e o seu regulamento no âmbito dos órgãos que compõem o Judiciário Federal, no caso analisado, a Resolução Administrativa no 833/2002 do TST, no âmbito da Justiça do Trabalho.
O “analista judiciário executor de mandados” somente pode ser substituído em suas funções por outro serventuário que tenha o mesmo enquadramento funcional, isto em decorrência de sua expressa especialidade no quadro de carreiras e cargos, que lhe reserva o cumprimento de atribuições específicas, eis que reservadas em Lei (arts. 143/CPC e arts. 721, 880 e 883/CLT).
A definição do que são as especializações acometidas aos diversos cargos que compõem o quadro de servidores do Judiciário Federal, foi explicitada no art. 2o da RA 833/2002 do TST, "in verbis":
“Art. 2o Para os fins de que trata esta resolução, devem ser observadas as definições dos seguintes termos básicos utilizados na Lei no 9.421/96:
(omissis)
X- Especialidades - são divisões das áreas de atividade quando for necessária, para o exercício das atribuições, formação especializada, por exigência legal, ou habilidades especificas a critério da Administração.”
Os analistas judiciários não especializados que, eventualmente, tenham sido designados para o exercício das atividades acometidas aos "analistas executores de mandados" (antigos oficiais de justiça avaliadores), são precários no exercício da atividade ou, como bem traduz o termo latino: "ad hoc", "... nomeado para certo fim processual ou legal, substituto eventual", conforme traduz Pedro Nunes "in" "Dicionário de Tecnologia Jurídica" - 11a ed., vol. I, pág. 63.
Outro não é o entendimento legal contido no §5o do art. 721 da CLT, que chancela ao Juiz atribuir a realização do ato privativo do oficial de justiça a outro serventuário somente na hipótese de ocorrer a falta ou o impedimento daquele, o que reforça a especialidade e o caráter privativo do cargo.
6. O "analista judiciário executor de mandados" pode ser designado para o cumprimento de atividades estranhas a sua especialidade?
Primeiro, há que se ter em mente que os ocupantes de cargos com especialidades se submeteram a concursos públicos, com a exigência específica de serem bacharéis em direito ou médicos, psicólogos, engenheiros etc., almejando portanto um cargo específico e especializado, como no caso em análise, oficial de justiça avaliador, antes da alteração legislativa e, após a edição da Lei 9.421/96, analista judiciário, área judiciária, com especialidade de execução de mandados.
Ora, se sob tais condições prestaram seus concursos e assim foram nomeados e empossados nos respectivos órgãos públicos, não podem ser desviados para cargos distintos enquanto existir na estruturação administrativa a previsão de seus cargos e de suas atribuições especializadas.
Hely Lopes Meirelles, "in" "Direito Administrativo Brasileiro", 24ª edição, com a sua notória maestria observou, ao analisar os "Direitos do titular do cargo", que:
"Os direitos do titular do cargo restringem-se ao seu exercício, as prerrogativas da função e ao subsidio ou aos vencimentos e vantagens decorrentes da investidura, sem que o servidor tenha propriedade do lugar que ocupa, visto que o cargo é inapropriável pelo servidor, daí por que a Administração pode suprimir, transformar e alterar os cargos públicos ou serviços independentemente da aquiescência de seu titular, uma vez que o servidor não tem direito adquirido a imutabilidade de suas atribuições, nem a continuidade de suas funções originárias. A lei posterior pode extinguir e alterar cargos e funções de quaisquer titulares - vitalícios, estáveis e instáveis.
(...)
Enquanto subsistir o cargo, como foi provido, seu titular terá direito ao exercício nas condições estabelecidas pelo estatuto; mas, se se modificarem a estrutura, atribuições, os requisitos para seu desempenho, licitas são a exoneração, a disponibilidade, a remoção ou a transferência de seu ocupante, para que outro o desempenhe na forma da nova lei. O que não se admite e o afastamento arbitrário ou abusivo do titular, por ato do Executivo, sem lei que o autorize.”(ob. citada, pág. 377/378)
Ouso observar, complementando o mestre com o devido respeito, que no caso de redistribuição do servidor público, estabelece o "caput", do art. 37, da Lei 8.213/1990, que se observarão os seguintes preceitos:
"(omissis...)
III - manutenção da essência das atribuições do cargo;
IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades;
V - mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional;
(omissis...)"
Tais preceitos devem ser observados mesmo se a redistribuição decorrer do "ajustamento de lotação e da força de trabalho às necessidades do serviço, inclusive nos caso de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade", conforme o §1o, art. 37, Lei 8.213/90).
O mencionado dispositivo leva a conclusão de que a Administração Pública, no exercício de seu Poder Discricionário e Hierárquico de reorganizar a sua estrutura administrativa e força de trabalho, deverá respeitar aos ocupantes dos antigos cargos, no mínimo, a essência de suas atribuições anteriores, enquadrando-os aos novos cargos de forma compatível com a situação funcional pretérita de cada um.
Observa-se que foi exatamente isto que resguardou a Lei 9.421/1996, no seu art. 4o, cujas salvaguardas foram repetidas pelo art. 3o da Resolução Administrativa no 833/2002 do TST.
Assim, enquanto houver no quadro de carreiras a previsão do cargo de analista judiciário, da área judiciária, especializado na execução de mandados, qualquer alteração de suas atribuições específicas representará um desvio de função a ser reparado, seja no âmbito administrativo (art. 104 e segs. c/c 114 da Lei 8.213/90) ou, judicialmente, pela via do mandado de segurança (art. 5o - LXIX da CF).
Cabe ressaltar que, tal cargo, tendo sido criado por lei ordinária, somente por esta via poderá ser suprimido ou alterado.
7. Conclusão
Assim, tendo analisado sucintamente os aspectos da Lei 9.421/1996, no tocante aos antigos oficiais de justiça avaliadores, e a sua regulamentação no âmbito dos diversos órgãos superiores que compõem o Poder Judiciário da União, mais recentemente na Justiça do Trabalho, podemos concluir que:
a) Persistem as atribuições do oficial de justiça avaliador no âmbito do Judiciário Trabalhista, cujo cargo foi renomeado para analista judiciário da área judiciária, especializado na execução de mandados, aos quais são incumbidas as atividades previstas na legislação processual, lá acometidas aos denominados "Oficiais de Justiça";
b) Tratando-se de um cargo que, anteriormente, era de provimento isolado (oficial de justiça avaliador) e sendo hoje um cargo com especialização (execução de mandados), o seu ocupante somente pode ser substituído por outro servidor com a mesma especialização no quadro de carreiras, ressalvando-se, entretanto, a substituição temporária, "ad hoc", na hipótese restrita do art. 721 da CLT;
c) Não pode o ocupante do cargo de "analista judiciário executor de mandados” ser designado para o cumprimento de atribuições distintas e incompatíveis com sua especialização, isto enquanto persistir a previsão legal de seu cargo especializado, sob pena de se acarretar um desvio de função;
d) A inobservância administrativa dos preceitos legais que regulam a atividade funcional dos "analistas judiciários executores de mandados" atrairá a correção do ato eivado de nulidade, seja pela via administrativa ou judiciária.
Texto confeccionado em 10/03/2003, por
(1) André Luiz Guedes Fontes
Atuações e qualificações
(1) Advogado trabalhista militante, com atuação voltada para assessoria empresarial
E-mails
(1) afontes@powerline.com.b
1. Introdução
Tendo em vista a criação das carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União pela Lei 9.421, DOU de 26/12/1996, o enquadramento dos servidores então ativos e a regulamentação administrativa no âmbito dos respectivos órgãos superiores que o compõem, como, p. ex., a Resolução Administrativa no 207, do Conselho da Justica Federal, de 05/02/1999, no âmbito da Justiça Federal de 1o e 2o graus e, mais recente, na Justiça do Trabalho, a Resolução Administrativa no 833/2002 do Tribunal Superior do Trabalho, de 07/02/2002, algumas indagações surgiram quanto a subsistência do cargo de oficial de justiça avaliador nos quadros de servidores do Poder Judiciário da União.
Indagou-se: O cargo ainda existe? Persiste o seu provimento de forma isolada em relação aos demais servidores do Judiciário Federal? Podem as atribuições do oficial de justiça serem acometidas a um serventuário judicial sem especialização? Pode o oficial de justiça exercer atividades estranhas as atribuições que lhe são conferidas em Lei?
Tais questões causaram, ao mesmo tempo, surpresa e interesse pelo assunto na esfera do Direito Administrativo, isto em decorrência da relevância deste serventuário especializado para o bom andamento dos feitos e o eficaz cumprimento das decisões judiciais na execução.
2. Breves antecedentes históricos
O prof. Alfredo Buzaid, em seu parecer contido na obra "Oficial de Justiça - Teoria e Prática, sob autoria de Gerges Nary, Edição Universitária de Direito, 4ª ed., 1985)", indica que a figura do oficial de justiça remonta, historicamente, aos Direitos Romano (como apparitores), Hebraico (como ajudantes dos suphetas/juízes) e floresce na aurora das legislações medievais germânica (como Botem, Buttel), portuguesa (como sagio/saion/meirinho) e, por fim, na francesa (como hussiers).
No Brasil, foi a legislação do Império que fez a primeira menção aos oficiais de Justiça, cuja nomeação e destituição era livre pelos Juizes de Direito e de Paz.
Proclamada a República, os códigos processuais, por influência do Direito Português, passaram a prever expressamente a figura do oficial de justiça, aos quais, dentre outras atribuições, incumbiu-se precipuamente de executar "(...) pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências próprias do seu ofício, (...)", (conf. art. 143 do Código de Processo Civil Brasileiro).
No mencionado parecer, ressaltou o Prof. Alfredo Buzaid, cuja transcrição não podemos omitir, que:
"Embora seja executor de ordens judiciais, conferiu-lhe a lei uma prerrogativa de suma importância no processo; o poder de certificar (cf. José da Silva Pacheco, Curso Teórico e Pratico do Processo Civil, vol. I, pág. 210). Do poder de certificar se diz que está ínsito na autoridade suprema do Estado (João Mendes Júnior, Exposição Preliminar das Bases para a Reforma Judiciária, pág. 290). Quem o exerce não pode ser havido como funcionário de condição subalterna. É um órgão de fé pública, cujas certidões asseguram o desenvolvimento regular e normal do processo. A circunstância de terem os Oficiais de Justiça maior liberdade de ação no direito alemão, italiano e francês e acentuada dependência ao Juiz no direito brasileiro não lhes diminui a dignidade da função, que reside verdadeiramente na fé publica dos atos que praticam." (ob. supra citada, pág. 15)
3. A Lei 9.421 de 24/12/1996 e a implementação do enquadramento dos servidores realizado em 2002 pelo Tribunal Superior do Trabalho
A Lei 9.421 de 24/12/1996, que no seu art. 1o criou as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União, aqui incluso o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, conferiu as seguintes denominações às carreiras e cargos: “auxiliar judiciário”, “técnico judiciário” e “analista judiciário”, constituídas de cargos de provimento efetivo, de mesma denominação, estruturada em classes e padrões, nas diversas áreas de atividade (conf. o anexo I da lei).
O referido diploma legal, no art. 4o, determinou a transformação dos antigos cargos na forma estabelecida pelo seu anexo III (Tabela de Enquadramento), isto fazendo com a expressa disposição de serem respeitadas "as respectivas atribuições e requisitos de formação profissional, observando-se a correlação entre a situação então existente e a nova situação".
Mais adiante, no §3o do art. 4o, explicitou o legislador que as disposições que criaram os novos cargos são também aplicáveis aos cargos de oficial de justiça avaliador "e demais cargos de provimento isolado, observados no enquadramento os requisitos de escolaridade e demais critérios estabelecidos nesta Lei".
No art. 19 da multicitada lei, remeteu-se ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito de suas competências, baixar os atos regulamentares previstos na lei, bem como as instruções necessárias a sua aplicação, buscando a uniformidade de critérios e procedimentos.
No âmbito da Justiça Federal de 1o e 2o graus, tal enquadramento se processou em 05/02/1999, mediante a Resolução Administrativa do Conselho da Justiça Federal, sob o no 207/1999, publicada no DJU em 18/02/1999.
Daremos ênfase a regulamentação da matéria perante o Judiciário Trabalhista por ser ela mais recente., embora tenha sido elaborada nos mesmos termos da Justiça Federal.
O Tribunal Superior do Trabalho, em sua composição plena, aprovou, através da Resolução Administrativa no 833/2002, publicada em 26/03/2002 no DJU, a regulamentação dos cargos providos e vagos, e o enquadramento por área de atividade e especialidade dos servidores da Justiça do Trabalho nas carreiras judiciárias, fixando em seu art. 11, que os Tribunais Regionais do Trabalho, no prazo de 90 dias a contar da data de publicação, deveriam realizar o enquadramento na forma preconizada pela Lei 9.421/96.
Os Tribunais Regionais do Trabalho assim procederam, podendo-se citar, p. ex., o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região - MG que, pelo seu Órgão Especial, expediu a Resolução Administrativa no 80/2002, aprovando a proposição da Diretoria Geral (TRT/DG/15-2002) e promovendo o enquadramento por área de atividade e especialidade dos servidores da Justiça do Trabalho da Terceira Região nas carreiras judiciárias criadas pela Lei 9.421/96.
A mencionada resolução administrativa do TRT da 3ª Região adotou ainda o quadro anexo à RA no 833/2002 do TST, que estabeleceu a relação de correspondência entre a situação anterior e a atual dos ocupantes do cargo de oficial de justiça avaliador no âmbito da Justiça do Trabalho, conforme abaixo compilamos de forma parcial:
TRANSFORMAÇÃO E ENQUADRAMENTO DE CARGOS POR ÁREA DE ATIVIDADE E ESPECIALIDADE – ANEXO DA R.A. 833 /2002 - TST
Nível superior
Situação anterior:
-Grupo: Apoio judiciário;
-Nível: Superior;
-Categoria Funcional: Técnico Judiciário, Técnico Judiciário – Área fim, Técnico Judiciário – área meio, Oficial de justiça avaliador, Inspetor de seguranaça judiciário, Taquígrafo judiciário.
Situação nova:
-Carreira/Cargo: Analista Judiciário
-Área: Judiciária, Administrativa, Judiciária, Administrativa, Judiciária (Especialidade: Execução de Mandados), Serviços Gerais (Especialidade: Segurança e Transporte), Apoio Especializado (Especialidade: Taquigrafia).
No quadro de transformação e enquadramento, aqui parcialmente transcrito, tem-se a seguinte correlação: o cargo de oficial de justiça avaliador, na "situação anterior", era posicionado no grupo de apoio judiciário, nível superior. Na denominada "situação nova", este servidor tem seu enquadramento na carreira e cargo de analista judiciário, da área judiciária, com a especialidade de execução de mandados.
4. Persiste o cargo de oficial de justiça no âmbito do Judiciário Federal?
Como visto, no âmbito do Poder Judiciário da União, o cargo de oficial de justiça avaliador foi transformado e renomeado para analista judiciário com a especialidade de execução de mandados, contudo, embora não mais detenha a denominação de oficial de justiça na esfera administrativa, tal denominação, e a respectiva descrição de atividades, remanescem na legislação processual, seja no âmbito do Processo Civil (art. 143) como no Processo do Trabalho (art. 721, 880 e 883 da CLT), permanecendo aos ocupantes do cargo renomeado o encargo legal e essencial de execução de mandados judiciais.
Veja-se que, em razão da citada legislação processual, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também submetido as determinações da Lei 9.421/96, manteve em seus quadros funcionais a denominação de oficial de justiça, tanto que a Lei no 10.417, de 05/04/2002, ao instituir a gratificação por execução de mandados especifica:
Art. 1o Fica instituída Gratificação por Execução de Mandados, devida aos servidores ocupantes do cargo de Analista Judiciário - Oficiais de Justiça - Área Judiciária - Especialidade Execução de Mandados, do Quadro de Pessoal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, pelas peculiaridades decorrentes da integral e exclusiva dedicação às atividades do cargo e riscos a que estão sujeitos.
(...)
Portanto, as atividades acometidas pela legislação processual aos oficiais de justiça são, no âmbito do Poder Judiciário da União, reservadas aos ocupantes do cargo de analista judiciário, com a especialidade de "execução de mandados".
Melhor teria sido que a Lei 9.421/96 não tivesse modificado a denominação do cargo de oficial de justiça avaliador, permanecendo para este cargo específico a identidade de denominações entre as Justiças Federal e Estadual, como se observava outrora.
5. O "analista judiciário executor de mandados" pode ser substituído em suas atividades por outro serventuário que não tenha o mesmo enquadramento funcional, isto ao talante do administrador público?
A resposta é negativa, porque fica o administrador público jungido ao cumprimento do que dispõe a Lei 9.421/96 e o seu regulamento no âmbito dos órgãos que compõem o Judiciário Federal, no caso analisado, a Resolução Administrativa no 833/2002 do TST, no âmbito da Justiça do Trabalho.
O “analista judiciário executor de mandados” somente pode ser substituído em suas funções por outro serventuário que tenha o mesmo enquadramento funcional, isto em decorrência de sua expressa especialidade no quadro de carreiras e cargos, que lhe reserva o cumprimento de atribuições específicas, eis que reservadas em Lei (arts. 143/CPC e arts. 721, 880 e 883/CLT).
A definição do que são as especializações acometidas aos diversos cargos que compõem o quadro de servidores do Judiciário Federal, foi explicitada no art. 2o da RA 833/2002 do TST, "in verbis":
“Art. 2o Para os fins de que trata esta resolução, devem ser observadas as definições dos seguintes termos básicos utilizados na Lei no 9.421/96:
(omissis)
X- Especialidades - são divisões das áreas de atividade quando for necessária, para o exercício das atribuições, formação especializada, por exigência legal, ou habilidades especificas a critério da Administração.”
Os analistas judiciários não especializados que, eventualmente, tenham sido designados para o exercício das atividades acometidas aos "analistas executores de mandados" (antigos oficiais de justiça avaliadores), são precários no exercício da atividade ou, como bem traduz o termo latino: "ad hoc", "... nomeado para certo fim processual ou legal, substituto eventual", conforme traduz Pedro Nunes "in" "Dicionário de Tecnologia Jurídica" - 11a ed., vol. I, pág. 63.
Outro não é o entendimento legal contido no §5o do art. 721 da CLT, que chancela ao Juiz atribuir a realização do ato privativo do oficial de justiça a outro serventuário somente na hipótese de ocorrer a falta ou o impedimento daquele, o que reforça a especialidade e o caráter privativo do cargo.
6. O "analista judiciário executor de mandados" pode ser designado para o cumprimento de atividades estranhas a sua especialidade?
Primeiro, há que se ter em mente que os ocupantes de cargos com especialidades se submeteram a concursos públicos, com a exigência específica de serem bacharéis em direito ou médicos, psicólogos, engenheiros etc., almejando portanto um cargo específico e especializado, como no caso em análise, oficial de justiça avaliador, antes da alteração legislativa e, após a edição da Lei 9.421/96, analista judiciário, área judiciária, com especialidade de execução de mandados.
Ora, se sob tais condições prestaram seus concursos e assim foram nomeados e empossados nos respectivos órgãos públicos, não podem ser desviados para cargos distintos enquanto existir na estruturação administrativa a previsão de seus cargos e de suas atribuições especializadas.
Hely Lopes Meirelles, "in" "Direito Administrativo Brasileiro", 24ª edição, com a sua notória maestria observou, ao analisar os "Direitos do titular do cargo", que:
"Os direitos do titular do cargo restringem-se ao seu exercício, as prerrogativas da função e ao subsidio ou aos vencimentos e vantagens decorrentes da investidura, sem que o servidor tenha propriedade do lugar que ocupa, visto que o cargo é inapropriável pelo servidor, daí por que a Administração pode suprimir, transformar e alterar os cargos públicos ou serviços independentemente da aquiescência de seu titular, uma vez que o servidor não tem direito adquirido a imutabilidade de suas atribuições, nem a continuidade de suas funções originárias. A lei posterior pode extinguir e alterar cargos e funções de quaisquer titulares - vitalícios, estáveis e instáveis.
(...)
Enquanto subsistir o cargo, como foi provido, seu titular terá direito ao exercício nas condições estabelecidas pelo estatuto; mas, se se modificarem a estrutura, atribuições, os requisitos para seu desempenho, licitas são a exoneração, a disponibilidade, a remoção ou a transferência de seu ocupante, para que outro o desempenhe na forma da nova lei. O que não se admite e o afastamento arbitrário ou abusivo do titular, por ato do Executivo, sem lei que o autorize.”(ob. citada, pág. 377/378)
Ouso observar, complementando o mestre com o devido respeito, que no caso de redistribuição do servidor público, estabelece o "caput", do art. 37, da Lei 8.213/1990, que se observarão os seguintes preceitos:
"(omissis...)
III - manutenção da essência das atribuições do cargo;
IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades;
V - mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional;
(omissis...)"
Tais preceitos devem ser observados mesmo se a redistribuição decorrer do "ajustamento de lotação e da força de trabalho às necessidades do serviço, inclusive nos caso de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade", conforme o §1o, art. 37, Lei 8.213/90).
O mencionado dispositivo leva a conclusão de que a Administração Pública, no exercício de seu Poder Discricionário e Hierárquico de reorganizar a sua estrutura administrativa e força de trabalho, deverá respeitar aos ocupantes dos antigos cargos, no mínimo, a essência de suas atribuições anteriores, enquadrando-os aos novos cargos de forma compatível com a situação funcional pretérita de cada um.
Observa-se que foi exatamente isto que resguardou a Lei 9.421/1996, no seu art. 4o, cujas salvaguardas foram repetidas pelo art. 3o da Resolução Administrativa no 833/2002 do TST.
Assim, enquanto houver no quadro de carreiras a previsão do cargo de analista judiciário, da área judiciária, especializado na execução de mandados, qualquer alteração de suas atribuições específicas representará um desvio de função a ser reparado, seja no âmbito administrativo (art. 104 e segs. c/c 114 da Lei 8.213/90) ou, judicialmente, pela via do mandado de segurança (art. 5o - LXIX da CF).
Cabe ressaltar que, tal cargo, tendo sido criado por lei ordinária, somente por esta via poderá ser suprimido ou alterado.
7. Conclusão
Assim, tendo analisado sucintamente os aspectos da Lei 9.421/1996, no tocante aos antigos oficiais de justiça avaliadores, e a sua regulamentação no âmbito dos diversos órgãos superiores que compõem o Poder Judiciário da União, mais recentemente na Justiça do Trabalho, podemos concluir que:
a) Persistem as atribuições do oficial de justiça avaliador no âmbito do Judiciário Trabalhista, cujo cargo foi renomeado para analista judiciário da área judiciária, especializado na execução de mandados, aos quais são incumbidas as atividades previstas na legislação processual, lá acometidas aos denominados "Oficiais de Justiça";
b) Tratando-se de um cargo que, anteriormente, era de provimento isolado (oficial de justiça avaliador) e sendo hoje um cargo com especialização (execução de mandados), o seu ocupante somente pode ser substituído por outro servidor com a mesma especialização no quadro de carreiras, ressalvando-se, entretanto, a substituição temporária, "ad hoc", na hipótese restrita do art. 721 da CLT;
c) Não pode o ocupante do cargo de "analista judiciário executor de mandados” ser designado para o cumprimento de atribuições distintas e incompatíveis com sua especialização, isto enquanto persistir a previsão legal de seu cargo especializado, sob pena de se acarretar um desvio de função;
d) A inobservância administrativa dos preceitos legais que regulam a atividade funcional dos "analistas judiciários executores de mandados" atrairá a correção do ato eivado de nulidade, seja pela via administrativa ou judiciária.
Texto confeccionado em 10/03/2003, por
(1) André Luiz Guedes Fontes
Atuações e qualificações
(1) Advogado trabalhista militante, com atuação voltada para assessoria empresarial
E-mails
(1) afontes@powerline.com.b
TRF-2 - Tribunal manda aposentar juíza federal
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo
Bruno Tavares
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) determinou ontem a aposentadoria compulsória da juíza federal Maria Cristina de Luca Barongeno, investigada em 2007 pela Operação Têmis - suposto esquema de venda de sentenças em ações judiciais sobre causas tributárias e jogo do bingo. A decisão unânime foi tomada pelos desembargadores mais antigos da corte. A defesa da magistrada ainda pode recorrer ao Conselho da Justiça Federal.
A pena aplicada à juíza é a mais rígida entre as previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Maria Cristina ainda responde a um segundo processo administrativo, originado no bojo da Operação Têmis. Ela é suspeita de ter avocado para si processo do frigorífico Friboi, do qual o seu pai, Joaquim Barongeno, é um dos advogados. "A decisão do Órgão Especial foi muito importante por ser a primeira do caso Têmis", assinalou o procurador regional da República Pedro Barbosa.
No ano passado, a juíza já havia sido afastada do cargo por duas vezes. O primeiro afastamento, relativo à apuração envolvendo as casas de bingo, ocorreu em 22 de setembro. O último é datado de 8 de outubro. Os dois atos foram assinados pela desembargadora Marli Ferreira, presidente do TRF3. Além dela, estão afastados de suas funções os juízes federais Djalma Moreira Gomes e Manoel Álvares, ambos alvos da Operação Têmis.
O advogado Flávio Luiz Yarshell, defensor da juíza, preferiu ontem não comentar a decisão do Órgão Especial. "Ainda é muito recente, prefiro aguardar um pouco antes de dar qualquer declaração sobre o caso." Maria Cristina ainda corre o risco de ser condenada a perda do cargo na ação penal em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
DENÚNCIA
A Operação Têmis foi desencadeada em abril de 2007. Os principais alvos da Polícia Federal e da Procuradoria Regional da República em São Paulo (PRR3) eram os desembargadores Nery da Costa Júnior, Roberto Luiz Ribeiro Haddad e Alda Maria Basto Ansaldi, todos do TRF3, além dos juízes federais Maria Cristina Barongeno, da 23ª Vara Cível, e Djalma Gomes, da 25ª Vara Cível.
Após mais de um ano de investigações, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia (acusação formal à Justiça) contra 16 pessoas, entra elas os três desembargadores do TRF3 e a juíza Maria Cristina. Todos foram acusados pelos crimes de exploração de prestígio, tráfico de influência, prevaricação e corrupção. Eles negam as acusações.
Bruno Tavares
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) determinou ontem a aposentadoria compulsória da juíza federal Maria Cristina de Luca Barongeno, investigada em 2007 pela Operação Têmis - suposto esquema de venda de sentenças em ações judiciais sobre causas tributárias e jogo do bingo. A decisão unânime foi tomada pelos desembargadores mais antigos da corte. A defesa da magistrada ainda pode recorrer ao Conselho da Justiça Federal.
A pena aplicada à juíza é a mais rígida entre as previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Maria Cristina ainda responde a um segundo processo administrativo, originado no bojo da Operação Têmis. Ela é suspeita de ter avocado para si processo do frigorífico Friboi, do qual o seu pai, Joaquim Barongeno, é um dos advogados. "A decisão do Órgão Especial foi muito importante por ser a primeira do caso Têmis", assinalou o procurador regional da República Pedro Barbosa.
No ano passado, a juíza já havia sido afastada do cargo por duas vezes. O primeiro afastamento, relativo à apuração envolvendo as casas de bingo, ocorreu em 22 de setembro. O último é datado de 8 de outubro. Os dois atos foram assinados pela desembargadora Marli Ferreira, presidente do TRF3. Além dela, estão afastados de suas funções os juízes federais Djalma Moreira Gomes e Manoel Álvares, ambos alvos da Operação Têmis.
O advogado Flávio Luiz Yarshell, defensor da juíza, preferiu ontem não comentar a decisão do Órgão Especial. "Ainda é muito recente, prefiro aguardar um pouco antes de dar qualquer declaração sobre o caso." Maria Cristina ainda corre o risco de ser condenada a perda do cargo na ação penal em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
DENÚNCIA
A Operação Têmis foi desencadeada em abril de 2007. Os principais alvos da Polícia Federal e da Procuradoria Regional da República em São Paulo (PRR3) eram os desembargadores Nery da Costa Júnior, Roberto Luiz Ribeiro Haddad e Alda Maria Basto Ansaldi, todos do TRF3, além dos juízes federais Maria Cristina Barongeno, da 23ª Vara Cível, e Djalma Gomes, da 25ª Vara Cível.
Após mais de um ano de investigações, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia (acusação formal à Justiça) contra 16 pessoas, entra elas os três desembargadores do TRF3 e a juíza Maria Cristina. Todos foram acusados pelos crimes de exploração de prestígio, tráfico de influência, prevaricação e corrupção. Eles negam as acusações.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
TRF arquiva ação disciplinar contra magistrados citados por desobediência
Fausto Macedo
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) arquivou ontem, por 15 votos a 1, procedimento administrativo contra cinco juízes criminais federais citados por suposta desobediência a uma desembargadora que havia exigido informações sobre investigação relativa ao Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.
A sessão no Órgão Especial do TRF 3 durou cinco horas e foi aberta ao público. O único voto contrário aos magistrados foi declarado pelo desembargador André Nabarrete, corregedor federal, que presidiu a sessão e pediu instauração de processo disciplinar. Seu voto foi amplamente superado por 15 magistrados que categoricamente decidiram pela inocência dos juízes.
Colegas do juiz Fausto Martin De Sanctis, condutor da Operação Satiagraha, os cinco juízes tornaram-se alvo de investigação porque em maio de 2008 - um mês antes da prisão de Dantas - advogados do banqueiro souberam de interceptação telefônica em curso na Polícia Federal. A defesa fez uma consulta junto às dez Varas Criminais Federais de São Paulo, sem êxito. Recorreu, então, ao TRF 3, por meio de habeas corpus.
A desembargadora determinou aos juízes que a informassem acerca da existência de inquérito, "resguardado o devido sigilo". Eles se reuniram informalmente em uma sala do fórum criminal da Justiça Federal para discutir como deveriam proceder. A dúvida do grupo era como informar sem violar o segredo. Não fizeram deliberação. No prazo legal, encaminharam individualmente ao TRF dados de que dispunham em envelopes lacrados.
O próprio De Sanctis participou da reunião e também era citado no procedimento. Em abril, o juiz - titular da 6ª Vara Federal - foi absolvido.
"Não houve insubordinação, não houve motim", sustentou, durante o julgamento, o advogado Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, contratado pela Associação dos Juízes Federais para defender os magistrados. "(Os juízes) apenas queriam esclarecimento sobre a questão, qual a extensão do pedido feito pela desembargadora.Todos foram ouvidos e admitiram o encontro, mas exclusivamente no sentido de como deveriam prestar aquelas informações. Não traçaram nenhuma estratégia conjunta, ninguém questionou a competência da desembargadora."
Os 15 desembargadores que votaram pela rejeição do processo disciplinar salientaram que a conduta dos juízes não caracterizou infração.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) arquivou ontem, por 15 votos a 1, procedimento administrativo contra cinco juízes criminais federais citados por suposta desobediência a uma desembargadora que havia exigido informações sobre investigação relativa ao Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.
A sessão no Órgão Especial do TRF 3 durou cinco horas e foi aberta ao público. O único voto contrário aos magistrados foi declarado pelo desembargador André Nabarrete, corregedor federal, que presidiu a sessão e pediu instauração de processo disciplinar. Seu voto foi amplamente superado por 15 magistrados que categoricamente decidiram pela inocência dos juízes.
Colegas do juiz Fausto Martin De Sanctis, condutor da Operação Satiagraha, os cinco juízes tornaram-se alvo de investigação porque em maio de 2008 - um mês antes da prisão de Dantas - advogados do banqueiro souberam de interceptação telefônica em curso na Polícia Federal. A defesa fez uma consulta junto às dez Varas Criminais Federais de São Paulo, sem êxito. Recorreu, então, ao TRF 3, por meio de habeas corpus.
A desembargadora determinou aos juízes que a informassem acerca da existência de inquérito, "resguardado o devido sigilo". Eles se reuniram informalmente em uma sala do fórum criminal da Justiça Federal para discutir como deveriam proceder. A dúvida do grupo era como informar sem violar o segredo. Não fizeram deliberação. No prazo legal, encaminharam individualmente ao TRF dados de que dispunham em envelopes lacrados.
O próprio De Sanctis participou da reunião e também era citado no procedimento. Em abril, o juiz - titular da 6ª Vara Federal - foi absolvido.
"Não houve insubordinação, não houve motim", sustentou, durante o julgamento, o advogado Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, contratado pela Associação dos Juízes Federais para defender os magistrados. "(Os juízes) apenas queriam esclarecimento sobre a questão, qual a extensão do pedido feito pela desembargadora.Todos foram ouvidos e admitiram o encontro, mas exclusivamente no sentido de como deveriam prestar aquelas informações. Não traçaram nenhuma estratégia conjunta, ninguém questionou a competência da desembargadora."
Os 15 desembargadores que votaram pela rejeição do processo disciplinar salientaram que a conduta dos juízes não caracterizou infração.
CNJ freia processo contra juiz Mazloum
Relator vê risco de prejuízo ''de difícil ou improvável reparação''
Fausto Macedo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a imediata suspensão do julgamento do processo disciplinar contra o juiz federal Ali Mazloum, iniciado dia 10 pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3). O julgamento não pode ser retomado pelo menos até que as informações requeridas pelo conselheiro Marcelo Nobre, relator, sejam remetidas ao CNJ.
Magistrado que mandou abrir os arquivos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mazloum é alvo de investigação sobre suposta violação de regra de competência - em 2002 ele acolheu habeas corpus em questão administrativa para interromper julgamento de um médico no Conselho Regional de Medicina (CRM). Alegando perseguição, recorreu ao CNJ para suspender liminarmente seu julgamento.
"O referido processo contra o requerente (Mazloum)foi aberto em 2005, até a presente data não houve o seu julgamento definitivo", assinalou o relator. "Tal fato permite concluir que, se o processo não for julgado nos próximos dias, não causará nenhum prejuízo, muito menos qualquer irreversibilidade de direitos. Todavia, se o processo for julgado e o requerente removido compulsoriamente, teremos, quando da apreciação do mérito, a irreversibilidade do julgado."
No TRF 3 os primeiros cinco votos são pela punição a Mazloum, quatro para sua remoção compulsória da 7ª Vara Criminal Federal, um pela censura. "É claro que há possibilidade de prejuízo de difícil ou improvável reparação para o requerente na aplicação da penalidade por ele avistada", observou Nobre. "A mudança para outra localidade, a anotação da condenação em sua folha funcional e outras certamente se apresentam como possibilidade concretas de danos de difícil reparação (a Mazloum)".
"A OAB está atenta aos fatos e se solidariza publicamente com o juiz Mazloum", declarou o criminalista Alberto Zacharias Toron, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. "Causa repugnância a atitude de remover Mazloum justamente no momento em que ele põe o dedo na ferida das violências cometidas por setores da Polícia Federal e da Abin. É inadmissível que se atinja de forma tão rasteira a independência de um juiz em plena democracia."
Fausto Macedo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a imediata suspensão do julgamento do processo disciplinar contra o juiz federal Ali Mazloum, iniciado dia 10 pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3). O julgamento não pode ser retomado pelo menos até que as informações requeridas pelo conselheiro Marcelo Nobre, relator, sejam remetidas ao CNJ.
Magistrado que mandou abrir os arquivos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mazloum é alvo de investigação sobre suposta violação de regra de competência - em 2002 ele acolheu habeas corpus em questão administrativa para interromper julgamento de um médico no Conselho Regional de Medicina (CRM). Alegando perseguição, recorreu ao CNJ para suspender liminarmente seu julgamento.
"O referido processo contra o requerente (Mazloum)foi aberto em 2005, até a presente data não houve o seu julgamento definitivo", assinalou o relator. "Tal fato permite concluir que, se o processo não for julgado nos próximos dias, não causará nenhum prejuízo, muito menos qualquer irreversibilidade de direitos. Todavia, se o processo for julgado e o requerente removido compulsoriamente, teremos, quando da apreciação do mérito, a irreversibilidade do julgado."
No TRF 3 os primeiros cinco votos são pela punição a Mazloum, quatro para sua remoção compulsória da 7ª Vara Criminal Federal, um pela censura. "É claro que há possibilidade de prejuízo de difícil ou improvável reparação para o requerente na aplicação da penalidade por ele avistada", observou Nobre. "A mudança para outra localidade, a anotação da condenação em sua folha funcional e outras certamente se apresentam como possibilidade concretas de danos de difícil reparação (a Mazloum)".
"A OAB está atenta aos fatos e se solidariza publicamente com o juiz Mazloum", declarou o criminalista Alberto Zacharias Toron, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. "Causa repugnância a atitude de remover Mazloum justamente no momento em que ele põe o dedo na ferida das violências cometidas por setores da Polícia Federal e da Abin. É inadmissível que se atinja de forma tão rasteira a independência de um juiz em plena democracia."
Avanços históricos na área trabalhista
Marcos Jank
Mudança e diversidade são as duas palavras-chave nas questões trabalhistas do setor sucroenergético. A mudança resulta do rápido processo de mecanização da cana-de-açúcar na Região Centro-Sul, que levará ao quase desaparecimento das operações manuais de plantio e colheita em menos de uma década. Na atual safra, a área colhida em São Paulo sem o uso do fogo, usado para viabilizar o corte manual, já superará metade da área total de cana. O processo de mecanização acelerou-se por razões ambientais (redução de emissões e eliminação da fuligem resultante da queima de cana) e econômicas (uso da palha da cana para gerar bioeletricidade). No entanto, a perda líquida de empregos no setor ao longo dos próximos anos é uma consequência negativa da mecanização.
Já a diversidade resulta da imensa fragmentação do setor, que conta com quase 400 indústrias processadoras, mais de mil indústrias de suporte, 70 mil fornecedores de cana e quase 850 mil trabalhadores. Se, por um lado, ainda há problemas trabalhistas em razão do grande contingente de mão de obra espalhada em 20 Estados brasileiros, por outro, os avanços nas relações capital-trabalho são reconhecidos por todos os agentes envolvidos, seja nas negociações coletivas, seja na adoção de boas práticas, que, muitas vezes, vão além da legislação vigente. É certo que os problemas ainda existentes são exemplos isolados, que não representam a conduta geral do setor.
É nesse sentido que queremos avançar. Educar, requalificar e contribuir para recolocar os trabalhadores que vão perder o emprego. Valorizar as melhores práticas trabalhistas, criando instrumentos de mercado que as reconheçam como exemplos a serem adotados por um número crescente de empregadores. Elevar os padrões médios de conduta com ações proativas e transparentes, em vez de ficar eternamente destacando as exceções, que sempre existirão em setores dessa magnitude.
Para reduzir a "diversidade", após um ano de intensas negociações habilmente coordenadas pelo experiente ministro Luiz Dulci, representantes de empresários e trabalhadores de todo o País e seis Ministérios do governo federal estarão hoje em Brasília assinando o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar. Trata-se de um novo modelo tripartite, de adesão voluntária e com abrangência nacional, que se diferencia de qualquer negociação realizada até agora e representa um avanço decisivo nas relações trabalhistas. As empresas que assinarem o compromisso terão de cumprir um conjunto de cerca de 30 práticas empresariais exemplares, que extrapolam as obrigações legais, recebendo um certificado de conformidade referendado por uma comissão nacional formada pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), pela Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Fórum Nacional Sucroenergético. Além das quatro entidades, que assinam o Compromisso Nacional com o presidente Lula, várias dezenas de unidades empresariais já vão firmar seus "termos de adesão" ao compromisso.
As "melhores práticas" do setor incluem a contratação direta de trabalhadores nas atividades manuais do plantio e corte da cana-de-açúcar, eliminando totalmente a utilização de intermediários, os chamados "gatos". Outros pontos incluem melhorias no transporte de trabalhadores, aumento da transparência na aferição e no pagamento do trabalho por produção, atendimento a migrantes contratados em outras localidades, questões voltadas para a saúde e segurança dos trabalhadores - como ginástica laboral, pausas, reidratação, atendimento de emergência e readequação dos equipamentos de proteção individual - e fortalecimento das organizações sindicais e das negociações coletivas. Além disso, o governo vai introduzir um conjunto de políticas públicas específicas nas áreas de educação, requalificação e facilitação de emprego. Trata-se de um processo gradual de evolução dos padrões acordados, inspirado na ideia simples e moderna de que o próprio mercado deve reconhecer o valor do compromisso, estimulando mudanças efetivas nas práticas laborais no setor.
No universo da "mudança", as empresas associadas à Unica já qualificaram, desde o início de 2007, mais de 5 mil trabalhadores impactados pelo acelerado processo de mecanização no Estado de São Paulo, região que responde por 60% da produção brasileira de cana. Mas isso não basta. No início deste mês, a Unica, a Feraesp e empresas da cadeia produtiva - Syngenta, John Deere e Case IH, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - uniram-se para lançar o maior programa de treinamento e requalificação de trabalhadores já implantado pelo setor privado sucroalcooleiro no mundo. Serão 7 mil pessoas beneficiadas por ano, entre trabalhadores e integrantes das comunidades em seis regiões canavieiras paulistas. Serão oferecidos cursos de motorista canavieiro, operador de tratores e colhedoras, mecânico, eletricista e soldador, além de programas voltados para outros setores, como reflorestamento, horticultura, artesanato, construção civil, computação, costura, hotelaria e turismo.
O Compromisso Nacional de reconhecimento das melhores práticas e o programa de requalificação de trabalhadores são exemplos de ações graduais, efetivas e coordenadas que trarão melhorias às condições laborais e de qualidade de vida dos trabalhadores manuais da cana-de-açúcar, além de oferecer novos horizontes para aqueles que, em razão da mecanização, terão de mudar de atividade. São avanços inéditos e de grande abrangência, que merecem ser valorizados como passos históricos voltados para um futuro melhor.
Marcos Jank é presidente da Unica
Mudança e diversidade são as duas palavras-chave nas questões trabalhistas do setor sucroenergético. A mudança resulta do rápido processo de mecanização da cana-de-açúcar na Região Centro-Sul, que levará ao quase desaparecimento das operações manuais de plantio e colheita em menos de uma década. Na atual safra, a área colhida em São Paulo sem o uso do fogo, usado para viabilizar o corte manual, já superará metade da área total de cana. O processo de mecanização acelerou-se por razões ambientais (redução de emissões e eliminação da fuligem resultante da queima de cana) e econômicas (uso da palha da cana para gerar bioeletricidade). No entanto, a perda líquida de empregos no setor ao longo dos próximos anos é uma consequência negativa da mecanização.
Já a diversidade resulta da imensa fragmentação do setor, que conta com quase 400 indústrias processadoras, mais de mil indústrias de suporte, 70 mil fornecedores de cana e quase 850 mil trabalhadores. Se, por um lado, ainda há problemas trabalhistas em razão do grande contingente de mão de obra espalhada em 20 Estados brasileiros, por outro, os avanços nas relações capital-trabalho são reconhecidos por todos os agentes envolvidos, seja nas negociações coletivas, seja na adoção de boas práticas, que, muitas vezes, vão além da legislação vigente. É certo que os problemas ainda existentes são exemplos isolados, que não representam a conduta geral do setor.
É nesse sentido que queremos avançar. Educar, requalificar e contribuir para recolocar os trabalhadores que vão perder o emprego. Valorizar as melhores práticas trabalhistas, criando instrumentos de mercado que as reconheçam como exemplos a serem adotados por um número crescente de empregadores. Elevar os padrões médios de conduta com ações proativas e transparentes, em vez de ficar eternamente destacando as exceções, que sempre existirão em setores dessa magnitude.
Para reduzir a "diversidade", após um ano de intensas negociações habilmente coordenadas pelo experiente ministro Luiz Dulci, representantes de empresários e trabalhadores de todo o País e seis Ministérios do governo federal estarão hoje em Brasília assinando o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar. Trata-se de um novo modelo tripartite, de adesão voluntária e com abrangência nacional, que se diferencia de qualquer negociação realizada até agora e representa um avanço decisivo nas relações trabalhistas. As empresas que assinarem o compromisso terão de cumprir um conjunto de cerca de 30 práticas empresariais exemplares, que extrapolam as obrigações legais, recebendo um certificado de conformidade referendado por uma comissão nacional formada pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), pela Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Fórum Nacional Sucroenergético. Além das quatro entidades, que assinam o Compromisso Nacional com o presidente Lula, várias dezenas de unidades empresariais já vão firmar seus "termos de adesão" ao compromisso.
As "melhores práticas" do setor incluem a contratação direta de trabalhadores nas atividades manuais do plantio e corte da cana-de-açúcar, eliminando totalmente a utilização de intermediários, os chamados "gatos". Outros pontos incluem melhorias no transporte de trabalhadores, aumento da transparência na aferição e no pagamento do trabalho por produção, atendimento a migrantes contratados em outras localidades, questões voltadas para a saúde e segurança dos trabalhadores - como ginástica laboral, pausas, reidratação, atendimento de emergência e readequação dos equipamentos de proteção individual - e fortalecimento das organizações sindicais e das negociações coletivas. Além disso, o governo vai introduzir um conjunto de políticas públicas específicas nas áreas de educação, requalificação e facilitação de emprego. Trata-se de um processo gradual de evolução dos padrões acordados, inspirado na ideia simples e moderna de que o próprio mercado deve reconhecer o valor do compromisso, estimulando mudanças efetivas nas práticas laborais no setor.
No universo da "mudança", as empresas associadas à Unica já qualificaram, desde o início de 2007, mais de 5 mil trabalhadores impactados pelo acelerado processo de mecanização no Estado de São Paulo, região que responde por 60% da produção brasileira de cana. Mas isso não basta. No início deste mês, a Unica, a Feraesp e empresas da cadeia produtiva - Syngenta, John Deere e Case IH, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - uniram-se para lançar o maior programa de treinamento e requalificação de trabalhadores já implantado pelo setor privado sucroalcooleiro no mundo. Serão 7 mil pessoas beneficiadas por ano, entre trabalhadores e integrantes das comunidades em seis regiões canavieiras paulistas. Serão oferecidos cursos de motorista canavieiro, operador de tratores e colhedoras, mecânico, eletricista e soldador, além de programas voltados para outros setores, como reflorestamento, horticultura, artesanato, construção civil, computação, costura, hotelaria e turismo.
O Compromisso Nacional de reconhecimento das melhores práticas e o programa de requalificação de trabalhadores são exemplos de ações graduais, efetivas e coordenadas que trarão melhorias às condições laborais e de qualidade de vida dos trabalhadores manuais da cana-de-açúcar, além de oferecer novos horizontes para aqueles que, em razão da mecanização, terão de mudar de atividade. São avanços inéditos e de grande abrangência, que merecem ser valorizados como passos históricos voltados para um futuro melhor.
Marcos Jank é presidente da Unica
terça-feira, 23 de junho de 2009
Ladrão processa vítima por lesões corporais quando ela evitou assalto na padaria
Juiz considera 'uma afronta ao Judiciário' ação que assaltante moveu contra comerciante dono de padaria, por ter levado surra ao tentar roubar estabelecimento em Belo Horizonte.
Uma ação em tramitação no Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, leva às últimas conseqüências a máxima segundo a qual a Justiça é para todos - todos mesmo. O pedido de um assaltante, preso em flagrante e que decidiu processar a vítima por ter reagido durante o assalto, provocou surpresa até mesmo nos meios jurídicos e foi classificado como uma "aberração" pelo juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo, da 2ª Vara Criminal, que suspendeu a ação.
Não satisfeito, o cúmplice, digo advogado do ladrão, José Luiz Oliva Silveira Campos, anuncia que vai além da queixa-crime, apresentada por lesões corporais: pretende processar, por danos morais, o comerciante assaltado. O motivo: seu cliente teria sido humilhado durante o roubo.
Wanderson Rodrigues de Freitas, de 22 anos, se sentiu injustiçado e humilhado porque apanhou do dono da padaria que tentava assaltar. O crime ocorreu no mês passado, na Avenida General Olímpio Mourão Filho, no Bairro Planalto, Região Norte de BH. Por volta das 14h30 de uma terça-feira, Wanderson chegou ao estabelecimento e anunciou o assalto.
Ele rendeu a funcionária, irmã do proprietário, que estava no caixa. Conseguiu pegar R$ 45. No entanto, quando ia fugir, foi surpreendido pelo dono da padaria, um comerciante de 32 anos, que prefere ter a identidade preservada.
- "Estava chegando, quando vi minha irmã com as mãos para o alto. Já fui roubado mais de 10 vezes nos sete anos que tenho meu comércio. Quatro dias antes de esse ladrão aparecer, tinha sido assaltado. Não pensei duas vezes e parti para cima dele.
Caímos da escada e, quando outras pessoas perceberam o que estava acontecendo, todos começaram a bater nele também. Muitos reconheceram o ladrão como autor de outros assaltos da região", conta o comerciante. Ele diz ainda que, para render a irmã, Wanderson escondeu um pedaço de madeira debaixo da blusa, fingindo ter uma arma.
- "Pensei que fosse um revólver. Quando a vi com as mãos para o alto, arrisquei minha vida e a dela. Mas estava revoltado com tantos crimes e quis defender meu patrimônio. Trabalhei 20 anos para conseguir comprar esta padaria. Nada foi fácil para mim e nunca precisei roubar para viver.
Na confusão, chamamos a polícia e ele foi preso em flagrante por tentativa de assalto a mão armada", conta. O comerciante acha absurda a atitude do advogado.- "O que me deixa indignado é como um profissional aceita uma causas dessas sem pensar no bem ou no mal que pode causar a sociedade. Chega a ser ridículo", critica.
Quem parece compartilhar da opinião da vítima é o juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo. Em sua decisão, ele considerou o fato de um assaltante apresentar uma queixa-crime, alegando ser vítima de lesão corporal, uma afronta ao Judiciário. O magistrado rejeitou o procedimento, por considerar que o proprietário da padaria agiu em legítima defesa.
Além disso, observou que não houve nenhum excesso por parte da vítima. O magistrado avaliou que o homem teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por extensão, seu próprio patrimônio.
- "Após longos anos no exercício da magistratura, talvez este seja o caso de maior aberração postulatória. A pretensão do indivíduo, criminoso confesso, apresenta-se como um indubitável deboche", afirmou o juiz. Da decisão de primeira instância cabe recurso.
Com 31 anos de carreira, o advogado do assaltante, José Luiz Oliva Silveira Campos, está confiante no andamento do processo. Ele alega que o cliente sofreu lesão corporal e se sentiu insultado e rebaixado por ter levado uma sova. "A ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos.
Wanderson levou uma surra. Ele foi humilhado e, por isso, além dos autos em andamento, vou processar o comerciante por danos morais ", afirma.Ele conta que há 31 dias Wanderson está atrás das grades, no Ceresp da Gameleira, pelo crime cometido no Planalto. Além de justificar a ação, ele desfia um rosário de teorias. "Não vejo nada de ridículo nisso. Os envolvidos estouraram o nariz do meu cliente e ele só vai consertar com uma plástica. Em vez de bater nele, o dono da padaria poderia ter imobilizado Wanderson. Para que serve a polícia? Um erro não justifica o outro. Ele assaltou, sim. Mas não precisava ter sido surrado", afirma.
O advogado acrescenta que sua tese é a de que Wanderson não estava armado, mas "apenas com um pedaço de madeira de 20 centímetros". Ele também culpa o governo pelo assalto praticado pelo cliente. "O problema mora na segurança pública. Há câmeras do Olho Vivo pela cidade. Por que o poder público não coloca nas padarias também? Temos que correr atrás de nossos direitos e Wanderson está fazendo isso. Meu cliente precisa ser ressarcido", diz o advogado.
Uma ação em tramitação no Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, leva às últimas conseqüências a máxima segundo a qual a Justiça é para todos - todos mesmo. O pedido de um assaltante, preso em flagrante e que decidiu processar a vítima por ter reagido durante o assalto, provocou surpresa até mesmo nos meios jurídicos e foi classificado como uma "aberração" pelo juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo, da 2ª Vara Criminal, que suspendeu a ação.
Não satisfeito, o cúmplice, digo advogado do ladrão, José Luiz Oliva Silveira Campos, anuncia que vai além da queixa-crime, apresentada por lesões corporais: pretende processar, por danos morais, o comerciante assaltado. O motivo: seu cliente teria sido humilhado durante o roubo.
Wanderson Rodrigues de Freitas, de 22 anos, se sentiu injustiçado e humilhado porque apanhou do dono da padaria que tentava assaltar. O crime ocorreu no mês passado, na Avenida General Olímpio Mourão Filho, no Bairro Planalto, Região Norte de BH. Por volta das 14h30 de uma terça-feira, Wanderson chegou ao estabelecimento e anunciou o assalto.
Ele rendeu a funcionária, irmã do proprietário, que estava no caixa. Conseguiu pegar R$ 45. No entanto, quando ia fugir, foi surpreendido pelo dono da padaria, um comerciante de 32 anos, que prefere ter a identidade preservada.
- "Estava chegando, quando vi minha irmã com as mãos para o alto. Já fui roubado mais de 10 vezes nos sete anos que tenho meu comércio. Quatro dias antes de esse ladrão aparecer, tinha sido assaltado. Não pensei duas vezes e parti para cima dele.
Caímos da escada e, quando outras pessoas perceberam o que estava acontecendo, todos começaram a bater nele também. Muitos reconheceram o ladrão como autor de outros assaltos da região", conta o comerciante. Ele diz ainda que, para render a irmã, Wanderson escondeu um pedaço de madeira debaixo da blusa, fingindo ter uma arma.
- "Pensei que fosse um revólver. Quando a vi com as mãos para o alto, arrisquei minha vida e a dela. Mas estava revoltado com tantos crimes e quis defender meu patrimônio. Trabalhei 20 anos para conseguir comprar esta padaria. Nada foi fácil para mim e nunca precisei roubar para viver.
Na confusão, chamamos a polícia e ele foi preso em flagrante por tentativa de assalto a mão armada", conta. O comerciante acha absurda a atitude do advogado.- "O que me deixa indignado é como um profissional aceita uma causas dessas sem pensar no bem ou no mal que pode causar a sociedade. Chega a ser ridículo", critica.
Quem parece compartilhar da opinião da vítima é o juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo. Em sua decisão, ele considerou o fato de um assaltante apresentar uma queixa-crime, alegando ser vítima de lesão corporal, uma afronta ao Judiciário. O magistrado rejeitou o procedimento, por considerar que o proprietário da padaria agiu em legítima defesa.
Além disso, observou que não houve nenhum excesso por parte da vítima. O magistrado avaliou que o homem teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por extensão, seu próprio patrimônio.
- "Após longos anos no exercício da magistratura, talvez este seja o caso de maior aberração postulatória. A pretensão do indivíduo, criminoso confesso, apresenta-se como um indubitável deboche", afirmou o juiz. Da decisão de primeira instância cabe recurso.
Com 31 anos de carreira, o advogado do assaltante, José Luiz Oliva Silveira Campos, está confiante no andamento do processo. Ele alega que o cliente sofreu lesão corporal e se sentiu insultado e rebaixado por ter levado uma sova. "A ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos.
Wanderson levou uma surra. Ele foi humilhado e, por isso, além dos autos em andamento, vou processar o comerciante por danos morais ", afirma.Ele conta que há 31 dias Wanderson está atrás das grades, no Ceresp da Gameleira, pelo crime cometido no Planalto. Além de justificar a ação, ele desfia um rosário de teorias. "Não vejo nada de ridículo nisso. Os envolvidos estouraram o nariz do meu cliente e ele só vai consertar com uma plástica. Em vez de bater nele, o dono da padaria poderia ter imobilizado Wanderson. Para que serve a polícia? Um erro não justifica o outro. Ele assaltou, sim. Mas não precisava ter sido surrado", afirma.
O advogado acrescenta que sua tese é a de que Wanderson não estava armado, mas "apenas com um pedaço de madeira de 20 centímetros". Ele também culpa o governo pelo assalto praticado pelo cliente. "O problema mora na segurança pública. Há câmeras do Olho Vivo pela cidade. Por que o poder público não coloca nas padarias também? Temos que correr atrás de nossos direitos e Wanderson está fazendo isso. Meu cliente precisa ser ressarcido", diz o advogado.
O Direito do Trabalho em tempos de crise econômica
Fonte: Site Consultor Jurídico
O Direito do Trabalho em tempos de crise econômica
Por José Affonso Dallegrave Neto
A crise se iniciou a partir de empréstimos de créditos “subprime” de bancos americanos. Havia tanto dinheiro sobrando e tanta vontade de lucrar que os bancos passaram a adotar uma política arrojada (e inconsequente) de oferta de empréstimo pessoal.
De um lado um consumidor empolgado em comprar cada vez mais, de outro a flexibilização das garantias e fianças como forma de seduzir o americano de classe média e baixa. Isso tudo sob o aval de um Estado Neoliberal, sempre frouxo e permissivo em assuntos de cunho financeiro e especulativo.
O resultado foi a bancarrota dessas instituições com dimensões globalizadas em face da capilaridade do sistema financeiro. O medo se instalou gerando retração dos bancos na concessão de novos empréstimos. Sem crédito disponível as empresas deixam de expandir; os lucros caem; as dispensas coletivas de empregados passam a ser uma das alternativas de baixar o custo da produção. Com o aumento do número de desempregados e a redução da oferta de crédito pessoal o mercado de consumo se retrai. Como consequencia, o Produto Interno Bruto (PIB) se atrofia e os preços das ações despencam. Surge a recessão e, se não houver um dique, poderá vir a depressão da economia (1).
No meio desse colapso do mercado está o trabalhador e sua família; desempregado, assustado e com poucas perspectivas. Ceifado de sua fonte de subsistência, o trabalhador perde sua honra e dignidade. Nas palavras do poeta Gonzaguinha (2): “Seu sonho é sua vida. E vida é trabalho. E sem o seu trabalho o homem não tem honra. E sem a sua honra se morre... se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz”.
Uma pergunta angustia alguns filósofos: a crise atual do sistema capitalista já era prevista? Quem bem responde a esta indagação é Boaventura de Souza Santos:
“Fala-se de crise hoje porque atingiu o centro do sistema capitalista. Há trinta anos que os países do chamado terceiro mundo têm estado em crise financeira, solicitando, em vão, para a resolver, medidas muito semelhantes às que agora são generosamente adoptadas nos EUA e UE. Por outro lado, os 700 billhões de dólares de bail-out (3) estão sendo entregues aos bancos sem qualquer restrição e não chegam às famílias que não podem pagar a hipoteca da casa ou o cartão de crédito, que perdem o emprego e estão a congestionar os bancos alimentares e a “sopa dos pobres”. No país mais rico do mundo, um dos grandes bancos resgatado, o Goldman Sachs, acaba de declarar no seu relatório que neste ano fiscal pagou apenas 1% de impostos. Entretanto, foi apoiado com dinheiro dos cidadãos que pagam entre 30 e 40% de impostos. À luz disto, os cidadãos de todo o mundo devem saber que a crise financeira não está a ser resolvida para seu beneficio e que isso se tornará patente em 2009” (4).
Em tempos de crise aguda, como a que estamos vivenciando, não há dúvida de que todos devem colaborar. O governo deve agir com rapidez e intervir nas relações econômicas de forma a afetar as relações de trabalho. Em primeiro lugar é preciso distribuir melhor as horas de trabalho disponíveis no mercado por meio do implemento da redução da carga semanal de 44 para 40 horas, a exemplo do que já vem ocorrendo com outros países da Europa. Como segunda medida importante cabe ao governo propor a desoneração dos tributos fiscais e previdenciários sobre a folha de pagamento dos salários. Aliado a isso deve aumentar a oferta de crédito com juros baixos a fim de aquecer o mercado de consumo e os investimentos das empresas. O impacto dessas medidas será principalmente o de refrear o desemprego e reaquecer o consumo.
A propósito, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Milton de Moura França, assinalou para o repórter da Agência Brasil:
“Compete aos Poderes Executivo e Legislativo uma legislação de emergência que possa desonerar a folha de pagamento para que seja mantido o emprego”, defendeu. Na visão de Moura França, é possível que a reforma tributária tenha “como contrapartida a estabilidade dos postos de trabalho, a formalização das ocupações e a melhoria da renda assalariada”.
“Se a folha de pagamento, e essa é a grande briga dos empresários, é pesada, por que não retirar uma parte desses encargos e transferir para outros segmentos produtivos ou de consumo?”, perguntou o ministro, acreditando que União, estados e municípios possam abrir mão de parte da arrecadação e reorganizar os tributos. “O Estado existe para buscar a felicidade dos que vivem nesta terra” (5).
Contudo, não se pode confundir a medida de “desoneração fiscal e previdenciária do salário” com a de “supressão de direitos trabalhistas”. Particularmente defendo a primeira e sou refratário à segunda.
Os empresários devem se conscientizar que a fase áurea de lucros elevados está provisoriamente suspensa. Se é verdade que os lucros vêm caindo de dezembro para cá, também é fato que tivemos um momento de forte prosperidade para as empresas durante os três últimos anos.
Logo, é o momento das corporações utilizarem suas reservas financeiras nesse atual estágio de instabilidade econômica. Da mesma forma é o momento de impor limites éticos ao capital meramente especulativo. Só para se ter uma noção do grau de financeirização do capital, registre-se que a acumulação dos valores da bolsa e dos ativos financeiros em posse dos bancos comerciais representa mais de quatro vezes o PIB mundial. Ainda, o valor nocional dos contratos fixados no mercado de derivativos representa mais de dez vezes o produto mundial. Uma verdadeira bolha.
Destarte, é inadmissível que após um extenso período de livre lucratividade desenfreada, doravante essas mesmas empresas, principalmente as de capital meramente especulativo, passem a utilizar o mote da crise e do desemprego como justificativas para deixarem de cumprir sua função social e aumentarem a taxa de exploração do trabalho, ainda que sob o rótulo eufêmico da “flexibilização do direito do trabalho”.
A maior crítica que se faz ao regime capitalista é que ele repudia a socialização do lucro ao mesmo tempo em que propugna, em tempos de crise, pela socialização dos prejuízos. Com outras palavras, o capitalista anela liberdade irrestrita para lucrar, mas intervenção protetiva do Estado e da sociedade para compartilhar a crise.
Uma das medidas mais praticadas em tempos de crise é o de celebrar acordos que objetivem a redução do salário. O artigo 503 da CLT permite em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados que a empresa reduza o salário em índice nunca superior a 25% e desde que se observe a redução da jornada na mesma proporção. Em qualquer situação o valor do salário mínimo deve ser garantido. A Lei 4923/65 prevê que tal pactuação deve perdurar no máximo por três meses, prazo prorrogável nas mesmas condições, se indispensável for.
Essa disposição de redução salarial somente terá validade se estiver fixada em “convenção ou acordo coletivo de trabalho”, conforme dispõe expressamente o artigo 7º, VI, da Constituição Federal. Além de tais requisitos legais importa compatibilizar esta medida com os princípios constitucionais do Direito do Trabalho. Vale dizer: o ajuste entre as partes tem em mira a valorização do trabalho humano, a função social da empresa e a busca do pleno emprego (artigo 170, III e VIII, da Constituição Federal).
Assim, se de um lado a classe trabalhadora negocia coletivamente a redução nominal e proporcional do seu salário, de outro, a classe patronal deve garantir expressamente a manutenção do emprego no período correspondente ao acordo. Qualquer ajuste em sentido diverso incorrerá em fraude à lei por desvirtuamento do instituto (artigo 9º, da CLT), além de ofensa direta à Constituição Federal (6). Não se ignore que a melhor exegese sistêmica da ordem jurídica pugna pelo reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI), visando “à melhoria da condição social do trabalhador” (caput do artigo 7º.). O Judiciário Trabalhista deve estar atento aos requisitos de validade desse acordo de redução salarial, quando da apreciação de sua eficácia jurídica.
A premissa neoliberal capitalista sempre foi clara e incisiva: “Estado não regula lucro; Estado regula o mercado somente em casos excepcionais e para favorecer o próprio capital”. Ocorre que foi a partir da utilização gananciosa dessa premissa que levou os bancos americanos a concederem empréstimos de forma irresponsável, implicando uma crise generalizada e globalizada.
Sob o ponto de vista filosófico, percebe-se que o dogma neoliberal sucumbiu, inaugurando-se um novo paradigma: o Estado deve sim intervir na Economia não apenas para favorecer o lucro ou legitimar o capital especulativo, mas para regulamentar o mercado a partir de regras mais claras de responsabilidade social, a exemplo dos empréstimos de dinheiro público condicionados à aprovação de planos de manutenção de emprego por parte das empresas beneficiadas. Essa imiscuição estatal de certa forma já se iniciou, a exemplo da política de estatização de bancos privados e redução da autonomia do bancos centrais.
A propósito transcreva-se a observação de Boff:
“A crise não é conjuntural, ela é estrutural. Esse tipo de economia, que transformava tudo em mercadoria e se baseava em especulação, distanciada da economia real, não tem mais futuro. Ela significou um grande equívoco, porque difamou o Estado e a política, e em seu lugar colocava a mão invisível do mercado, a concorrência, as grandes corporações multinacionais. Tudo isso não deu certo. As empresas tiveram que pedir auxílio do Estado, se deram conta de que a lógica do mercado, que é competitiva e nada cooperativa, leva naturalmente para uma grande crise. Foi o que ocorreu” (7).
Sob o ponto de vista jurídico, verifica-se um avivamento das diretivas constitucionais fincadas para a ordem econômica. Com outras palavras: é chegada a hora de lembrar e aplicar o velho artigo 170 da Carta Constitucional de 1988 em sua plenitude.
Artigo 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Nesse diapasão, registre-se a opinião do constitucionalista Lênio Streck em entrevista à Consultor Jurídico (clique aqui para ler a entrevista):
“A Constituição de 1988 pode até mesmo não ser a ideal, mas é adequada a países de modernidade tardia, como o Brasil. Trata-se de uma Constituição compromissória e social. Tem sido acusada de intervencionista, mas, paradoxalmente, a crise mundial faz com que, hoje, se verifique um retorno à regulação. Os governos mundiais estão ressuscitando lorde Keynes. Por isso, nossa Constituição tem muito ainda a oferecer” .
Para especialistas, o atual momento não é o melhor para se discutir o afrouxamento da legislação trabalhista no País. Sob esta manchete, o jornal O Estado de São Paulo publicou interessante matéria da jornalista Carolina Ruhman, a qual nos reportamos:
“Contrariando a expectativa da maioria do empresariado, economistas avaliam que a crise financeira internacional não é o melhor momento para discutir uma flexibilização das leis trabalhistas. O consenso entre os especialistas termina aí. Para alguns economistas ouvidos pela Agência Estado a crise exige respostas rápidas do governo e essa discussão estrutural deve ficar para outra ocasião, para outros o afrouxamento da legislação do trabalho não é sequer solução para os problemas atuais.
Os instrumentos legais existentes, como a suspensão do contrato de trabalho, a redução da jornada e o banco de horas são "suficientes" para lidar com a crise, avalia Edward Amadeo, doutor (PhD) em economia pela Universidade Harvard, EUA, e ex-ministro do Trabalho no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Não precisa fazer uma reforma, que tem muito mais a ver com fatores estruturais, de aumentar a produtividade, melhorar a relação de trabalho e, portanto, gerar mais crescimento no longo prazo, do que propriamente para lidar com uma crise de demanda como a que a gente está tendo agora", argumentou.
O professor José Krein, diretor-adjunto do IE da Unicamp, é contra o abrandamento das regras trabalhistas. "A história recente mostrou que não é flexibilizando a legislação trabalhista que se conseguiu resolver os problemas do mercado de trabalho. Esss problemas, principalmente o nível de emprego, dependem muito mais da dinâmica da economia do que da legislação trabalhista em si", diz, julgando que é em situações de dificuldade econômica que aumenta a pressão pelo relaxamento dos direitos dos trabalhadores.
"Nesse momento, um ou outro acordo pode fazer sentido, mas o princípio em si de que você, flexibilizando, vai resolver o problema do mercado de trabalho não faz sentido", insiste. Na visão do professor, a questão só será resolvida com a geração de empregos, o que, por sua vez, só pode ocorrer com a dinamização da economia. "A flexibilização não é uma alternativa para resolver a questão da crise."
Ainda que o governo optasse por flexibilizar as normas trabalhistas, o professor José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e economista da Opus Gestão de Recursos, destaca que, numa situação de queda de demanda, o aumento do desemprego é "inexorável". "Se existisse algum milagre, não teria desemprego no mundo. E, no mundo, o desemprego está aumentando, e é porque não existe milagre", afirma (8).
É no momento de grandes crises econômicas que o Direito do Trabalho ganha importância social. Assim como a sua gênese ocorreu em uma época de exploração propiciada pela Revolução Industrial e por um momento de reconstrução dos direitos humanos pós-Guerra Mundial, penso que o momento hodierno é de fazer valer os postulados sociais do Direito do Trabalho a fim de evitar o caos da sociedade como um todo.
Pequenas e pontuais flexibilizações na legislação trabalhista, a exemplo do regime de banco de horas e suspensões negociadas, são oportunas quando utilizadas no estrito sentido da lei. Entrementes, não se pode admitir a mitigação da proteção ao trabalhador ou mesmo a desregulamentação do Direito do Trabalho; sendo este o ramo jurídico mais profícuo e emblemático para evitar um colapso social em tempos de crise econômica internacional. Não por acaso que o último Relatório da Organização Internacional do Trabalho (9) propugna, com acerto, pela implementação de uma “agenda do trabalho decente” como a melhor resposta para a crise.
Referências
1. Nesse sentido é a matéria da Radio Agência de 17/03/09: Aumentam as preocupações entre os trabalhadores britânicos. “O Banco da Inglaterra anunciou nesta segunda-feira (16/3), que o Reino Unido está sob risco de uma profunda depressão econômica. O motivo do alerta está relacionado ao processo de deflação a que a economia do país está imersa e o perigo de que as dívidas das famílias possam aumentar, em relação aos preços das mercadorias e serviços. Uma família britânica deve atualmente em média US$ 84,5 mil. Para se ter uma ideia, esse valor representa hoje cerca de R$ 193 mil”. De Londres, Inglaterra para a Radioagência NP, Morena Madureira.
2. A música se chama “Um homem também chora (guerreiro menino)” composta em 1983 por Gonzaguinha.
3. Bail-out é uma palavra inglesa (de bail: fiança, garantia) que no ramo da economia tem o sentido de injeção de liquidez dada a uma entidade falida ou na iminência da falência, a fim de que possa honrar seus compromissos de curto prazo. Em geral, os bailouts são dados pelos governos ou por consórcios de investidores que, em troca da injeção de fundos, assumem o controle da entidade.
4. Boaventura de Sousa Santos analisa 2008 com os olhos em 2009. Clique aqui para acessar.
5. Fonte: AgênciaBrasil.gov.br. “Novo presidente do TST defende negociação e desoneração da folha em tempos de crise”. Reportagem de Gilberto Costa em 27/02/2009. Oportuno registrar a arguta opinião do professor da PUC/PR, Hélio Gomes Coelho Junior, acerca do impacto da atual crise na legislação trabalhista: “Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, não se mexa na legislação trabalhista, em termos de direitos dos trabalhadores e empregadores. Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, convença-se o Estado de que não pode prosseguir na gastança que se habituou; contenha-se na admissão de funcionários e empregados públicos; modere-se nos reajustes e salários que pratica, e traga aos particulares, os viventes do contrato de trabalho, a notícia da redução dos encargos que cobra pelo evento produção-trabalho. Empresas e trabalhadores agradecem”. Extraído da Palestra ministrada no auditório da OAB, Seção Paraná, no dia 20 de Março de 2009.
6. Dallegrave Neto, José Affonso. Redução Salarial e a Flexibilização no Direito do Trabalho. LTr Revista de Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo: LTr, 56, n. 7-12, p. 829-831, Papel. jul./dez.1992.
7. Boff, Leonardo. A economia especulativa não tem futuro.
8. Fonte: O Estado de S.Paulo. Publicado na sexta-feira, 16 de janeiro de 2009, Online. Crise não é ocasião para flexibilização, dizem economistas
9. Fonte: OIT. Acesso em 25/2/2009.
O Direito do Trabalho em tempos de crise econômica
Por José Affonso Dallegrave Neto
A crise se iniciou a partir de empréstimos de créditos “subprime” de bancos americanos. Havia tanto dinheiro sobrando e tanta vontade de lucrar que os bancos passaram a adotar uma política arrojada (e inconsequente) de oferta de empréstimo pessoal.
De um lado um consumidor empolgado em comprar cada vez mais, de outro a flexibilização das garantias e fianças como forma de seduzir o americano de classe média e baixa. Isso tudo sob o aval de um Estado Neoliberal, sempre frouxo e permissivo em assuntos de cunho financeiro e especulativo.
O resultado foi a bancarrota dessas instituições com dimensões globalizadas em face da capilaridade do sistema financeiro. O medo se instalou gerando retração dos bancos na concessão de novos empréstimos. Sem crédito disponível as empresas deixam de expandir; os lucros caem; as dispensas coletivas de empregados passam a ser uma das alternativas de baixar o custo da produção. Com o aumento do número de desempregados e a redução da oferta de crédito pessoal o mercado de consumo se retrai. Como consequencia, o Produto Interno Bruto (PIB) se atrofia e os preços das ações despencam. Surge a recessão e, se não houver um dique, poderá vir a depressão da economia (1).
No meio desse colapso do mercado está o trabalhador e sua família; desempregado, assustado e com poucas perspectivas. Ceifado de sua fonte de subsistência, o trabalhador perde sua honra e dignidade. Nas palavras do poeta Gonzaguinha (2): “Seu sonho é sua vida. E vida é trabalho. E sem o seu trabalho o homem não tem honra. E sem a sua honra se morre... se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz”.
Uma pergunta angustia alguns filósofos: a crise atual do sistema capitalista já era prevista? Quem bem responde a esta indagação é Boaventura de Souza Santos:
“Fala-se de crise hoje porque atingiu o centro do sistema capitalista. Há trinta anos que os países do chamado terceiro mundo têm estado em crise financeira, solicitando, em vão, para a resolver, medidas muito semelhantes às que agora são generosamente adoptadas nos EUA e UE. Por outro lado, os 700 billhões de dólares de bail-out (3) estão sendo entregues aos bancos sem qualquer restrição e não chegam às famílias que não podem pagar a hipoteca da casa ou o cartão de crédito, que perdem o emprego e estão a congestionar os bancos alimentares e a “sopa dos pobres”. No país mais rico do mundo, um dos grandes bancos resgatado, o Goldman Sachs, acaba de declarar no seu relatório que neste ano fiscal pagou apenas 1% de impostos. Entretanto, foi apoiado com dinheiro dos cidadãos que pagam entre 30 e 40% de impostos. À luz disto, os cidadãos de todo o mundo devem saber que a crise financeira não está a ser resolvida para seu beneficio e que isso se tornará patente em 2009” (4).
Em tempos de crise aguda, como a que estamos vivenciando, não há dúvida de que todos devem colaborar. O governo deve agir com rapidez e intervir nas relações econômicas de forma a afetar as relações de trabalho. Em primeiro lugar é preciso distribuir melhor as horas de trabalho disponíveis no mercado por meio do implemento da redução da carga semanal de 44 para 40 horas, a exemplo do que já vem ocorrendo com outros países da Europa. Como segunda medida importante cabe ao governo propor a desoneração dos tributos fiscais e previdenciários sobre a folha de pagamento dos salários. Aliado a isso deve aumentar a oferta de crédito com juros baixos a fim de aquecer o mercado de consumo e os investimentos das empresas. O impacto dessas medidas será principalmente o de refrear o desemprego e reaquecer o consumo.
A propósito, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Milton de Moura França, assinalou para o repórter da Agência Brasil:
“Compete aos Poderes Executivo e Legislativo uma legislação de emergência que possa desonerar a folha de pagamento para que seja mantido o emprego”, defendeu. Na visão de Moura França, é possível que a reforma tributária tenha “como contrapartida a estabilidade dos postos de trabalho, a formalização das ocupações e a melhoria da renda assalariada”.
“Se a folha de pagamento, e essa é a grande briga dos empresários, é pesada, por que não retirar uma parte desses encargos e transferir para outros segmentos produtivos ou de consumo?”, perguntou o ministro, acreditando que União, estados e municípios possam abrir mão de parte da arrecadação e reorganizar os tributos. “O Estado existe para buscar a felicidade dos que vivem nesta terra” (5).
Contudo, não se pode confundir a medida de “desoneração fiscal e previdenciária do salário” com a de “supressão de direitos trabalhistas”. Particularmente defendo a primeira e sou refratário à segunda.
Os empresários devem se conscientizar que a fase áurea de lucros elevados está provisoriamente suspensa. Se é verdade que os lucros vêm caindo de dezembro para cá, também é fato que tivemos um momento de forte prosperidade para as empresas durante os três últimos anos.
Logo, é o momento das corporações utilizarem suas reservas financeiras nesse atual estágio de instabilidade econômica. Da mesma forma é o momento de impor limites éticos ao capital meramente especulativo. Só para se ter uma noção do grau de financeirização do capital, registre-se que a acumulação dos valores da bolsa e dos ativos financeiros em posse dos bancos comerciais representa mais de quatro vezes o PIB mundial. Ainda, o valor nocional dos contratos fixados no mercado de derivativos representa mais de dez vezes o produto mundial. Uma verdadeira bolha.
Destarte, é inadmissível que após um extenso período de livre lucratividade desenfreada, doravante essas mesmas empresas, principalmente as de capital meramente especulativo, passem a utilizar o mote da crise e do desemprego como justificativas para deixarem de cumprir sua função social e aumentarem a taxa de exploração do trabalho, ainda que sob o rótulo eufêmico da “flexibilização do direito do trabalho”.
A maior crítica que se faz ao regime capitalista é que ele repudia a socialização do lucro ao mesmo tempo em que propugna, em tempos de crise, pela socialização dos prejuízos. Com outras palavras, o capitalista anela liberdade irrestrita para lucrar, mas intervenção protetiva do Estado e da sociedade para compartilhar a crise.
Uma das medidas mais praticadas em tempos de crise é o de celebrar acordos que objetivem a redução do salário. O artigo 503 da CLT permite em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados que a empresa reduza o salário em índice nunca superior a 25% e desde que se observe a redução da jornada na mesma proporção. Em qualquer situação o valor do salário mínimo deve ser garantido. A Lei 4923/65 prevê que tal pactuação deve perdurar no máximo por três meses, prazo prorrogável nas mesmas condições, se indispensável for.
Essa disposição de redução salarial somente terá validade se estiver fixada em “convenção ou acordo coletivo de trabalho”, conforme dispõe expressamente o artigo 7º, VI, da Constituição Federal. Além de tais requisitos legais importa compatibilizar esta medida com os princípios constitucionais do Direito do Trabalho. Vale dizer: o ajuste entre as partes tem em mira a valorização do trabalho humano, a função social da empresa e a busca do pleno emprego (artigo 170, III e VIII, da Constituição Federal).
Assim, se de um lado a classe trabalhadora negocia coletivamente a redução nominal e proporcional do seu salário, de outro, a classe patronal deve garantir expressamente a manutenção do emprego no período correspondente ao acordo. Qualquer ajuste em sentido diverso incorrerá em fraude à lei por desvirtuamento do instituto (artigo 9º, da CLT), além de ofensa direta à Constituição Federal (6). Não se ignore que a melhor exegese sistêmica da ordem jurídica pugna pelo reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI), visando “à melhoria da condição social do trabalhador” (caput do artigo 7º.). O Judiciário Trabalhista deve estar atento aos requisitos de validade desse acordo de redução salarial, quando da apreciação de sua eficácia jurídica.
A premissa neoliberal capitalista sempre foi clara e incisiva: “Estado não regula lucro; Estado regula o mercado somente em casos excepcionais e para favorecer o próprio capital”. Ocorre que foi a partir da utilização gananciosa dessa premissa que levou os bancos americanos a concederem empréstimos de forma irresponsável, implicando uma crise generalizada e globalizada.
Sob o ponto de vista filosófico, percebe-se que o dogma neoliberal sucumbiu, inaugurando-se um novo paradigma: o Estado deve sim intervir na Economia não apenas para favorecer o lucro ou legitimar o capital especulativo, mas para regulamentar o mercado a partir de regras mais claras de responsabilidade social, a exemplo dos empréstimos de dinheiro público condicionados à aprovação de planos de manutenção de emprego por parte das empresas beneficiadas. Essa imiscuição estatal de certa forma já se iniciou, a exemplo da política de estatização de bancos privados e redução da autonomia do bancos centrais.
A propósito transcreva-se a observação de Boff:
“A crise não é conjuntural, ela é estrutural. Esse tipo de economia, que transformava tudo em mercadoria e se baseava em especulação, distanciada da economia real, não tem mais futuro. Ela significou um grande equívoco, porque difamou o Estado e a política, e em seu lugar colocava a mão invisível do mercado, a concorrência, as grandes corporações multinacionais. Tudo isso não deu certo. As empresas tiveram que pedir auxílio do Estado, se deram conta de que a lógica do mercado, que é competitiva e nada cooperativa, leva naturalmente para uma grande crise. Foi o que ocorreu” (7).
Sob o ponto de vista jurídico, verifica-se um avivamento das diretivas constitucionais fincadas para a ordem econômica. Com outras palavras: é chegada a hora de lembrar e aplicar o velho artigo 170 da Carta Constitucional de 1988 em sua plenitude.
Artigo 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Nesse diapasão, registre-se a opinião do constitucionalista Lênio Streck em entrevista à Consultor Jurídico (clique aqui para ler a entrevista):
“A Constituição de 1988 pode até mesmo não ser a ideal, mas é adequada a países de modernidade tardia, como o Brasil. Trata-se de uma Constituição compromissória e social. Tem sido acusada de intervencionista, mas, paradoxalmente, a crise mundial faz com que, hoje, se verifique um retorno à regulação. Os governos mundiais estão ressuscitando lorde Keynes. Por isso, nossa Constituição tem muito ainda a oferecer” .
Para especialistas, o atual momento não é o melhor para se discutir o afrouxamento da legislação trabalhista no País. Sob esta manchete, o jornal O Estado de São Paulo publicou interessante matéria da jornalista Carolina Ruhman, a qual nos reportamos:
“Contrariando a expectativa da maioria do empresariado, economistas avaliam que a crise financeira internacional não é o melhor momento para discutir uma flexibilização das leis trabalhistas. O consenso entre os especialistas termina aí. Para alguns economistas ouvidos pela Agência Estado a crise exige respostas rápidas do governo e essa discussão estrutural deve ficar para outra ocasião, para outros o afrouxamento da legislação do trabalho não é sequer solução para os problemas atuais.
Os instrumentos legais existentes, como a suspensão do contrato de trabalho, a redução da jornada e o banco de horas são "suficientes" para lidar com a crise, avalia Edward Amadeo, doutor (PhD) em economia pela Universidade Harvard, EUA, e ex-ministro do Trabalho no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Não precisa fazer uma reforma, que tem muito mais a ver com fatores estruturais, de aumentar a produtividade, melhorar a relação de trabalho e, portanto, gerar mais crescimento no longo prazo, do que propriamente para lidar com uma crise de demanda como a que a gente está tendo agora", argumentou.
O professor José Krein, diretor-adjunto do IE da Unicamp, é contra o abrandamento das regras trabalhistas. "A história recente mostrou que não é flexibilizando a legislação trabalhista que se conseguiu resolver os problemas do mercado de trabalho. Esss problemas, principalmente o nível de emprego, dependem muito mais da dinâmica da economia do que da legislação trabalhista em si", diz, julgando que é em situações de dificuldade econômica que aumenta a pressão pelo relaxamento dos direitos dos trabalhadores.
"Nesse momento, um ou outro acordo pode fazer sentido, mas o princípio em si de que você, flexibilizando, vai resolver o problema do mercado de trabalho não faz sentido", insiste. Na visão do professor, a questão só será resolvida com a geração de empregos, o que, por sua vez, só pode ocorrer com a dinamização da economia. "A flexibilização não é uma alternativa para resolver a questão da crise."
Ainda que o governo optasse por flexibilizar as normas trabalhistas, o professor José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e economista da Opus Gestão de Recursos, destaca que, numa situação de queda de demanda, o aumento do desemprego é "inexorável". "Se existisse algum milagre, não teria desemprego no mundo. E, no mundo, o desemprego está aumentando, e é porque não existe milagre", afirma (8).
É no momento de grandes crises econômicas que o Direito do Trabalho ganha importância social. Assim como a sua gênese ocorreu em uma época de exploração propiciada pela Revolução Industrial e por um momento de reconstrução dos direitos humanos pós-Guerra Mundial, penso que o momento hodierno é de fazer valer os postulados sociais do Direito do Trabalho a fim de evitar o caos da sociedade como um todo.
Pequenas e pontuais flexibilizações na legislação trabalhista, a exemplo do regime de banco de horas e suspensões negociadas, são oportunas quando utilizadas no estrito sentido da lei. Entrementes, não se pode admitir a mitigação da proteção ao trabalhador ou mesmo a desregulamentação do Direito do Trabalho; sendo este o ramo jurídico mais profícuo e emblemático para evitar um colapso social em tempos de crise econômica internacional. Não por acaso que o último Relatório da Organização Internacional do Trabalho (9) propugna, com acerto, pela implementação de uma “agenda do trabalho decente” como a melhor resposta para a crise.
Referências
1. Nesse sentido é a matéria da Radio Agência de 17/03/09: Aumentam as preocupações entre os trabalhadores britânicos. “O Banco da Inglaterra anunciou nesta segunda-feira (16/3), que o Reino Unido está sob risco de uma profunda depressão econômica. O motivo do alerta está relacionado ao processo de deflação a que a economia do país está imersa e o perigo de que as dívidas das famílias possam aumentar, em relação aos preços das mercadorias e serviços. Uma família britânica deve atualmente em média US$ 84,5 mil. Para se ter uma ideia, esse valor representa hoje cerca de R$ 193 mil”. De Londres, Inglaterra para a Radioagência NP, Morena Madureira.
2. A música se chama “Um homem também chora (guerreiro menino)” composta em 1983 por Gonzaguinha.
3. Bail-out é uma palavra inglesa (de bail: fiança, garantia) que no ramo da economia tem o sentido de injeção de liquidez dada a uma entidade falida ou na iminência da falência, a fim de que possa honrar seus compromissos de curto prazo. Em geral, os bailouts são dados pelos governos ou por consórcios de investidores que, em troca da injeção de fundos, assumem o controle da entidade.
4. Boaventura de Sousa Santos analisa 2008 com os olhos em 2009. Clique aqui para acessar.
5. Fonte: AgênciaBrasil.gov.br. “Novo presidente do TST defende negociação e desoneração da folha em tempos de crise”. Reportagem de Gilberto Costa em 27/02/2009. Oportuno registrar a arguta opinião do professor da PUC/PR, Hélio Gomes Coelho Junior, acerca do impacto da atual crise na legislação trabalhista: “Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, não se mexa na legislação trabalhista, em termos de direitos dos trabalhadores e empregadores. Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, convença-se o Estado de que não pode prosseguir na gastança que se habituou; contenha-se na admissão de funcionários e empregados públicos; modere-se nos reajustes e salários que pratica, e traga aos particulares, os viventes do contrato de trabalho, a notícia da redução dos encargos que cobra pelo evento produção-trabalho. Empresas e trabalhadores agradecem”. Extraído da Palestra ministrada no auditório da OAB, Seção Paraná, no dia 20 de Março de 2009.
6. Dallegrave Neto, José Affonso. Redução Salarial e a Flexibilização no Direito do Trabalho. LTr Revista de Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo: LTr, 56, n. 7-12, p. 829-831, Papel. jul./dez.1992.
7. Boff, Leonardo. A economia especulativa não tem futuro.
8. Fonte: O Estado de S.Paulo. Publicado na sexta-feira, 16 de janeiro de 2009, Online. Crise não é ocasião para flexibilização, dizem economistas
9. Fonte: OIT. Acesso em 25/2/2009.
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