Marcos Jank
Mudança e diversidade são as duas palavras-chave nas questões trabalhistas do setor sucroenergético. A mudança resulta do rápido processo de mecanização da cana-de-açúcar na Região Centro-Sul, que levará ao quase desaparecimento das operações manuais de plantio e colheita em menos de uma década. Na atual safra, a área colhida em São Paulo sem o uso do fogo, usado para viabilizar o corte manual, já superará metade da área total de cana. O processo de mecanização acelerou-se por razões ambientais (redução de emissões e eliminação da fuligem resultante da queima de cana) e econômicas (uso da palha da cana para gerar bioeletricidade). No entanto, a perda líquida de empregos no setor ao longo dos próximos anos é uma consequência negativa da mecanização.
Já a diversidade resulta da imensa fragmentação do setor, que conta com quase 400 indústrias processadoras, mais de mil indústrias de suporte, 70 mil fornecedores de cana e quase 850 mil trabalhadores. Se, por um lado, ainda há problemas trabalhistas em razão do grande contingente de mão de obra espalhada em 20 Estados brasileiros, por outro, os avanços nas relações capital-trabalho são reconhecidos por todos os agentes envolvidos, seja nas negociações coletivas, seja na adoção de boas práticas, que, muitas vezes, vão além da legislação vigente. É certo que os problemas ainda existentes são exemplos isolados, que não representam a conduta geral do setor.
É nesse sentido que queremos avançar. Educar, requalificar e contribuir para recolocar os trabalhadores que vão perder o emprego. Valorizar as melhores práticas trabalhistas, criando instrumentos de mercado que as reconheçam como exemplos a serem adotados por um número crescente de empregadores. Elevar os padrões médios de conduta com ações proativas e transparentes, em vez de ficar eternamente destacando as exceções, que sempre existirão em setores dessa magnitude.
Para reduzir a "diversidade", após um ano de intensas negociações habilmente coordenadas pelo experiente ministro Luiz Dulci, representantes de empresários e trabalhadores de todo o País e seis Ministérios do governo federal estarão hoje em Brasília assinando o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar. Trata-se de um novo modelo tripartite, de adesão voluntária e com abrangência nacional, que se diferencia de qualquer negociação realizada até agora e representa um avanço decisivo nas relações trabalhistas. As empresas que assinarem o compromisso terão de cumprir um conjunto de cerca de 30 práticas empresariais exemplares, que extrapolam as obrigações legais, recebendo um certificado de conformidade referendado por uma comissão nacional formada pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), pela Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Fórum Nacional Sucroenergético. Além das quatro entidades, que assinam o Compromisso Nacional com o presidente Lula, várias dezenas de unidades empresariais já vão firmar seus "termos de adesão" ao compromisso.
As "melhores práticas" do setor incluem a contratação direta de trabalhadores nas atividades manuais do plantio e corte da cana-de-açúcar, eliminando totalmente a utilização de intermediários, os chamados "gatos". Outros pontos incluem melhorias no transporte de trabalhadores, aumento da transparência na aferição e no pagamento do trabalho por produção, atendimento a migrantes contratados em outras localidades, questões voltadas para a saúde e segurança dos trabalhadores - como ginástica laboral, pausas, reidratação, atendimento de emergência e readequação dos equipamentos de proteção individual - e fortalecimento das organizações sindicais e das negociações coletivas. Além disso, o governo vai introduzir um conjunto de políticas públicas específicas nas áreas de educação, requalificação e facilitação de emprego. Trata-se de um processo gradual de evolução dos padrões acordados, inspirado na ideia simples e moderna de que o próprio mercado deve reconhecer o valor do compromisso, estimulando mudanças efetivas nas práticas laborais no setor.
No universo da "mudança", as empresas associadas à Unica já qualificaram, desde o início de 2007, mais de 5 mil trabalhadores impactados pelo acelerado processo de mecanização no Estado de São Paulo, região que responde por 60% da produção brasileira de cana. Mas isso não basta. No início deste mês, a Unica, a Feraesp e empresas da cadeia produtiva - Syngenta, John Deere e Case IH, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - uniram-se para lançar o maior programa de treinamento e requalificação de trabalhadores já implantado pelo setor privado sucroalcooleiro no mundo. Serão 7 mil pessoas beneficiadas por ano, entre trabalhadores e integrantes das comunidades em seis regiões canavieiras paulistas. Serão oferecidos cursos de motorista canavieiro, operador de tratores e colhedoras, mecânico, eletricista e soldador, além de programas voltados para outros setores, como reflorestamento, horticultura, artesanato, construção civil, computação, costura, hotelaria e turismo.
O Compromisso Nacional de reconhecimento das melhores práticas e o programa de requalificação de trabalhadores são exemplos de ações graduais, efetivas e coordenadas que trarão melhorias às condições laborais e de qualidade de vida dos trabalhadores manuais da cana-de-açúcar, além de oferecer novos horizontes para aqueles que, em razão da mecanização, terão de mudar de atividade. São avanços inéditos e de grande abrangência, que merecem ser valorizados como passos históricos voltados para um futuro melhor.
Marcos Jank é presidente da Unica
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