O fim dos feudos cartoriais
Fonte - O Estado de São Paulo
A primeira resolução do CNJ declara vagos todos os cargos hoje ocupados por notários e tabeliães não concursados. A segunda resolução unifica as regras e procedimentos dos concursos, fixa o prazo de seis meses para que eles sejam realizados e obriga as Justiças estaduais a levarem à Corregedoria Nacional de Justiça, dentro de 45 dias, todas as informações sobre vagas abertas na direção de cartórios por motivo de morte, aposentadoria, invalidez ou renúncia do titular.
Estabelecida pela Constituição de 1988, a exigência de realização de concurso de provas e títulos somente foi regulamentada em 1994, pela Lei nº 8.935. Nesse intervalo de seis anos, muitos cartórios - principalmente os de médio e grande portes - foram assumidos interinamente por titulares não concursados. Vários deles são magistrados aposentados e foram escolhidos nos círculos de amizades e parentesco de presidentes de Tribunais de Justiça (TJs) - os órgãos encarregados de fiscalizar os cartórios nos Estados. Outros registradores, notários e tabeliães foram beneficiados pelo chamado "regime de hereditariedade". Ou seja, eles receberam o cargo de herança de seus pais - uma prática que vinha desde os tempos do Império e que a Assembleia Constituinte extinguiu.
Depois da regulamentação do concurso público para escolha de titulares de cartórios, em 1994, os registradores, notários e tabeliães interinos recorreram à Justiça, invocando o direito adquirido de permanecer no cargo. A pretensão, no entanto, não foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou a imediata realização de concursos. Em alguns Estados, porém, a ordem simplesmente não foi cumprida pelos TJs. Em outros Estados, os concursos foram realizados, mas os TJs se negaram a dar posse aos vencedores.
Ao fazer, em 2008, uma auditoria nos cartórios dirigidos por interinos, a Corregedoria Nacional de Justiça detectou graves irregularidades, como atos incorretos, escrituras sem assinatura, livros em péssimo estado de conservação e falta de controle no recolhimento de custas e no regime de trabalho dos servidores. Também constatou que alguns tabeliães acumulavam a direção de mais de um cartório, o que não é permitido por lei.
Segundo levantamento do CNJ, iniciado em 2006 e concluído no ano passado, há 13.416 cartórios no País, oferecendo serviços que vão de certidões de nascimento, casamento e óbito a registro de imóveis, escrituras, procurações, reconhecimento de firmas, autenticações e protesto de títulos. Desse total, cerca de 5 mil cartórios estariam sob responsabilidade de registradores, notários e tabeliães interinos, conforme as estimativas da Corregedoria Nacional de Justiça. "Estamos obedecendo à Constituição. A sociedade brasileira esperava há mais de vinte anos por essa medida", diz o corregedor-chefe, ministro Gilson Dipp, justificando as resoluções do CNJ.
Desde que o órgão anunciou a decisão de moralizar o funcionamento dos cartórios, os registradores, notários e tabeliães interinos mobilizaram um poderoso lobby para pressionar o Congresso a votar dois projetos - um retirando do Judiciário o controle sobre os cartórios de registro de imóveis, títulos e documentos e transferindo concursos e nomeações para a alçada do Poder Executivo estadual, e outro efetivando os interinos nos cargos que ocupam. Em resposta, o CNJ acelerou a redação das resoluções e encaminhou ofício ao presidente Lula, pedindo que não sancionasse leis de interesse dos titulares interinos de cartório, consideradas prejudiciais ao interesse público.
O CNJ saiu vitorioso nessa queda de braço. Contudo, diante do elevado número de não concursados que serão afastados, há o receio de que as medidas adotadas pelo órgão provoquem um "apagão" nos serviços notariais e de registro. Para a Corregedoria Nacional de Justiça, porém, o temor é infundado, pois os não concursados só serão substituídos após a escolha de seus substitutos, por concurso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário