terça-feira, 2 de junho de 2009

O Oficial de Justiça e o horário de fechamento de vendas, botequins e casas de jogos na Corte

O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira
Rio de Janeiro: uma nova ordem na cidade

Horário de fechamento de vendas, botequins e casas de jogos

Registro do edital expedido por Paulo Fernandes Viana, intendente geral de Polícia da Corte, em que proíbe que vendas, botequins e casas de jogos fiquem abertos depois das dez horas da noite para evitar "ajuntamentos de ociosos" e de escravos que faltam ao serviço. Estava prevista a pena de pagamento de mil e duzentos réis para quem estivesse presente em uma destas casas, incluindo seus donos e caixeiros depois do horário estabelecido, que seria dividido entre os oficiais de justiça que achassem as casas abertas e o cofre da Intendência de Polícia. Avisava ainda que o edital seria afixado em lugares públicos para que todos tomassem conhecimento das novas medidas.

Conjunto documental: Registro de avisos, portarias, ordens e ofícios à Polícia da Corte, editais, provimentos, etc
Notação: códice 318
Data-limite: 1808-1809
Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
Código do fundo: ØE
Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública
Data do documento: 7 de maio de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 11v

Leia esse documento na íntegra



Registro do edital[1] que abaixo se segue

O doutor Paulo Fernandes Viana[2] cavaleiro professo na Ordem de Cristo[3], desembargador da Relação e Casa do Porto[4], e Intendente Geral da Polícia[5] e etc. Faço saber que importando a Polícia da cidade que as vendas, botequins, e casas de jogos[6], não estejam toda a noite abertas para se evitarem ajuntamentos de ociosos, mesmo de escravos[7] que faltando ao serviço de seus senhores se corrompem uns e outros, dão ocasião a delitos[8] que se devem sempre prevenir, e se faz[em] maus cidadãos fica da data deste proibida pela Intendência Geral da Polícia a culposa licença com que até agora estas casas se têm conservado abertas, e manda-se que logo as dez horas se fechem e seus donos, e caixeiros expulsem os que nela estiverem debaixo da pena de pagarem da cadeia os donos, caixeiros, e quaisquer pessoas que nelas forem achadas da indicada hora em diante mil e duzentos réis cada um dos quais se dará sempre a metade a ronda, ou oficial de justiça[9], e da Polícia que os levar a cadeia e a outra metade será para o cofre das despesas desta Intendência. E para que chegue a notícia de todos se afixará o presente nos lugares públicos. Rio a 7 de maio de 1808. Paulo Fernandes Viana = Edital para das dez horas em diante se fecharem todas as vendas, botequins, e casas de jogos, debaixo da pena nele declarada.


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[1] Documento oficial pelo qual se determinam posturas, denúncias, ou avisos, e que são afixados em lugares públicos para conhecimento geral. Segundo Antônio Moraes e Silva no Diccionario da lingua portugueza recopilado dos vocabularios impressos até agora. (2.ed. Lisboa: Typ. Lacérdina, 1813, vol. 1) "ordem, mandato do príncipe, ou magistrado, que se afixa nos lugares públicos para que chegue à notícia de todos". Logo que criada a Intendência de Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana emitiu uma série de editais contendo posturas e determinações que regiam a ocupação urbana, e a vida social nos lugares públicos da Corte visando a manutenção da ordem.
[2] Desembargador e ouvidor da Corte, foi nomeado intendente geral de Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente geral de Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis, e cabendo a ele não somente questões de polícia, como investigações e combate ao crime, mas de ordem pública - controle da Ordem urbana, urbanização, saneamento, controle de pestes, manutenção de prédios, entre outros assuntos pertinentes à cidade. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou energicamente como uma espécie de ministro da segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle os ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Entre seus feitos, destaca-se a organização da Guarda Real da Polícia da Corte. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro e retornou a Portugal com a Corte.
[3] Ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311 por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. O símbolo dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam ser especialmente notáveis. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Álvares Cabral.
[4] A denominação Relação da Casa do Porto refere-se à transferência da Casa do Cível, de Lisboa, para a cidade do Porto. A modificação foi oficializada por Filipe II, em 27 de julho de 1582, em razão das dificuldades de deslocamento encontradas pelos povos das províncias do Norte, ao terem que se dirigir a Lisboa para tratar dos seus casos. Deste modo, à nova Relação passaram a pertencer as comarcas e ouvidorias de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira, com exceção de Castelo Branco, Esgueira e Coimbra. Posteriormente, essa situação seria mantida pelas Ordenações Filipinas de 1603. Constituía um dos principais tribunais superiores e funcionava como uma das últimas instâncias de apelação, assim como a Casa de Suplicação, pois se subordinava diretamente ao Rei. Foram criados alguns Tribunais da Relação na América Portuguesa, que funcionavam como principal instância de apelação da colônia, como o da Bahia (século XVII), do Rio de Janeiro (século XVIII, que depois se tornou Casa de Suplicação do Brasil, com a migração da família real em 1808), de Pernambuco (em fevereiro de 1822) e do Maranhão, criado pelo príncipe regente em 1812, e que abrangia também o Piauí, Pará, Rio Negro e o Ceará.
[5] Cargo ocupado pelo encarregado da Intendência Geral de Polícia da Corte, instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do Alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral de Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros. Além da atividade policial, coube à instituição papel relevante na urbanização e nas obras públicas, atuando na secagem de pântanos, aterros, na pavimentação e conservação de ruas e caminhos e na construção de chafarizes, entre outros. A instituição teve, portanto, ampla, abrangendo assuntos desde segurança pública até questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais relacionados a conflitos conjugais e familiares. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil e influenciou os órgãos seqüentes.
[6] As vendas, botequins e casas de jogos deste edital provavelmente se referem ao mesmo espaço, às tavernas ou botequins da época colonial, e às suas diferentes funções. Esses botequins eram também vendas, pequenos armazéns que forneciam secos e molhados, bebidas alcoólicas e comida, sobretudo para os trabalhadores livres e pobres, escravos urbanos de ganho e libertos. Os jogos de azar (bilhar, carteado, dados, jogos de casquinha e capoeira), eram igualmente praticados nos botequins, mas existiam as casas de jogos, especializadas, onde havia, do mesmo modo, álcool e prostituição. Esses estabelecimentos - conhecidos como public houses - eram proibidos, assim como esses jogos em que se apostava dinheiro, mas nunca convenientemente reprimidos pela força policial, que sabia de sua existência, mas nem sempre os repelia, possivelmente devido à corrupção dos oficiais que executavam as prisões e fechamentos. Os botequins, em toda sua variedade de atividades, eram locais de sociabilização e lazer das classes baixas, onde trabalhadores pobres e escravos se reuniam para a ‘cachaça', a diversão (os jogos) e a conversa, que podia resultar em movimentos revoltosos e planos de fuga, no caso dos escravos, mas que habitualmente terminavam em discussões e brigas, associadas à bebedeira e ao jogo. Os donos dessas casas demonstravam por vezes preocupação para que as ‘atividades' não fugissem ao controle, e lhes provocasse prejuízos e danos, como os causados por brigas e arruaças, e cooperavam com a polícia; mas com freqüência protegiam e davam abrigo aos que precisavam, por exemplo, se esconder da polícia, desrespeitando algumas vezes a lei, e ainda o horário de fechamento das tavernas. Desde a época da criação da Intendência de Polícia da Corte há uma clara intenção de disciplinar o tempo livre da população pobre: diminuindo o horário de funcionamento das casas, diminuíam-se as preocupantes aglomerações e também o risco da desordem e da perda do controle, principalmente, da grande população escrava do Rio de Janeiro.
[7] Pessoa cativa, sem liberdade, que está sujeita a um senhor como sua propriedade. Desde o século XV, os portugueses realizavam o tráfico de escravos africanos. A atividade escravista, além de ser um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal, era também a principal fonte de mão-de-obra para o cultivo de diversas culturas no Império português. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Apesar dos acordos entre Brasil e Inglaterra para interrupção do tráfico de escravos nas primeiras décadas do século XIX, este se intensificou e os escravos de origem africana continuaram a ser, durante o período joanino, a principal fonte de mão-de-obra utilizada na lavoura, no comércio e nas mais variadas atividades urbanas e rurais.
[8] A maior parte dos delitos cometidos por escravos, sobretudo durante o período joanino, podia, de acordo com Leila Algranti (O Feitor Ausente. Estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro - 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988.), se dividir em quatro grandes categorias, a saber: crimes contra a propriedade, crimes de violência, crimes contra a ordem pública, e fugas, motivados, em geral, por duas razões principais: a mais imediata suprir as próprias necessidades básicas e materiais (alimentação e roupas) e, de forma geral, contestar o regime escravista e se vingar dos maus tratos recebidos dos senhores. A maior parte dos crimes no período joanino eram cometidos por escravos de ganho, que tinham dificuldades para pagar as diárias a seus proprietários e se manter, mas outros cativos, forros e brancos pobres eram responsáveis pela criminalidade, que tanto assustava a "boa sociedade" do Rio de Janeiro. Dentre os crimes executados por escravos, os considerados mais graves eram as fugas e os crimes contra a ordem pública, como capoeiragem, porte de armas, vadiagem, insultos a autoridades, jogos de azar (entre eles o jogo de casquinha), desrespeito ao toque de recolher, brigas, bebedeiras, agressões físicas e pequenas desordens, os dois primeiros sendo considerados os mais graves. A capoeira aterrorizava a população livre porque não era somente uma dança, mas uma luta, uma forma de defesa e ataque, e os escravos não precisavam estar praticando-a para serem presos - bastava que usassem algum adorno típico (fitas coloridas), assobiassem músicas, carregassem algum instrumento para serem levados pela Polícia. O porte de armas também era considerado um crime gravíssimo, cuja punição seria equivalente ao uso que se poderia fazer delas. As armas mais comuns eram facas, canivetes e navalhas, mas poderiam ser qualquer objeto: paus, pedras, ferro, vidro, garrafas, entre outros. Estes crimes e sua repressão evidenciavam a preocupação da polícia em disciplinar e controlar o comportamento e a circulação dos escravos, sobretudo depois do horário de trabalho. O estabelecimento do toque de recolher evidencia esse controle - os escravos eram proibidos de circular nas ruas depois do anoitecer. Essa preocupação e a vigilância aumentam à medida que cresce a população cativa do Rio de Janeiro, ao longo do período joanino. Os crimes contra a propriedade incluíam pequenos furtos, normalmente de roupas, alimentos, aves e pequenos objetos, sendo mais difíceis os roubos de produtos mais valiosos. Os crimes de violência eram brigas, agressões físicas, facadas - habitualmente ocorridas por causa de bebedeiras ou desavenças por jogo em botequins. Quanto às penas, as mais comuns imputadas aos escravos eram os castigos corporais (ferros e açoites), de caráter exemplar; os trabalhos forçados, quase sempre em obras públicas da Intendência de Polícia; e a prisão, associada a outra forma de castigo, além dos castigos impostos pelos senhores. Também a intensidade da pena aumentou com o crescimento da população de escravos no Rio de Janeiro - por exemplo, um cativo apanhado por porte de armas, em 1808 pegaria pena de 50 açoites; em 1820 a pena seria de 300 açoites, três meses de prisão, quando não também alguns meses de trabalho em calçamento de estradas - e muitas vezes os escravos eram condenados sem provas, sendo tratados sempre como suspeitos de toda sorte de desordem.
[9] Também chamado oficial de diligências, era um funcionário incumbido de cumprir as ordens e mandatos estabelecidos por juízes e magistrados. Na Intendência de Polícia, desempenhavam o papel de fiscalizar as obras, verificar irregularidades, aplicar e cobrar multas e executar as ordens dadas pelo intendente e pelos juízes da Câmara.

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