Fonte - Jornal O Estado de São Paulo
Elival da Silva Ramos - Professor de Direito Constitucional
Ele vê ativismo do STF como disfunção e diz que corte muitas vezes tem atuado fora da sua competência constitucional
Elival da Silva Ramos - Professor de Direito Constitucional
Ele vê ativismo do STF como disfunção e diz que corte muitas vezes tem atuado fora da sua competência constitucional
Em sua tese, o sr. apresenta uma posição bastante crítica em relação ao ativismo no Judiciário, um dos temas mais polêmicos de hoje. Por quê?
Em primeiro lugar, me preocupei em definir exatamente o que seja o ativismo judiciário, porque, de acordo com o sentido que você atribui à expressão, varia o posicionamento. Procurei mostrar que, pelo menos no sistema jurídico brasileiro, ele deve ser visto como uma disfunção do Judiciário. Tem um sentido claramente negativo. Significa, na verdade, o Judiciário caminhar fora dos trilhos, ou seja, praticar um ato, proferir uma decisão, contrariamente àquilo que o direito estabelece. Há dois contrapontos: há o passivismo e o ativismo, que é o extremo oposto. É se desprender, abandonar completamente os limites do sistema jurídico para construir uma solução.
Troca de partido, demarcação de reserva indígena, fidelidade partidária, direito de greve de servidor, nepotismo. O STF opina cada vez mais e sobre temas mais abrangentes. Qual a marca dessa atuação?
Procurei primeiramente construir parâmetros para aferir o ativismo. Não basta ter a sensação de que o Judiciário extrapolou, é preciso demonstrar cabalmente se está correto ou não. Desenvolvi isso teoricamente. Apanhei alguns casos e apontei decisões que a meu ver são manifestamente ativistas. O STF decidiu além daquilo que lhe é dado fazer, fora da sua competência constitucional. Um dos casos de ativismo é a perda de mandato por desfiliação partidária, outro é o nepotismo. Existe uma tendência ao ativismo que não existia no Supremo. Ao contrário, se tinha algum pecado, era o passivismo. De pelo menos cinco anos para cá, nota-se uma mudança, talvez em razão da forte alteração da composição do Supremo.
O Judiciário entrou em cena quando o Congresso se omitiu ou atrasou. Um Judiciário forte com um Legislativo combalido não gera choque de Poderes?
Uma causa do ativismo é justamente o baixo nível de efetividade do Parlamento. Mas não é só o Parlamento, é também o Executivo. Frequentemente se omitem, atrasam ou adotam soluções insatisfatórias. É uma crise de efetividade ou de governabilidade, que acaba sendo um dos motores do ativismo. O Judiciário se vê muita vez instado, há um convite para que supra a lacuna. Mas nem sempre é possível suprir essa lacuna. Há escolhas políticas que têm de ser feitas e o Judiciário não é legitimado a fazê-las. Não houve eleição de alguém para isso.
Como analisa a superexposição do STF? É benéfica ou prejudicial?
Era inevitável que aparecesse bastante, em função da própria Constituição de 1988, em que há funções novas, especialmente para o Supremo. Agora outra coisa está no STF não perceber que ele pode e deve exercer essas competências, mas elas são limitadas. O Supremo não pode resolver todas as questões jurídicas nacionais - muitas dependem de lei, emenda. O STF acabou dando alguns passos no sentido de transpor uma linha, que é o limite de suas funções.
O que mudar para o STF julgar apenas o que cabe a uma corte constitucional?
Precisaríamos adotar um sistema de controle concentrado - padrão vigente em toda a Europa. Em um caso concreto, se surge uma questão de constitucionalidade, manda para o Supremo, ele define. Definindo aquele caso, está definindo todos. Não precisa mais julgar nenhuma vez. E o STF só teria competência para julgar ações diretas e alguns poucos casos que, pela natureza das pessoas envolvidas ou da matéria, justificasse. Não vai ficar julgando casos comuns. Essa prática comum hoje de o Supremo receber qualquer habeas corpus, desde que tenha sido negado em tribunal imediatamente abaixo, é um absurdo, não existe em lugar nenhum do mundo. Não tem cabimento.
Houve alguma reação, dentro ou fora do STF, pelo tom crítico do seu trabalho?
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco tem dois ministros do STF, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. O ministro Lewandowski acompanhou parte da defesa de tese. Agora, o trabalho tenta trazer um pouco mais de reflexão objetiva e provocar um debate, de construir algo objetivo. Se acreditarmos que o STF pode decidir de maneira livre, aquilo que quiser, então joga fora a Constituição e o Supremo vai escrever outra. Espero que o Supremo reflita, perceba que isso pode ter consequências graves e procure um caminho mais equilibrado.
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