Sumário: 1. Breve introdução. 1.1 Execução trabalhista e execução civil. 1.2 Espécies de execução no Código de Processo Civil. 1.3 Execução trabalhista. 1.3.1 Títulos executivos e iniciativa da execução. 1.3.2 Aplicação subsidiária da Lei de Execuções Fiscais e do Código de Processo Civil. 2. Penhora. 2.1 Definição. 2.2 Penhora de créditos. 2.2.1 Créditos que podem ser objeto de penhora. 2.2.2 Bens presentes e futuros. 2.2.3 Requisitos e procedimento. 2.2.4 Conversão do crédito penhorado. 2.2.5 Extinção do crédito penhorado. 2.2.6 Defesa dos créditos penhorados. 3. Conclusão. Bibliografia.
1. Breve introdução
Antes de ingressar no campo específico da penhora de créditos, faz-se mister que haja uma pequena introdução sobre a execução no processo do trabalho e no processo civil, uma vez que apresentam particularidades que as distinguem em alguns aspectos, identificando-as em outros.
As normas que regulam a execução no âmbito da Justiça do Trabalho, contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, são insuficientes, não oferecendo resposta para todas as questões que se ligam ao procedimento de execução das sentenças.
Matérias relacionadas com a ordem de preferência de bens na penhora e sobre o conteúdo dos embargos do devedor à execução ou da impugnação à sentença de liquidação, ou mesmo dos embargos à penhora e a arrematação e adjudicação, apenas para ficar nas situações mais corriqueiras, exigem que se busque nas fontes normativas do processo comum, pertinentes à execução das sentenças, a solução adequada para cada caso particular apreciado.
O próprio ordenamento jurídico trabalhista reconhece que a regulamentação das execuções das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho é incompleta, autorizando que haja complementação através da aplicação, no que couber, de forma subsidiária, da Lei dos Executivos Fiscais (Lei nº 6.830/1980) e do Código de Processo Civil (art. 1º daquela e art. 769 da CLT), desde que não sejam incompatíveis com os princípios e normas inerentes ao processo do trabalho.
O mesmo se sucede quando se trata de penhora de créditos, quando o sujeito passivo da execução trabalhista é credor de um terceiro, por força de outras modalidades de contrato (arrendamento, fornecimento, locação, compra e venda etc.) ou mesmo do direito sucessório (em decorrência da ordem legal de vocação ou testamento).
Como será desenvolvido na seqüência, mesmo dentro do sistema adotado pelo Código de Processo Civil, a disciplina sobre a penhora de créditos é incompleta, não regulando situações relevantes e que reivindicam do julgador o compromisso de marcar posição, pelo dever que lhe é imposto pelo ordenamento jurídico de julgar todas as controvérsias que lhe são submetidas, encontrando na ordem jurídica vigente os caminhos que permitam equacionar situações litigiosas, como corolário do direito à prestação jurisdicional adequada e tempestiva, assegurado aos jurisdicionados pela Constituição e pela lei.
1.1 Execução trabalhista e execução civil
A atividade do Estado-juiz, no exercício da jurisdição, é realizada mediante procedimentos previamente estabelecidos pela lei, empregando-se para tanto o processo, que em certa medida, pode ser visto como instrumento da jurisdição. Como regra, vige no sistema brasileiro o princípio da inércia da jurisdição ou princípio da demanda, a exigir dos interessados que provoquem o Judiciário para a obtenção de tutela aos direitos, sendo vedado a este atuar de ofício.
Para tanto, fala-se em processo de conhecimento, processo cautelar e processo de execução. Primeiro a cognição, composta das fases postulatória, probatória e decisória. Decidida a demanda, faculta-se aos litigantes insurgir-se contra a sentença, por meio dos recursos tipificados pela legislação processual. Havendo o trânsito em julgado da sentença, seja pelo improvimento do recurso, seja pela sua não utilização, passa-se à execução das obrigações reconhecidas naquela (dar, pagar, fazer, não-fazer etc.).
Nas causas de competência da Justiça Comum, as execuções das sentenças condenatórias, como regra, sempre exigiram processo autônomo, distinto daquele em que o direito postulado foi reconhecido.
Nas demandas afetas à Justiça do Trabalho, as normas legais dispõem de modo diverso, não exigindo processo jurisdicional autônomo. A execução tem lugar no mesmo processo em que foi proferida a sentença condenatória que se executa, ocupando a condição de uma segunda etapa do procedimento (a primeira vai desde o ingresso em juízo até o trânsito em julgado da sentença).
Dito em outros termos: trata-se da mesma relação processual nascida com a propositura da demanda, originando primeiro uma fase de conhecimento, e depois do trânsito em julgado da sentença de procedência, uma fase de execução.
A sistemática adotada pelo processo do trabalho, então, opunha-se àquela do processo civil, no que concerne à execução das sentenças condenatórias, pois, neste último nova relação processual tinha que ser instaurada, pela propositura de demanda executiva, instruída com o título executivo judicial, sem prejuízo da outra espécie de execução, fundada em título executivo extrajudicial.
Depois de muito debate em doutrina, em que se postulava a instituição do chamado "processo sincrético", finalmente, a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (publicada no Diário Oficial da União em 23.12.2005), vigente desde 24 de junho de 2006 (conforme disposto pelo art. 8º, da mesma), revogou os dispositivos do Código de Processo Civil relativos ao processo de execução autônomo, com base em título executivo judicial (oriundos da jurisdição civil pátria), estabelecendo o que batizou de "fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento". [01]
Destarte, no regime legal vigente (desde 24.06.2006), a sentença condenatória cível não depende mais de outra relação jurídica processual para tornar possível a execução das obrigações que agasalha. O procedimento executório se dá no mesmo processo em que aquela foi proferida. [02]
Cumpre advertir que o processo de execução autônomo não desapareceu por completo. Ainda existem casos, no âmbito da Justiça Comum, que o mesmo é imprescindível para a concretização do direito reconhecido, embora não exija procedimento anterior impondo a condenação, não pelo menos no âmbito da jurisdição civil. [03]
Assim, são títulos executivos judiciais, que dependem de processo autônomo: a sentença penal condenatória com trânsito em julgado (CPC, art. 475-N, inc. II), a sentença arbitral (CPC, art. 475-N, inc. IV), o acordo extrajudicial homologado judicialmente (CPC, art. 475-N, inc. V), a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (CPC, art. 475-N, inc. VI) e o formal e a certidão de partilha (CPC, art. 475-N, inc. VII). Relembre-se, por final, a execução dos títulos extrajudiciais (CPC, art. 585, incs. I a VII).
A longa e rica experiência do processo do trabalho, em executar as sentenças condenatórias utilizando-se da mesma relação processual, apenas dividindo o processo em fase de conhecimento e fase de execução, sem dúvida alguma está em harmonia com o propósito de tornar a prestação jurisdicional mais econômica e célere, em homenagem ao princípio do acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV) [04] e da garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5º, inc. LXXVIII, introduzido pela EC 45/2004).
O processo civil, ainda que tardiamente, aproveitou esta experiência, ao criar a fase de cumprimento das sentenças condenatórias, dispensando novo processo jurisdicional.
1.2 Espécies de execução no Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil, em seus arts. 612 usque 735, dispõe sobre as diversas espécies de execução, que se classificam em: execução para entrega de coisa (certa e incerta); execução de obrigações de fazer e de não fazer; execução por quantia certa contra devedor solvente; execução contra a Fazenda Pública; e execução de prestação alimentícia. Nos arts. 748 usque 786-A, o CPC dedica um título inteiro, composto de nove capítulos, à execução por quantia certa contra devedor insolvente.
Situando o tema em sede de penhora de créditos, para os fins almejados nesse trabalho, interessa apenas a execução por quantia certa contra devedor solvente, ficando as demais espécies excluídas, não porque incabíveis na Justiça do Trabalho (com exceção da execução de prestação alimentícia), mas porque as demais modalidades de execução não levam – pelo menos em princípio e como regra - à constrição judicial de bens integrantes do patrimônio do executado (execução forçada com afetação de bens pela penhora para satisfazer o crédito). [05]
Na generalidade dos casos, então, quando se executa uma obrigação certa e líquida, não havendo cumprimento espontâneo pelo devedor, que deixa de realizar o pagamento de quantia previamente definida, passa-se a fase de penhora, em conformidade com as regras legais pertinentes, que pode atingir uma quase infinidade de bens do devedor, incluindo créditos e outros direitos que este possua junto a terceiros.
1.3 Execução trabalhista
Em sede de dissídios individuais [06], a execução de sentenças, no âmbito da Justiça do Trabalho, está regrada no Capítulo V, do Título X, da Consolidação das Leis do Trabalho, que cuida do PROCESSO JUDICIÁRIO DO TRABALHO, subdividido em cinco seções, tratando das disposições preliminares (Seção I), do mandado e da penhora (Seção II), dos embargos à execução e sua impugnação (Seção III), do julgamento e trâmites finais da execução (Seção IV) e da execução por prestações sucessivas (Seção V), abrangendo os arts. 876 usque 892.
Em razão da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que deu nova redação e acrescentou dispositivos ao art. 114, da Constituição Federal, nem todas as sentenças suscetíveis de execução no âmbito da justiça laboral, desde dezembro de 2004, derivam de processos em que se discutem direitos e obrigações envolvendo empregados e empregadores, como se dava antes na quase totalidade dos casos.
Hodiernamente, as sentenças podem dizer respeito a causas que versam outros tipos de relação jurídica de direito material, envolvendo sindicatos, trabalhadores autônomos, outros prestadores de serviço, relações anteriormente reguladas pela legislação consumerista (há elevado grau de controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre esta matéria), ou mesmo órgãos de fiscalização do cumprimento de obrigações legais.
Estas novas demandas, que antes eram de competência da Justiça Comum, Estadual e Federal, seguramente irão exigir muita reflexão e criatividade dos órgãos judiciários em relação à adaptação do procedimento executório das sentenças, em face das peculiaridades que as distinguem das sentenças em que os sujeitos da relação processual, tradicionalmente, eram empregado e empregador ou prestador dos serviços e tomador dos serviços (pequena empreitada, por exemplo).
1.3.1 Títulos executivos e iniciativa da execução
O art. 876, da CLT, menciona que os títulos que podem ser objeto de execução na Justiça do Trabalho são: a sentença com trânsito em julgado, ou ainda que não, mas contra a qual não foi interposto recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos voluntariamente pelo devedor; os termos de ajuste de conduta firmados pelo empregador com o Ministério Público do Trabalho; e, os termos de conciliação firmados pelo empregado e pelo empregador nas Comissões de Conciliação Prévia.
Admite-se, ainda, na Justiça do Trabalho, a aplicação dos arts. 1.102-a a 1.102-c, do CPC, relativos à demanda monitória [07], em que se executa uma dívida, com base em prova escrita, mesmo que o credor não disponha de sentença condenatória anterior ou de título qualificado de extrajudicial pela lei processual (com aptidão para ser executado independentemente de prévia apreciação judicial).
A iniciativa da execução, isto é, quem pode promovê-la, conforme dispõe o art. 878, da CLT, compete a qualquer interessado, como o credor, o espólio e os herdeiros, por exemplo, e ainda, pode-se dar ex officio pelo juiz ou pelo presidente do tribunal competente. O parágrafo único, deste artigo, quando se tratar de decisão dos Tribunais Regionais do Trabalho, faculta às Procuradorias Regionais do Trabalho (denominação atual) tomar a iniciativa de promover a execução.
1.3.2 Aplicação subsidiária da Lei de Execuções Fiscais e do Código de Processo Civil
O art. 882 da CLT (Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943) dispõe que "O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código de Processo Civil".
O art. 889, do mesmo diploma legal, por sua vez, aos trâmites e incidentes do processo de execução, manda aplicar "os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal" [08], desde que compatíveis com o regramento específico dado à matéria pela própria Consolidação das Leis do Trabalho.
Portanto, a execução trabalhista, primeiro é regulada pela CLT e as leis específicas que a complementam (por exemplo: Leis nºs 5.584/70, DL 779/69 e DL 858/69); depois, pela Lei nº 6.830/1980 e, finalmente, pelo Código de Processo Civil, seja em virtude do art. 1º da Lei dos Executivos Fiscais (que manda aplicar subsidiariamente as normas do CPC), seja em face do que dispõe o art. 769, da CLT: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título". [09]
2. Penhora
A penhora de bens do devedor-executado, em regra, é ato específico das execuções por quantia certa contra devedor solvente. A penhora é ato de execução, introduzindo modificação jurídica "na condição dos bens sobre os quais incide, e se destina aos fins da execução, qual o de preparar a desapropriação dos mesmos bens para pagamento do credor ou credores" (AMARAL SANTOS, 1989, p. 292).
Predomina na doutrina moderna o entendimento de que a penhora é ato processual, cuja função é fixar a responsabilidade executória sobre os bens por ela abrangidos. A constrição judicial dos bens do devedor, mesmo que retirados do poder deste, não importa em perda da posse e do domínio, "mas apenas vinculam os bens ao processo, sujeitando-os ao poder sancionatório do Estado, para satisfação do credor (LIEBMAN, apud Amaral Santos, 1989, p. 294).
Para Amaral Santos (1989, p. 295), a penhora "é o primeiro ato executório da execução por quantia certa contra devedor solvente. É o ato de apreensão e depósito de bens do devedor destinados à segurança da execução, isto é, destinados à satisfação do credor. Assim, objeto da penhora são bens abrangidos no patrimônio do devedor, [...] mesmo que se achem em poder de terceiros".
Em outras palavras, os direitos do devedor sobre os bens objeto da penhora subsistem intactos, embora limitados pela responsabilidade executória que a apreensão judicial origina, pois, a finalidade desse ato é a satisfação do crédito do exeqüente. Como conseqüência, o devedor-executado pode dispor dos bens penhorados, mas em razão de sua vinculação ao processo executivo, a alienação é reputada ineficaz em relação ao credor-exeqüente. [10]
2.2 Penhora de créditos
Afirma Teixeira Filho (2001, p. 469): "É possível que o devedor seja credor de terceiro. Comprovado o fato, poderá o credor (exeqüente) requerer ao juiz que faça incidir a penhora nesse crédito (CPC, art. 671, caput)".
A origem histórica da penhora de créditos, segundo alguns autores (ARAKEN DE ASSIS, 2007, p. 635), é encontrada no direito romano, ao tempo da execução singular (pignus in causa iudicati capit), sendo a mesma restringida por duas situações vigorantes à época, quais sejam: a ordo executionis, pelo qual o direito romano admitia a penhora de créditos unicamente na hipótese de falta de outros bens penhoráveis do devedor (móveis ou imóveis), e ainda, a confissão do terceiro (debitor debitoris) sobre a existência do crédito, ou o seu reconhecimento – judicial - com eficácia de coisa julgada, como forma de equilibrar os interesses do exeqüente (credor), do executado (devedor) e do terceiro (debitor debitoris).
Observa-se, por esta noção histórica do instituto, que o direito romano priorizava outros bens do devedor para efeito de penhora e exigia confissão do terceiro ou reconhecimento judicial, com eficácia de coisa julgada, sobre a existência do direito de crédito do executado perante um terceiro.
Segundo Vittorio Colesanti, a confissão ou o reconhecimento do crédito revelava a preocupação "com a hipótese de o credor e o devedor se conluiarem para atrair algum terceiro, dotado de opulento patrimônio, e despojá-lo, criando dívida falsa" (apud ARAKEN DE ASSIS, 2007, p. 635).
Assim, uma das modalidades de penhora contemplada pela lei processual é a de créditos e bens do devedor-executado perante terceiro (devedor deste). [11] Trata-se de procedimento que tem lugar quando não são encontrados outros bens passíveis de penhora, conforme a ordem legal de preferência. A penhora de bens se dá quando o executado, uma vez citado para pagar a dívida não o faz.
Com a nova disciplina da execução, inaugurada pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2005, alterando os dispositivos do Código de Processo Civil que regulam esse tema, a lei não mais prevê a citação do devedor para pagar ou nomear bens a penhora em vinte e quatro horas, como se dava sob a égide da lei anterior. [12]
O art. 652, do CPC, recebeu nova redação, que determina a citação do executado (a lei não fala mais em devedor, mas prestigia a posição da parte passiva da obrigação no plano do direito processual), para pagar a dívida em três dias. [13] O § 1º prevê, em não sendo efetuado o pagamento, a penhora de bens por ato do oficial de justiça, sua avaliação e intimação do executado. [14] O § 2º faculta ao credor, na petição inicial da execução, a indicação de bens passíveis de penhora. [15] Não sendo encontrados bens do executado, o juiz poderá intimá-lo a indicá-los, na pessoa de seu advogado (se o tiver) [16], de ofício ou a requerimento do exeqüente. [17]
Coerente com a nova disciplina legal, o caput do art. 655, do CPC, em sua nova redação, não mais menciona que incumbe ao executado observar a ordem disposta em seus incisos, quanto aos bens que poderão ser objeto de penhora. Aliás, sequer prevê a norma processual a possibilidade de o executado nomear bens à penhora [18], quando muito, se não encontrados, impõe-lhe o dever de indicá-los, depois de intimado a tanto, pessoalmente ou através de seu procurador.
Assim, se o patrimônio do executado for composto de bens que integram diversas categorias, obrigatoriamente, o oficial de justiça, ao penhorá-los, deverá observar a ordem de preferência estabelecida pelo dispositivo legal antedito.[19]
O exeqüente, por sua vez, pode recusar os bens penhorados pelo oficial de justiça, requerendo sua substituição, inclusive quanto não for respeitada a ordem legal de preferência. [20]
A norma processual, portanto, cria uma ordem de preferência quanto aos bens que podem ser objeto de constrição judicial, devendo ser obedecida quando tiver por escopo garantir o juízo (como pressuposto necessário, em regra, para o manejo de embargos do devedor à execução) ou mesmo quando for para satisfazer o crédito do exeqüente através da sua alienação judicial.
Havendo um rol de bens que têm preferência sobre outros, na penhora, objetivando o êxito da execução do crédito, não tem lugar a aplicação do princípio da execução pelos meios menos onerosos ao devedor. [21]
Vê-se, assim, que no momento processual oportuno, qual seja, o da apreensão de bens do executado, indicados ou não por este, ato este praticado, em regra, pelo oficial de justiça em cumprimento de mandado judicial, visando satisfazer o quantum debeatur, o artigo 655, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2005, estabelece uma ordem preferencial para a respectiva penhora, que o quanto possível deverá ser obedecida. [22]
A ordem legal de preferência, instituída pela lei processual comum, quanto aos bens passíveis de constrição judicial, ora examinada superficialmente, aplica-se ao processo do trabalho, por força de previsão expressa no art. 882, da Consolidação das Leis do Trabalho.
No rol do artigo 655, do CPC, não estão incluídos, pelos menos não explicitamente, dentre os bens que formam o patrimônio do executado, suscetíveis de penhora, os direitos deste junto a um terceiro, ou seja, de alguém que não participa da relação processual, que não é sujeito ativo ou passivo da execução.
Mas, é de se ter em conta que os bens mencionados pela lei compõem catálogo meramente exemplificativo, não excluindo outros bens do executado que não se encontram expressamente previstos pelo mesmo, tanto que o inciso XI [23], do art. 655, do CPC, menciona a possibilidade de penhora de "outros direitos" do executado.
A penhora de bens do devedor junto a terceiros, mesmo antes do advento da Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2005, vinha regulada, de forma específica, na subseção IV (arts. 671 usque 676), da seção I, do Capítulo IV, do CPC, que tratam, respectivamente, "da penhora de créditos e de outros direitos patrimoniais", "da penhora, da avaliação e da arrematação" e "da execução por quantia certa contra devedor solvente".
As modificações ocorridas na redação originária dos arts. 671 usque 676, do CPC, são ainda as da Lei nº 5.925, de 1º de outubro de 1973, ou seja, introduzidas na disciplina da matéria menos de nove meses depois da publicação da Lei que instituiu o Código de Processo Civil. [24] A Lei 11.382, de 06 de dezembro de 2005, não trouxe modificação quanto às premissas e procedimentos relativos à penhora de créditos e de outros direitos patrimoniais do executado.
2.2.1 Créditos que podem ser objeto de penhora
O modo como a penhora de créditos deve ser feita, bem como seus efeitos, encontra regulamentação no Código de Processo Civil, arts. 671 usque 676, e ainda, arts. 298 e 312, do Código Civil de 2002, variando conforme a espécie de crédito sobre o qual recai a constrição judicial.
Nesse contexto, reza o artigo 672, do CPC, que o crédito representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos será penhorado pela apreensão do documento respectivo, independentemente de estar ou não em poder do devedor. [25]
Acrescente-se que o sistema adotado pela lei processual admite a penhora de créditos e de outros bens do devedor-executado, perante terceiros, em decorrência de quaisquer modalidades contratuais [26], desde que não sejam protegidos por cláusula legal de impenhorabilidade absoluta, ou mesmo fora desse caso, desde que não haja vedação legal expressa, estejam ou não formalizados em documentos.
A título ilustrativo podem ser citados os créditos derivados de contratos de arrendamento, locação, prestação de serviços, compra e venda, estimatório, empréstimo, empreitada, depósito, comissão, corretagem, agência e distribuição e transporte de mercadorias ou quaisquer outros produtos. É possível também a penhora de créditos do devedor-executado em precatórios judiciais, desde que não se trate de verbas de caráter alimentar (em regra), a exemplo dos salários e da remuneração dos servidores públicos em geral (celetistas ou estatutários).
Dirigindo-se a execução trabalhista contra o patrimônio pessoal dos sócios de pessoa jurídica, nas hipóteses em que esta, enquanto executada, não disponha de bens para garantir o juízo e satisfazer o crédito executado, pela aplicação do princípio da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, nada obsta que sejam penhorados créditos futuros dos sócios (pessoas físicas) perante terceiros, obedecidas as restrições legais, apuráveis pela apreciação de cada caso concreto.
Não se deve esquecer que é viável, não havendo vedação no ordenamento jurídico, a penhora de créditos dos sócios de empresa que está em processo de falência, junto a terceiros, quando os bens que compõem o acervo da massa falida não comportam todas as execuções contra ela dirigidas, remanescendo créditos trabalhistas insatisfeitos, situação que legitima direcionar a execução contra o patrimônio pessoal dos sócios.
Saliente-se que a doutrina e os tribunais têm entendido que os créditos penhoráveis não se limitam àqueles indicados explicitamente pelo art. 672, do CPC, que tem existência documentada, mas podem englobar outros créditos não representados materialmente pelos documentos mencionados pela lei [27], até porque é da tradição do direito luso-brasileiro admitir a penhora de coisas incorpóreas e transmissíveis (ARAKEN DE ASSIS, 2007, p. 638-639).
Também Vicente Greco Filho (2003, p. 78), sem ressalvas, afirma: "A penhora pode atingir não só bens corpóreos. Pode alcançar, também, créditos, direitos e ações, estes últimos desde que de conteúdo patrimonial".
Assim, admite-se a penhora de quaisquer créditos e bens do devedor em mãos de terceiro [28], não apenas dinheiro, ou corporificados em documentos, mas abrangendo aqueles não materializados, para os quais não é apropriada a apreensão dos títulos aos quais alude a norma processual em destaque, sejam presentes, sejam futuros, incluindo alguns direitos potestativos [29], mesmo que objeto de litígios no momento da realização da penhora. [30]
Para Dinamarco (2004, p. 591), entre os créditos a serem objeto de penhora "incluem-se os privilegiados e os quirografários de toda ordem, os cambiários e os não cambiários e também os dividendos a que o executado tiver direito em sociedade ou ainda seus haveres sociais, a serem apurados mediante a ‘liquidação da quota do devedor’ (CC, art. 1.026, caput e par.)".
Permite a lei processual que direitos do devedor-executado, discutidos em outras demandas judiciais, possam ser penhorados pelo credor-exeqüente, como dispõe o art. 674, do Código de Processo Civil. [31]
Nas lições de Araken de Assis (2007, p. 648), "o objeto da penhora, aqui considerada, não é o direito material, nem a ação processual, mas o direito litigioso". O processualista gaúcho adverte tratar-se de direito incerto, sobre bens que ainda não compõem o patrimônio do devedor-executado, cuja situação de incerteza somente será superada pela sentença que vier a ser proferida e, assim, "encontra-se demarcado, temporalmente, pela litispendência". O credor fica sujeito "à sorte e aos azares do litígio, porque a constrição se convolará ‘nos bens, que forem adjudicados ou vierem a caber ao devedor’. Desde a penhora, rememore-se, o credor assume a condição de litisconsorte facultativo do executado".
O posterior provimento jurisdicional elimina a incerteza, a litispendência e a litigiosidade, e cuidando-se de sentença de mérito, confere à situação, antes litigiosa, "feição definitiva e incontestável" (ARAKEN DE ASSIS, 2007, p. 648).
Esta modalidade de penhora – sobre bem litigioso que poderá vir a ser do devedor – é registrada no rosto dos autos em que foi realizada, através do cumprimento de mandado judicial (emitido pelo juízo da execução em que a mesma foi deferida) por ato do oficial de justiça, que confecciona o respectivo auto de penhora. [32]
Celso Neves entende que a conseqüência "desse penhoramento é a vinculação do resultado do processo em cujo rosto se deu ao processo executório de que partiu a ordem de apreensão" (1992, p. 97). O devedor-executado não perde a disponibilidade que tem sobre o direito penhorado, mas isso no plano do direito material, pois, os atos de disposição que praticar "serão ineficazes no processo executório" (idem). [33]
2.2.2 Bens presentes e futuros
No Capítulo que regula a responsabilidade patrimonial do devedor, o Código de Processo Civil, em seu art. 591, dispõe que "o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei". Logo, não é correta a assertiva, muitas vezes vista nas decisões dos tribunais pátrios, de que não existe previsão legal de penhora de bens futuros.
Não apenas há amparo jurídico a esta pretensão, como a mesma é compatível com o regime da penhora de créditos e bens do executado junto a terceiros, que muitas vezes nada mais são que créditos (bens) futuros, a exemplo daqueles que decorrem de inventário e testamento (direito sucessório) ou quando são objeto de outros litígios, em que ainda não há o reconhecimento definitivo de bens de titularidade do devedor.
Com o avanço tecnológico, notadamente nos setores de informática e de comunicação, em ritmo que se acelera inexoravelmente, as relações jurídicas das mais variadas espécies envolvendo operações de débito e crédito, não mais se traduzem nos documentos clássicos que concretamente as registravam, a exemplo de cheques, notas promissórias, duplicatas e letras de câmbio (as chamadas "cártulas"), pois, cada vez mais são efetivadas por meios eletrônicos (p. ex.: cartões de crédito, cartões de débito, pagamento através de telefone celular e transações bancárias pelo uso da internet, como as transferências de fundos de uma conta para outra, de terceiros ou não, de um mesmo Banco ou não, prescindindo de formalização em outros tipos de documentos).
Nem sempre, portanto, é necessário que haja apreensão física das cártulas, como estipula o art. 672, do Código de Processo Civil, pois, nem todos os créditos que o devedor pode ter perante terceiros (bens futuros, em regra) precisam estar necessariamente documentados pelas formas concretas tradicionais, mencionadas pela lei, mas podem derivar de formas e meios eletrônicos.
A doutrina, a despeito da omissão legislativa, sustenta com relativa segurança, dentro do instituto da penhora de créditos, a possibilidade de penhora de créditos do executado, em que o devedor é o exeqüente. Então, se A executa B pelo crédito x, pode pretender penhorar o crédito y de B, em que o devedor é A. Chama-se a isso de penhora de mão própria. [34]
2.2.3 Requisitos e procedimento
As normas processuais estabelecem, em linhas gerais, quais são os requisitos que devem ser preenchidos e o procedimento que deve ser adotado nos casos de penhora de créditos e outros direitos patrimoniais do executado.
A disciplina legal sobre essa matéria, como já afirmado alhures, tem mais de trinta anos, tendo sido concebida em 1973, numa época nada comparável com a atual, em que as relações comerciais passaram por profundas transformações, influenciando as relações jurídicas envolvendo direitos e obrigações de natureza creditícia, nomeadamente em virtude da evolução conseguida por conta dos meios eletrônicos de transação e pagamento.
De qualquer sorte, ainda são válidas e aplicáveis as prescrições legais respeitante a apreensão de documentos, naqueles casos de relações formalizadas em títulos de créditos clássicos, como o cheque, a duplicata e a nota promissória, sem prejuízo da necessária adaptação quando se tratar de direitos consagrados por outras formas lícitas, reconhecidas explícita ou implicitamente pela ordem jurídica vigente.
Os estudiosos têm entendido que a penhora de créditos do devedor junto a terceiros exige o preenchimento, pelo menos, de dois requisitos: a) o valor econômico; e b) a livre cessibilidade.
Theodoro Júnior (2006, p. 300), a propósito do tema, afirma: "Os direitos do devedor contra terceiros, quando de natureza patrimonial, são penhoráveis, desde que possam ser transferidos ou cedidos, independentemente de consentimento do terceiro".
Na mesma direção, a lição de Moacyr Amaral Santos (1989, p. 305): "Créditos e direitos constitutivos do patrimônio do devedor, desde que sejam alienáveis, isto é, cessíveis, transferíveis, e não se gravem de cláusula de impenhorabilidade, podem ser objeto de penhora".
Os arts. 671 e 672, do CPC [35] regulam especificamente a penhora de créditos do devedor, reservando os arts. 673 usque 676 à disciplina relativa à penhora de outros direitos patrimoniais do devedor, a exemplo de ações, dinheiro a juros, direito a rendas, direito a restituição de coisa determinada, direito de herança e direito a prestações periódicas, bem como, ao procedimento posterior à penhora, para efetiva satisfação do crédito do credor-exeqüente, como a conversão do crédito penhorado (sub-rogação ou alienação judicial) e a penhora de direitos creditícios no rosto dos autos.
Além das normas processuais que disciplinam a penhora de créditos e outros bens patrimoniais do executado, o Código Civil de 2002, nos capítulos que cuidam da cessão de crédito e do pagamento, trata sucintamente da impossibilidade da transferência de crédito quando penhorado [36], e dos efeitos do pagamento quando intimado o terceiro do ato de constrição judicial [37].
A penhora, como já dito, torna o crédito (bem do executado), seu objeto, vinculado à satisfação do crédito do exeqüente promovente da mesma (credor penhorante), razão pela qual não se pode mais transferir o crédito a um terceiro. [38]
Dispõe o art. 671, incs. I e II, do CPC, que enquanto não for apreendido o documento que representa o crédito do devedor, considera realizada a penhora pela intimação "ao terceiro devedor para que não pague ao seu credor" e "ao credor do terceiro para que não pratique ato de disposição do crédito".
Há, portanto, dupla intimação: do terceiro (que deve ao executado) e do executado (que deve ao exeqüente). Sim, o credor do terceiro de que cogita a lei nada mais é que o devedor daquele que promove a execução em que se pretende a penhora de créditos.
Entende-se que na hipótese do inc. I, do art. 671, do CPC, o terceiro é considerado depositário da quantia que corresponde ao crédito do devedor-executado, o que não tem suscitado controvérsia digna de nota.
Porém, sustenta-se em doutrina que na hipótese do inc. II, do art. 671, do CPC, o depositário do bem (crédito) é o próprio devedor-executado [39].
Numa análise apressada, pode se pensar que essa conclusão apenas é viável se o crédito já tiver sido satisfeito pelo terceiro, objetivando que o executado dele não disponha. Mas é equivocada, pelo menos na generalidade dos casos. Sim, pois, se o crédito já foi satisfeito, já integra o patrimônio jurídico do devedor, não se tratando mais de penhora de crédito, mas de dinheiro.
Na verdade, essa conclusão de considerar o devedor-executado depositário do crédito, faz sentido quando se tratar de documentos que permitam endosso ou outras formas de cessão em favor de terceiros, a exemplo do cheque. Consistem naqueles casos de cessão de crédito. Então, intima-se o devedor-executado para que não ceda o crédito de que é titular.
Pelo modo imperativo como estão redigidos os dispositivos legais sob comento, é de se entender que a intimação do terceiro não é suficiente para ser considerada efetivada a penhora, sendo fundamental que haja, igualmente, a intimação do executado (SÉRGIO SAHIONE FADEL, 1974, p. 40).
Remanesce dúvida sobre qual momento se efetiva a penhora: o da intimação do terceiro ou o do momento da intimação do devedor?
A intimação do terceiro gera todos os efeitos próprios previstos em lei, impedindo-o de pagar ao devedor ou ao seu representante. A intimação do devedor-executado, por sua vez, obsta-o de dispor dos créditos penhorados. As intimações conservam sua independência, cada uma visando um efeito próprio.
Havendo a intimação do terceiro, o direito do exeqüente ao crédito está assegurado. Mas, se não for intimado o devedor-executado, se tiver de posse do título de crédito (cheque, por exemplo), poderá cedê-lo a terceiros. Os efeitos do inc. II do art. 672, do CPC, somente têm lugar se houve efetiva intimação do devedor-executado.
A efetivação da penhora, então, exige a dupla intimação a que alude a lei, completando-se quando o terceiro e o devedor forem intimados. Assim, é recomendável que em se tratando de crédito em relação ao qual o devedor-executado não tem a posse do título, ou se for daqueles créditos não documentados pelos instrumentos clássico de que cogita a lei, que primeiro seja feita a intimação do terceiro. Se, ao contrário, tratar-se de crédito formalizado em documento que admite endosso ou outras formas de cessão, estando de posse do devedor-executado, que primeiro se intime este. [40]
O § 1º, do art. 672, prevê que na hipótese de não ser o título de crédito apreendido, desde que o terceiro confesse a dívida, será reputado depositário da respectiva importância. O § 2º, diz que o terceiro somente será exonerado da obrigação se depositar em juízo a importância da dívida. [41] O § 3º, qualifica de fraude a execução a quitação passada pelo executado ao terceiro, caso este, em conluio com aquele, negar o débito [42]. Ou seja, será ineficaz em relação ao credor que promove a execução judicial. O § 4º, diz que se houver requerimento do credor, poderão ser tomados os depoimentos do devedor e do terceiro em audiência a ser designada pelo juízo da execução.
A parcimônia da lei quanto à penhora de créditos, revelando que o legislador não dispensou à mesma toda a atenção que merece, pelos importantes desdobramentos a que pode levar, dedicando a ela poucos artigos do Código de Processo Civil, tem levado alguns estudiosos a tecer severas críticas à sua disciplina legal, mas verdade seja dita, a matéria também não é tratada de forma suficiente pela doutrina, que se limita, em grande parte, em repetir a lei com outras palavras, deixando de esclarecer alguns pontos mais polêmicos desse instituto. [43]
Os dois maiores problemas suscitados pela penhora de créditos, no entendimento de Araken de Assis (2007, p. 635 e 637), consistem no envolvimento de um terceiro "nas malhas da execução", ou seja, de alguém que não participa como sujeito ativo ou passivo da execução no processo em que esta é promovida, e na penhora sobre bens cuja existência é apenas – não em todos os casos - alegada ou suposta pelo credor (exeqüente).
Muitas vezes falta prova robusta da alegação de existência dos bens do executado em poder de um terceiro. O processualista nominado entende que há semelhança entre o modelo alemão e o modelo brasileiro, acrescentando: "Logo, não se afigura possível afirmar que, no direito brasileiro, a penhora de créditos prescinde da apuração da existência da dívida do terceiro, bastando a afirmação do exeqüente" (ARAKEN DE ASSIS, 2007, p. 639-640).
Não exige a lei processual brasileira declaração incidental da existência do crédito para que a penhora se realize, bastando a informação do exeqüente nos autos do processo de execução, o que não significa que a mesma subsistirá em caso de comprovação posterior da inexistência do crédito.
Pode ocorrer que haja negativa do terceiro sobre a existência da dívida (da qual é credor o executado). O devedor-executado, igualmente, pode se insurgir contra a alegação do exeqüente, sustentando a inexistência de créditos perante terceiro. Nessas situações, mostra-se imprescindível a designação de audiência e a colheita de provas, para que o crédito do executado se repute demonstrado, sob pena de ineficácia prática da determinação judicial.
O incidente que tem o propósito de provar o crédito, que pode ser instaurado antes da efetivação da chamada pré-penhora, ou mesmo depois dela, tem o mérito de evitar que haja perda de tempo (das partes e do Judiciário) e o desperdício de material e de energia, além de assegurar certeza e segurança quanto a existência da relação obrigacional entre o executado e o terceiro.
Insistir em levar adiante o procedimento expropriatório de um crédito, sobre o qual não se tem certeza da existência, milita em desfavor dos princípios da economia e da celeridade processual, colocando em segundo plano a preocupação com a efetividade da atividade jurisdicional executiva e com o êxito do procedimento de execução.
O silêncio da lei sobre esta questão, sequer mencionando abertamente a necessidade de se provar o crédito do devedor-executado perante terceiros, não significa que a singela afirmação do credor-exeqüente em sentido inverso seja suficiente para a subsistência da penhora, inicialmente baseada somente na presunção de sua existência.
No tocante a exigência de requerimento do credor (exeqüente) para que o juiz designe audiência com a finalidade de colher os depoimentos do devedor (executado) e do terceiro, não se trata de requisito essencial, de modo que o juiz, se entender conveniente e útil ao esclarecimento dos fatos, pode agir de ofício, determinando o comparecimento dos mesmos à audiência, independentemente de requerimento do credor (exeqüente). É o que se extrai do princípio traduzido no art. 599, inc. I, do CPC. [44]
Nos casos de não apreensão do documento (quando o crédito do devedor-executado é daquele que assim se materializa), ou mesmo de crédito que não permite apreensão por sua imaterialidade, conforme disciplinado pelos incs. I e II, do art. 671, do CPC, há de início uma penhora antecipada, ou, como afirma Araken de Assis (2007, p. 641), uma "pré-penhora", que se estabiliza definitivamente pela confissão do terceiro (CPC, art. 672, § 1º) ou pela declaração de sua existência (CPC, art. 672, § 4º), preponderando o elemento cautelar nesta primeira fase da constrição judicial. [45]
Havendo penhora do crédito e apreensão do documento, quando for o caso, a negativa do terceiro sobre a existência daquele mostra-se absolutamente inútil, embora lhe seja garantido o direito de opor as exceções permitidas em lei, a exemplo do pagamento e da compensação.
Sob outro enfoque, se o documento não for encontrado, for ocultado ou estiver de posse de outra pessoa, esta circunstância não impede a penhora se houver confissão do terceiro de que é devedor do executado, dispensando a declaração judicial de existência do crédito, como requisito indispensável para subsistência daquela.
A doutrina ainda vacila em relação ao conteúdo e a natureza da conduta do terceiro, de quem é credor o executado, pois, aquela pode se traduzir em silêncio sobre o crédito ou em seu reconhecimento expresso. É possível, também, que o crédito seja negado pelo terceiro. No segundo caso, não há dúvida, pela dicção do § 1º, do art. 672, do CPC, de que o terceiro é posto na qualidade de depositário do bem, reputando-se verdadeira a relação jurídica entre ele e o executado. A doutrina tem entendido que há interesse público na eficiência do processo executivo, o que justificaria a licitude da invasão da esfera jurídica do terceiro, que tem o dever de colaboração, também de caráter público. [46]
Porém, no caso de abstenção do terceiro, há duas formas de interpretar seu silêncio: a) leva à presunção de existência da dívida, com efeito de confissão tácita; ou b) importa na obrigação de investigação e prova do crédito alegado existente pelo exeqüente.
Ensina Araken de Assis (2007, p. 643), que a doutrina predominante é pela aceitação da presunção de existência da dívida, revelando-se irrelevante a inércia do terceiro para a efetivação da penhora, embora os atos subseqüentes do processo de execução, até por questão de lógica, indiquem a necessidade de se provar a efetiva existência do crédito, sob pena de inefetividade, não gerando a constrição judicial os resultados que lhe são de rigor, nomeadamente satisfazer o crédito do exeqüente.
Trata-se de atos distintos. O primeiro deles consiste na penhora do crédito. Para este efeito – e apenas para ele – a inércia do terceiro não se mostra relevante. A penhora pode ser realizada, ainda que posteriormente não subsista e seja desfeita. O segundo, consiste na prova da existência efetiva do crédito, pois, se não for demonstrada aquela, nenhuma conseqüência em benefício da execução a penhora poderá produzir. Em síntese, o silêncio do terceiro apenas faz presumir a existência do crédito, que pode não se confirmar. [47]
A negativa do crédito pelo terceiro não obsta a intimação a que alude o inc. I do art. 671 do CPC, mas exigirá a investigação a que alude o § 4º, do art. 672, do mesmo diploma processual, para obtenção da certeza quanto à dívida. O terceiro, a depender das particularidades do caso concreto, tem à sua disposição, em casos de constrição irregular, a demanda de embargos de terceiro (CPC, art. 1.046, caput).
O incidente que justifica a designação de audiência (CPC, § 4º, do art. 672) pode ser promovido por quaisquer das três pessoas envolvidas nas questões da penhora de créditos (o exeqüente, o executado e o terceiro), ao contrário do que sugere o dispositivo legal em apreciação. Do mesmo modo, todos eles, desde que os interesses se oponham, têm assegurado o direito a ampla defesa e ao contraditório, não porque exista norma processual dispondo nessa direção, mas porque a todas as pessoas em litígio a Constituição garante esses direitos, como se observa do seu art. 5º, LV. O prazo para defesa pode ser o que o juiz entender necessário e, não sendo definido, aplica-se o de cinco dias, de que cogita o art. 185, do CPC. [48]
2.2.4 Conversão do crédito penhorado
A conversão do crédito penhorado, em benefício do credor promovente da execução, quando se tratar de direito e ação do devedor, dá-se pela técnica da sub-rogação, nos termos previstos pelo art. 673, do Código de Processo Civil. [49] Porém, o credor pode preferir a alienação judicial do direito penhorado, manifestando sua vontade em dez dias, contados da realização da penhora (CPC, art. 673, § 1º).
Araken de Assis (2007, p. 647) entende que o credor penhorante deve ser intimado pelo juiz, depois de declarado existente o crédito penhorado e depois de esgotado o prazo para oferecimento de embargos à execução ou quando rejeitados estes, para, então, manifestar sua vontade pela sub-rogação ou pela alienação judicial do direito penhorado, aduzindo que o prazo de dez dias, a contar da penhora, a que alude a lei, é exíguo e inadequado, devendo merecer interpretação elástica. [50]
No insucesso no recebimento do crédito do devedor, penhorado na execução processada contra ele, o credor-exeqüente poderá prosseguir com a demanda executória, em busca de outros bens do devedor-executado, passíveis de penhora, até a satisfação do seu crédito (CPC, art. 673, § 2º). [51]
No primeiro caso, de sub-rogação [52], se o terceiro não paga a dívida ao credor penhorante (inadimplemento da obrigação), poderá este promover execução forçada contra o mesmo, tanto quanto poderia fazê-lo o credor originário (devedor-executado na demanda em que houve a penhora). [53]
2.2.5 Extinção do crédito penhorado
A extinção do crédito que o executado tem contra terceiro, por fato superveniente à penhora, posterior à intimação a que se refere o art. 671, inc. I, do CPC, é inoperante quanto à pessoa do exeqüente (credor penhorante), sendo ineficaz, portanto, perante o processo executivo. Isso porque o art. 672, § 2º, contempla apenas o depósito da importância do crédito pelo terceiro como meio pelo qual se exonera do encargo de depositário. [54]
A desoneração da obrigação do terceiro, devedor do executado, quando realizada a penhora, somente se dá pelo depósito em juízo da importância do crédito (CPC, art. 672, § 2º). [55]
Note-se que o § 3º, do art. 672, do CPC, regula a hipótese de fraude a execução, quando o credor paga ao devedor-executado, depois de negar o débito, razão pela qual, se demonstrado que isso ocorreu, a quitação passada pelo executado ao terceiro não será eficaz em relação ao credor-exeqüente. Do mesmo modo quando não houve confissão da dívida e nem apreensão do título, mas houve penhora do crédito e dela estava ciente o terceiro. [56]
O terceiro que paga ao seu credor (executado), uma vez ciente da penhora, terá que pagar de novo, preservando o direito regressivo contra aquele. É o que decorre não apenas da disposições processuais sobre a matéria, mas também do art. 312, do Código Civil de 2002: "Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ela oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra o credor". [57]
Há posicionamento em doutrina de que a condição de depositário do bem ou do crédito, atribuída pela lei ao terceiro, uma vez concretizada a dupla intimação de que cogita a norma processual, quanto aos seus efeitos, no caso de satisfação indevida da obrigação ao devedor-executado, é distinta daquela outra, em que o encargo de depositário dos bens penhorados depende de manifestação de vontade positiva, aceitando-o – ou não - aquele indicado para assumir esta condição.
O juízo não pode impor a alguém – nos demais casos de penhora - a condição de depositário, até mesmo pelas graves conseqüências que acarreta a sua infidelidade na guarda e conservação dos bens.
Infere-se, então, segundo essa doutrina, que a despeito do terceiro ostentar a condição de depositário do crédito penhorado, quando for regularmente intimado, não sofre os mesmos efeitos jurídicos adversos, na hipótese de pagamento indevido ao seu credor (executado), que o depositário judicial de outros bens objeto de penhora.
O terceiro ciente da penhora poderá ficar sujeito a cobrança executiva da dívida e as respectivas constrições, como em qualquer outra execução, a ser promovida pelo credor penhorante. [58]
2.2.6 Defesa dos bens penhorados
Os créditos do executado, uma vez penhorados, ficam vinculados ao processo de onde emanou a ordem de constrição judicial. Ocorre do mesmo modo quando a penhora recai sobre outros direitos patrimoniais do executado perante terceiros.
Todo bem, inclusive créditos e direitos do executado, quando são penhorados, visando satisfazer o direito do exeqüente, até que ocorra sua conversão, seja pela sub-rogação, seja pela alienação em hasta pública, precisa de proteção contra as situações nocivas que possam atingi-lo, muitas vezes inviabilizando as fases subseqüentes à penhora se as providências adequadas não forem tomadas.
Este é um aspecto pertinente à penhora de créditos e outros direitos patrimoniais do executado, não disciplinado de modo expresso pela lei processual. As normas que regulam a penhora de créditos, contidas no Código de Processo Civil, não tratam desse assunto. Não apresentam solução para os problemas relacionados com a guarda, a conservação e a defesa desses bens.
Não se pode negar que durante a pendência do processo de execução, no lapso que medeia o ato de constrição judicial e a conversão do bem (pela sub-rogação ou pela alienação judicial), podem surgir problemas. E assim, estão a exigir solução, com o escopo de preservar o bem, e até mesmo manter íntegra a sua aptidão de cumprir a função de satisfazer o direito do credor penhorante, numa etapa posterior do procedimento.
Portanto, há que existir alguém legitimado no processo, seja em razão de norma legal assim estipulando, seja por designação do juízo, que tenha o poder-dever de tomar todas as medidas necessárias para a conservação dos bens penhorados (créditos ou direitos patrimoniais do executado junto a terceiros), inclusive para promover demandas judiciais com esta finalidade, quando esta medida se mostrar imprescindível.
Diante do silêncio da lei sobre essa questão, uma das alternativas propostas pela doutrina é a nomeação de um administrador, do mesmo modo que ocorre quando há penhora da empresa ou quando é constituído o usufruto forçado, com o escopo de defender a efetividade do crédito penhorado. [59]
O administrador pode ser um terceiro, ou seja, estranho aos sujeitos ativo e passivo da execução e ao devedor do executado (terceiro em relação ao processo de execução em que se penhora o bem), que seja comprovadamente idôneo e capaz de assumir a responsabilidade pela guarda, defesa e conservação do bem penhorado.
Nada impede, de outro lado, a depender das circunstâncias a serem verificadas em cada caso concreto, que o administrador, com esta incumbência, seja o exeqüente (credor penhorante). Claro, em qualquer hipótese, sob efetiva fiscalização do juízo da execução.