O Caso do Bobolhô
Escrito por Luís Antônio Matias Soares
Domingo, 19 de Dezembro de 2010 10:32
O verdadeiro é semelhante a Deus; não aparece espontaneamente, temos de o adivinhar pelas suas manifestações – Johann Goethe I Vou iniciar essa narrativa explicando o significado do termo “bobolhô”. Este nada mais é do que a junção infantil das palavras bobo e olhou.
Daí, bobolhô. Ou bobo olhou, se quiserem. E bobolhô nada mais é do que uma brincadeira infantil que tínhamos na época em que eu e parte da minha geração éramos moleques, ali por volta dos nossos nove ou dez anos de idade. Vou explicar como funcionava a referida brincadeira: você apontava para um suposto lugar ou pessoa próxima daquela a quem queria “pregar” a peça e dizia: - Olha lá que bacana! Nossa, que interessante...!
Quando a pessoa olhava na direção apontada, começávamos a rir e a dizer em alto e bom som para que todos os colegas ouvissem e rissem conosco: - Bobolhô, bobolhô...
Era mais ou menos assim, suportando – é claro - algumas variáveis. Entretanto, suponho que resquícios desse tipo de jogo infantil costumam permanecer às vezes na “alma” das pessoas, mesmo após terem elas se tornado adultas.
É exatamente isso o que vamos ver nesse caso.
Ninguém me contou essa história. De certo modo aconteceu comigo mesmo na época em que trabalhava na 3ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Nós, servidores de Secretaria, quase sempre nos achávamos assoberbados de trabalho, bem ao contrário do que pensa ou imagina a maior parte dos nossos amigos e parentes.
Houve época, então, em que tínhamos tanto serviço que - além de trabalhar no balcão da Secretaria - ainda ajudávamos os colegas em muitos outros afazeres como, por exemplo, abrir o malote ou dar baixa nos mandados vindos da Diretoria da Secretaria de Mandados Judiciais.
Foi assim que – ao proceder num belo dia à baixa dos referidos mandados no sistema - achei interessante a forma descritivamente literária como escrevia certo oficial de justiça.
Ainda que aquilo fosse apenas uma certidão e guardasse unicamente a função de informar ao Juízo acerca dos fatos acontecidos no cumprimento do respectivo mandado, aquele texto apresentava também alguns aspectos bastante cômicos e curiosos.
Vou procurar reproduzir o que vi registrado na certidão daquele Oficial de Justiça, ainda que compreenda perfeitamente que me falta certa graça e a elegância observada no estilo literário e no texto daquele servidor: Vai abaixo o que li naquela certidão e todo o restante da história.
“Certifico e dou fé que em cumprimento ao r. mandado, compareci ao endereço nele indicado. Chegando à residência do reclamado, permaneci por algum tempo nas imediações buscando ser atendido ou captar a chegada do indivíduo em questão, o senhor Benedito da Silva.
Por três vezes e em horários diferentes, dirigi-me até os portões da vistosa residência e pressionei a campainha sem que obtivesse qualquer resultado. Entretanto - num determinado momento da tarde – vejo a porta da casa se abrir e um homem encaminhar-se a passos rápidos até as grades do portão.
Dirijo-me imediatamente ao seu encontro e me apresento: - Sou Fulano de Tal, Oficial de Justiça do Tribunal Regional do Trabalho e vim proceder à entrega deste Mandado de Citação ao senhor Benedito da Silva. Ele está?
Percebo que o homem se assusta um pouco. Acredito que ele não esperava encontrar um oficial de justiça naquela hora já um tanto tardia.
Mesmo assim segurou o mandado entre as mãos e pôs-se a lê-lo. Quando chegou à parte em que se vê expresso o nome do reclamado imediatamente suspendeu a leitura e declarou o seguinte: - Acho que o senhor cometeu um engano.
Aliás, o mesmo engano que vem cometendo a maior parte dos oficiais de justiça que aqui se dirigem.
Este mandado deve ser entregue ao meu pai, Sr. Benedito da Silva, que é um dos sócios-proprietários da empresa “Deus ordena e eu absolvo”.
Eu também sou Benedito, mas Benedito da Silva Filho.
Aliás, senhor oficial – disse ele finalmente acenando em direção a uma pessoa que supostamente se encontrava às minhas costas e que vinha caminhando em nossa direção – meu pai vem vindo logo ali.
É aquele senhor grisalho e vestido com calça azul e camisa listrada.
Pode entregar o mandado diretamente a ele.
Ao olhar para trás, constatei de fato a presença de um senhor de calça azul e blusa listrada caminhando lentamente pelo passeio público e acenando em nossa direção.
Agradeci ao senhor Benedito da Silva Filho e caminhei na direção de seu pai.
Entretanto, ao me aproximar e me identificar ao homem, este se mostrou muito surpreso e um tanto assustado.
Tirou imediatamente do bolso o seu documento de identidade e me afiançou ser o senhor Fulano de Tal.
Confirmou ainda ser vizinho do senhor Benedito, exatamente aquele homem com quem eu estivera conversando há um segundo e que lhe acenara à distância.
Quando olhei para trás na vã esperança de ainda ter ao meu alcance o verdadeiro Benedito da Silva, o sujeito já havia desaparecido na esquina da rua de baixo.
Diante do acima exposto, devolvo o mandado à origem para novas considerações.
Belo Horizonte, 15 de julho de..., Fulano de Tal, Oficial de Justiça”.
Foram mais ou menos essas as palavras que eu li registradas na certidão daquele Oficial de Justiça.
Fica registrada aqui a nossa homenagem a todos os oficiais e oficialas de justiça que – como modernos Robin Hood’s – suportam a difícil tarefa de realizar na Terra um pouco daquilo que talvez só venhamos a encontrar de fato no Céu: a Justiça e a Igualdade!
Obrigado por publicar um dos meus casos ocorridos em Belo Horizonte com os oficiais de justiça mineiros. Agradeço e lhes desejo um excelente 2011. Abraços. Luís Antônio Matias Soares.
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