Por Alexandre Mesquita
É no Direito hebraico que se tem as primeiras notícias a respeito do exercício de funções que atualmente são atribuídas aos oficiais de justiça. Desde aquela época, passando pelo Direito romano, pelo Direito justiniano, quando os oficiais de justiça tinham nomenclaturas diferentes a depender de sua atribuição específica, muita coisa mudou na atribuição deste profissional.
É fato que em períodos passados, como na época das ordenações, em alguns aspectos os chamados meirinhos, destacavam-se perante os demais membros da população, tratava-se de um posto desejado por todos, que guardava muito respeito e uma importância ímpar, a ponto de ser necessário que os pretendentes ao cargo tivessem seus nomes aprovados pelo Rei de Portugal antes de exercerem suas funções.
Sem o glamour dos tempos de outrora, a figura do oficial de justiça, a despeito de todas as modernas tecnologias, continua a ser de fundamental importância para a realização da Justiça, para a materialização da prestação jurisdicional.
Os oficiais de justiça são os responsáveis por dar efetividade às decisões judiciais. Por intermédio de seu trabalho, concretiza-se a prestação jurisdicional. É pela atuação deste servidor que a sentença deixa de ser uma mera abstração e passa a ter um significado concreto para as partes. Assim, a atuação do oficial de justiça é primordial para que o direito externado na manifestação do Estado Juiz se efetive; sem a participação do longa manus do juiz, estar-se-ia diante de uma mera declaração de direitos que não teria o efeito de satisfazer o jurisdicionado, que deseja a sentença efetivada e não apenas a sua mera publicação. Deste modo, para que se faça justiça, para que se concretize o direito, para que ocorra o exercício pleno da prestação jurisdicional, é preciso que este profissional atue, executando as determinações exaradas nas manifestações judiciais.
Uma mãe não quer que lhe digam que tem o direito de estar com seu filho, quer efetivamente poder estar com ele; um credor não procura o judiciário para ter a certeza do direito a receber o que lhe é devido, quer que lhe seja entregue o que é seu; o proprietário de um imóvel não precisa que lhe digam simplesmente que tem o direito a ter a sua posse, deseja que efetivamente o imóvel lhe seja entregue. Em todos esses casos, e em diversos outros, a participação do oficial de justiça é imprescindível para a efetivação plena da justiça.
É justamente sobre a atuação deste servidor público que se trata este artigo. Não se pretende, contudo, analisar o cumprimento das ordens judiciais em si, ou tecnicismo que envolve a atuação deste profissional no processo, mas, sobretudo, os aspectos e reflexos que derivam de sua função, principalmente aqueles de ordem pessoal, em muitos casos inerentes de forma exclusiva a este servidor.
UMA FROTA DE VEÍCULOS PARTICULARES EM PROL DO ESTADO
Ao contrário de todos os demais servidores públicos federais ou distritais, os oficiais de justiça colocam seus próprios veículos particulares em prol do Estado. Em qualquer outra atividade estatal, o servidor público possui à sua disposição um veículo institucional para trabalhar, em muitos casos têm inclusive um motorista que o acompanha. Com os oficiais de justiça federais, não é assim, fazem uso de seus próprios automóveis, empregando-os no cumprimento dos mandados.
Em muitos casos são obrigados a conduzir testemunhas faltosas, em algumas situações, pessoas com histórico de violência e crimes, em seus próprios veículos, com isso se sujeitam a serem agredidos e terem seus automóveis furtados ou danificados.
Não raro recebem ordens judiciais para fazer o transporte de bens apreendidos em seus próprios veículos, em geral quando a parte não possui condições de fornecer os meios, quando a solicitação vem por carta precatória ou quando o solicitante é o próprio Estado, como nas hipóteses de requerimento do MP.
É fato que no Poder Judiciário da União os oficiais recebem, por força da Lei 8.112, uma indenização de transporte. Todavia, tal indenização de transporte tem como único objetivo o pagamento do combustível gasto, ou seja, não leva em consideração os diversos gastos que o oficial tem quando faz uma utilização profissional de um veiculo.
Como utilizam constantemente seu veículo particular, os oficiais estão muito mais sujeitos a se envolverem em alguns tipos de sinistro, têm um custo muito maior com manutenção, se sujeitam a serem constantemente multados e, mesmo estando em trabalho, não têm nenhum apoio das autoridades de trânsito; sequer possuem direito a estacionar em vagas destinadas a carros oficiais, com isso têm ainda um gasto com estacionamentos particulares quando vão cumprir mandados.
ESTACIONAMENTOS, PEDÁGIOS E CELULARES
Em alguns estacionamos dos próprios Tribunais onde trabalham, não podem sequer parar seus veículos, porque as vagas são destinadas apenas aos servidores do local ou àqueles que possuem funções.
Nas ruas são obrigados a fazer uso de seus aparelhos de celular para tentar contatar e localizar partes, testemunhas, advogados, os cartórios judiciais, os juízes, para pedir alguma orientação a colegas, ou algum auxilio da força policial em emergências, já que não têm aparelhos de telefone institucionais para fazê-lo.
Quando para cumprir os mandados precisam trafegar em rodovias ou estradas onde existam praças de pedágios, são obrigados a pagar as tarifas do próprio bolso, não sendo ressarcido de tais despesas pelo Estado, simplesmente pela inércia do legislador que não prevê tal possibilidade em lei.
UMA PROFISSÃO SOLITÁRIA E ARRISCADA
O oficial de justiça, via de regra, trabalha sozinho, sem o apoio da segurança dos Tribunais, sem apoio da força policial e sem qualquer instrumento que lhe possa garantir a integridade física. Entram diariamente de boa-fé nas casas dos cidadãos, esperando ser recebidos com um tratamento minimamente cortês, contudo, muitas vezes é justamente o contrário que acontece.
Atuam nas ruas, fora da segurança dos gabinetes e longe do conforto dos aparelhos de ar condicionado dos cartórios judiciais, colocam todos os dias suas vidas em risco, nunca sabendo se vão regressar em segurança para seus lares, não importando o mandado a ser cumprido.
Por força de seu mister, vivem constantemente se expondo a risco de morte, a humilhações, a agressões verbais e físicas, a constante estresse. Aqui no Distrito Federal, onde se supõe que estejam um pouco mais seguros, já ocorreram o assassinato de duas oficialas, uma delas morta de forma covarde por um agressor que sabia da fragilidade da oficiala; já houve vários casos de oficiais brutalmente agredidos quando cumpriam diligências, em outras situações o oficial foi mantido em cárcere privado quando cumpria o mandado e mesmo já houveram vários registros de oficiais que tiveram o seu veículo e todos os demais pertences roubados durante a diligência.
Trabalham enfrentando todas as adversidades possíveis, em locais ermos, em comunidades em que a própria polícia tem receio de entrar, em estradas asfaltadas, mas também em locais de difícil acesso, em que localizar um intimando é quase uma aventura, como ocorre em algumas das áreas rurais do Distrito Federal e do entorno.
O DESGASTE EMOCIONAL É UMA CONSTANTE
Infelizmente, a exaustiva rotina de trabalho, as características da profissão e o crescente número de mandados judiciais, faz com que esta categoria tenha um dos maiores índices de atendimento pelo setor de psicossocial dos Tribunais. E mesmo assim, quando apresentam um pedido de licença médica para ser homologado, em algumas vezes são tratados com suspeição.
Em razão de uma atividade extremamente estressante e cansativa, o oficial de justiça dificilmente consegue chegar à aposentadoria sem ser acometido por algum tipo de distúrbio emocional ou físico, distúrbio esse que não só afeta o oficial, mas todos os seus familiares, que, via de regra, são os únicos que estão ao seu lado para lhe dar o necessário afeto, carinho e atenção.
TRABALHAM EM TODOS OS HORÁRIOS
Trabalham nos feriados, fins de semana, em horário noturno, nas madrugadas e em qualquer outro horário em que seja possível dar cumprimento ao mandado judicial.
Quando um oficial de justiça tira férias, entram em licença médica, etc., seus mandados são todos distribuídos para os demais oficiais do setor. O descanso de um oficial implica em sobrecarga de trabalho para os demais. A depender do prazo da licença medica, sequer podem devolver os mandados para redistribuição.
DISCRIMINAÇÃO FORA E DENTRO DOS TRIBUNAIS
Diariamente os oficiais de justiça sofrem agressões verbais de citandos e intimandos, esta é uma constante e decorre das características da própria função. A parte muitas vezes confunde o auxiliar do juízo com um representante de seu ex adverso e, não raro, descontam neste servidor toda sua frustração com o sistema judiciário, como ocorreu com o oficial Márcio Luiz Veras, que, quando cumpria uma ordem judicial em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi brutalmente assassinado pela parte, que posteriormente alegou que não tinha atirado no oficial e sim no “sistema”.
Não obstante esta característica relativa à função, o que mais frustra o oficial de justiça é o fato de serem tratados, muita das vezes, com desdém e desconfiança por seus próprios colegas internos, alguns que inclusive o rotula como servidor privilegiado, o que não é verdade.
Não raro são os casos em que os oficiais precisam conversar com os juízes a respeito de dúvidas relativas à ordem exarada e, simplesmente, têm negado o acesso aos gabinetes. Em outras situações suas declarações, que são revestidas de fé publica, são postas em dúvida ou não são consideradas simplesmente em razão do preconceito de quem as analisam.
É fato que a sobrecarga de trabalhado de tais profissionais aumenta diariamente, à medida que se torna mais fácil o acesso à justiça. Os juizados especiais cíveis e criminais, ao passo que permitiram um amplo acesso do cidadão menos privilegiado à Justiça, significou, ao mesmo tempo, um acréscimo significativo de processos e mandados judiciais, sem que tivesse havido uma ampliação correspondente nos quadros da Justiça.
Por tudo é forçoso reconhecer que o oficial de justiça, definitivamente, não é um servidor privilegiado, o fato de ele não estar submetido a um horário especifico de trabalho, não significa que ele trabalhe menos, se esforce menos que qualquer outro servidor do judiciário lotado nos mais diversos cartórios ou setores dos Tribunais. É preciso valorar o papel de cada integrante do judiciário, desde o magistrado até o auxiliar judiciário, é isso que busca o oficial de justiça, sem a participação de todos não teríamos um sistema jurisdicional reconhecidamente eficiente como é o brasileiro.
Alexandre Dias Mesquita é oficial de justiça federal, servidor do TJDFT, pós graduado em Processo Civil e é presidente da AOJUS/DF.
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