quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sistema judicial americano foi modelo para o brasileiro - Fonte Consultor Jurídico


MODELO FEDERATIVO

Sistema judicial americano foi modelo para o brasileiro

POR SILVIO CÉSAR AROUCK GEMAQUE

O sistema judicial norteamericano está organizado em uma base genuinamente federativa e que não encontrou paralelo no mundo até a sua criação, modelo federativo este que serviu de modelo para diferentes países, inclusive o Brasil.
A federação norte-americana teve como base um regime confederativo que sucedeu à independência da antiga colônia inglesa.

Aos poucos, contudo, percebeu-se a necessidade de dotar um órgão central com poderes a cuidar de assuntos que interessassem ao País como um todo, como a defesa nacional e as relações exteriores, por exemplo.

Assim, criou-se um órgão unitário, conhecido como União, mantendo-se a autonomia dos Estados para cuidar de assuntos administrativos e também legislativos no âmbito local.

Em razão dessa evolução histórica, que privilegiou inicialmente a formação soberana dos Estados, passando aos poucos estes a outorgarem parcela de sua soberania à União, manteve-se um apego forte pela autonomia daqueles, característica que se faz sentir até os dias atuais.

A base desse sistema federativo é a Constituição, resultando do trabalho ingente dos “fundadores da nação”, que estabelece o sistema federativo e a separação dos poderes, entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como forma de garantir a teoria dos “freios e contrapesos”, na medida em que cada um dos poderes compete controlar os demais.

A partir desse modelo federativo é que foi estruturado o sistema judicial dos EUA, com um Poder Judiciário da União ou federal, bem como sistemas judiciais estaduais diversos para os diferentes Estados do país.

Não existe nos EUA, como existe no Brasil, por exemplo, uma Corte nacional de uniformização da interpretação jurisprudencial, admitindo-se que, em regra as questões jurídicas restem decididas pelas Cortes estaduais, em um sistema piramidal similar ao federal e ao de muitos países soberanos. A única maneira de uma questão estadual ser decidida pela Suprema Corte dos EUA, órgão de cúpula do Judiciário, é este Tribunal avocar, através do chamado writ of certiori a causa que entende deva julgar, não havendo regras previamente estabelecidas quanto às questões a ser admitidas, havendo, portanto, grande margem de discricionariedade.

A princípio, tal sistema poderia implicar em críticas, pois não permite, com segurança, a unicidade da interpretação jurisprudencial. Entretanto, se observamos detidamente o fenômeno, verifica-se que ele é genuinamente federativo, respeitando o âmbito autônomo do Poder Judiciário local, restringindo-se as leis federais a questões atinentes propriamente à União e permitindo aos Estados uma ampla gama de assuntos a tratar[1].

A estrutura piramidal do Judiciário[2]:

No ápice da estrutura encontra-se a Suprema Corte do EUA, composta por nove juízes, escolhidos pelo Presidente da República, mediante aprovação do Senado Federal, com investidura vitalícia, “enquanto mantiverem bom comportamento”, sujeitos, portanto, ao processo de impeachment[3]. Uma característica interessante deste Tribunal é que cabe ao Presidente da República a escolha do Chief Justice, a quem compete o papel de administrador da Corte e chefe do Poder Judiciário nacional, exercendo o cargo, enquanto mantido pelo Presidente. Os demais juízes são Associate Justices, mas todos votam igualitariamente nas questões jurídicas.

Na esfera federal, abaixo da Suprema Corte, o País possui 12 Cortes Regionais Federais de Apelação e uma Corte de Apelação para o Circuito Federal, com competência nacional para questões atinentes a patentes, de comércio internacional e de questões atinentes a condenações pecuniárias contra a União. Abaixo das 12 Cortes Regionais Federais de Apelação, existem 94 distritos judiciais, com jurisdição para ouvir questões, em primeira instância, pelo país. Alguns Estados contam com um. Outros com mais de um distrito judicial, como é o caso de Estados como Nova Iorque e Califórnia. O Estado de Nova Iorque, por exemplo, pertence a 2ª região, por exemplo, e Estado da Califórnia à 9ª região. Em cada um desses circuitos, existem algumas Cortes especializadas, como a Corte de Falências. Há também em Washington D.C. uma Corte para questões atinentes a condenações contra a União para pagamento de quantias, com competência nacional.

Existem ainda outros Tribunais, não ligados ao Poder Judiciário, como as Cortes Militares, a Corte de Veteranos, O Tribunal Nacional de Impostos, e diversas agências administrativas.

Os juízes federais são escolhidos pelo Presidente da República, mediante aprovação pelo Senado Federal, atuando enquanto tiverem “bom comportamento no desempenho do cargo”, não havendo limite de idade para o término de exercício[4].

Já os Estados possuem sistemas paralelos de jurisdição, com Cortes de primeira instância, de apelação e Supremas Cortes Estaduais. A escolha dos juízes diverge conforme o Estado. A maioria dos Estados opta pela escolha dos juízes pelo Governador local, mediante aprovação do legislativo local, outros optam pela eleição dos juízes, seja pelo critério partidário ou de nomes individuais. Há ainda Estados, como o Texas, em que o Governador escolhe dos juízes, mas ao término de um mandato, estes precisam ser confirmados nas urnas.

Passemos, agora, à análise do Poder Judiciário do Texas, a servir de modelo dos sistemas judiciais estaduais. No Texas, existe uma Suprema Corte, composta por nove juízes, que detém competência suprema em matéria civil e uma Corte Criminal de Apelação, que detém competência suprema para matérias criminais e composta por nove juízes.

Abaixo dessas Cortes, existem 14 Cortes de Apelação, compostas por 80 Justices. Abaixo dessas Cortes, tem as Cortes Distritais. São 454 cortes, compostas por 454 juízes, sendo 357 distritos contendo um condado e 97 distritos contendo mais de um condado. São Cortes estaduais de julgamento, em matérias gerais e específicas, tais como questões cíveis de como divórcio, títulos de propriedade, contestações de eleições, questões criminais mais graves, questões juvenis e 13 Cortes designadas especialmente para questões criminais específicas.

Existem ainda as Cortes de Julgamento dos condados, com competência jurisdicional limitada. São 504 Cortes, com 504 juízes.

Em regra, atuam em assuntos análogos aos Estaduais, mais menos graves ou menos valiosos. Abaixo dessas Cortes, há as Cortes de Justiça e as Cortes Municipais. São 822 cortes da primeira categoria, com 822 juízes e 915 Cortes Municipais, com 1.490 juízes. A competência das primeiras limita-se a questões civis de pequenas causas, isto é, até US$ 10 mil, questões criminais de menor periculosidade. Já a competência das Cortes Municipais relaciona-se a questões municipais em seu poder de polícia, bem como outras questões estritamente locais, como a de cães perigosos.

Vê-se, portanto, que o Judiciário estadual, no Texas, é bem estruturado, contando com muitos juízes em diferentes áreas, bem como nas várias instâncias, lembrando-se, sempre, que, na grande maioria das vezes, as questões são decididas definitivamente no âmbito estadual.

A maioria dos litígios é de competência da Justiça dos Estados, cabendo à justiça federal o julgamento de causas que interessem à União ou seus funcionários, digam respeito à Constituição Federal dos EUA, à controvérsia entre Estados ou entre os EUA e países estrangeiros[5]. As questões podem ainda ser propostas na justiça federal, se disserem respeito a conflitos entre pessoas de diferentes Estados ou entre cidadãos norte-americanos e estrangeiros. De acordo com a Constituição, as justiças estadual e federal devem reconhecer reciprocamente seus julgamentos, sendo reconhecido, também, pela Constituição a supremacia da lei federal sobre as leis estaduais[6].

Uma realidade é a constante interação entre o Poder Judiciário local e a comunidade, havendo uma série de entidades e ONGs que colaboram com a Corte em diferentes assuntos relacionados ao Judiciário, tais como adoção, recuperação de drogados e ex-detentos, acompanhamento psicológico, etc. Apenas para se ter uma idéia, o Departamento de Supervisão e correção do condado de Dallas conta com um orçamento, para o ano de 2010, de US$ 48 milhões e que supervisiona aproximadamente 55 mil pessoas, contando com aproximadamente 500 pessoas trabalhando, bem como 150 médicos. Há também, em Dallas, um Centro para tratamento, outro para diagnóstico,uma unidade para crimes sexuais, outra para monitoramento eletrônico, uma unidade para proteção de vítimas, etc.

Uma característica importante também é o fato de que a sociedade norte-americana é essencialmente fiscalizadora das atividades particulares, havendo uma grande presença do Estado, principalmente da polícia, em locais públicos. As empresas que se dedicam ao policiamento particular são autorizadas a utilizar armas e identificação policial, como forma de potencializar esse efeito.

Importante notar, por fim, que o número de pessoas presas correspondem a aproximadamente 1% da população do Estado, tendo sido constatado que, na medida em que se aproxima o dia das eleições dos juízes, o número de presos aumenta, diminuindo após as eleições, o que pode ser considerado uma grave falha dos sistema eletivo vigente em alguns Estados, como no Texas.

A estrutura administrativa do Judiciário:

Paralelamente ao sistema judicial propriamente dito, o Judiciário federal possui um organização administrativa complexa, que tem por base a administração central por uma sistema de Conferência Judicial, chefiado pelo Chief of Justice, que preside, ao mesmo tempo, a Suprema Corte, e o órgão de conferência nacional mencionado, responsável, em última instância pela administração nacional do Poder Judiciário Federal. É composta por outros 26 juízes, incluindo os chefes das Cortes de
Apelação, um juiz de cada circuito Regional e o Chief Justice do Tribunal de Comércio Internacional.

Cada vez mais, nos EUA, tem-se entendido que a independência e autonomia do Poder Judiciário dependem de planejamento estratégico e eficiência gerencial quanto ao aumento de processos e controle orçamentário, tendo muita importância o estudo de planejamento de cada Corte e que se devem amoldar aos parâmetros nacionais.

Referida organização tem autonomia em questões orçamentárias, de elaboração de normas processuais, etc., possuindo, ainda, um alto grau de descentralização, que permite às Cortes um planejamento individualizado de suas necessidades e uma maior otimização dos recursos. Compete ainda à Conferência nacional a responsabilidade pela definição do orçamento do Judiciário.

A sede administrativa da administração federal é o Federal Judicial Center, criado em 1967, chefiado pelo Chief of Justice, por sete juízes eleitos pela Conferência Judicial, por um Diretor de assuntos administrativos, tendo como atribuições, dentre outras: promover a educação e o treinamento dos juízes federais, desenvolver educação e treinamento dos servidores das Cortes, promover pesquisas referentes aos processos federais, administração e outros assuntos relacionados à efetividade do Judiciário, promover publicações, manuais videoteipes e outros documentos para a promoção do aprendizado aos juízes federais e pessoal, mantém uma biblioteca e promove intercâmbio com outros Tribunais e outros países.

Vários assuntos são unificados em âmbito federal, sendo que até, como exemplo, o design dos mais de 750 prédios do Judiciário espalhados pelo País devem seguir uma padronização arquitetônica, de mobiliários, etc., conforme do United States Courts Design Guide.

A segurança dos diversos prédios, bem como dos respectivos juízes, são garantidos pelo United States Marshals Service, que é um órgão do Departamento da Justiça.

O sistema de informatização de processos no âmbito federal iniciou-se em 1975, sendo atualmente estruturado em um sistema que tem por base a informatização de todos os autos de processo, de acordo com um software de aplicação nacional, que permite às Cortes o manejo de seus processos, informação ao público em geral, também realizada pelo Federal Judicial Center, acesso pela Internet, traduzindo-se, em maior eficiência e efetividade. Permite também uma interconexão entre as diferentes Cortes Federais, através do Data Communications Network. O Federal Judicial Center também criou um sistema de intranet , que possibilita a publicação e a troca de informações de assuntos e documentos de interesse interno. A tecnologia de informação (information technology – IT) baseia-se em um programa desenvolvido, em âmbito nacional, de acordo com o Long Range Plan for Information Technology in the Federal Judiciary, que é atualizado anualmente com input das diversas Cortes e aprovado pela Conferência Judicial, conforme as recomendações de uns dos comitês desta Conferência, ou seja, o comitê de tecnologia de informação.

Outro tópico importante, em matéria administrativa, refere-se aos mecanismos de disciplina. Compete ao Chief of Justice de cada Corte de Apelação o encargo de processar reclamações administrativas, podendo indeferir liminarmente as manifestamente improcedentes e as que disserem respeito ao mérito da questão judicial decidida. Se ele não retirar a questão, aponta um comitê especial de investigação que prepara um relatório escrito com recomendações ao Conselho Judicial do Circuito, que pode promover até o afastamento do juiz, dentre outras medidas. Já se o Conselho entender que o juiz praticou um crime, encaminha o caso para a Conferência Judicial, que pode encaminhar o caso para o Congresso a fim de promoção de eventual processo de impeachment, sem embargo de eventual encaminhamento para o Departamento de Justiça, se houver crime.

Existe ainda um sistema informal de acompanhamento administrativo, que conta com publicação das decisões dos juízes, participação da mídia, etc.

O juiz Lloyd D. George, em artigo sobre o tema, alude a dois importantes exemplos de como são importantes as contribuições do sistema administrativo e de como elas influenciam a independência do Poder Judiciário nos EUA. O primeiro deles refere-se ao acompanhamento que se faz, através de comitês criados para este fim, pela Conferência Judicial, de projetos de lei do Congresso Nacional a respeito do Judiciário. Referidos comitês, que utilizam pessoal e material fornecidos pelo Central do Poder Judiciário Federal, que é o braço administrativo do Poder Judiciário Federal, avaliando todos os aspectos da legislação a ser criada e principalmente seu impacto nas Cortes Federais. Referidos comitês submetem suas conclusões à Conferência Judicial que, uma vez aprovando as conclusões, informa o Congresso, o qual geralmente leva em consideração tais proposições[7].

Outro exemplo refere-se à elaboração de projetos de lei, que se inicia nos comitês designados pela Conferência Judicial, que recebem estudos e pareceres de inúmeros juízes, advogados, etc., encaminhados eventualmente à Conferência Judicial e então, uma vez aprovados, encaminhados à Suprema Corte para revisão e aprovação. Se ambas aprovarem, o projeto é então encaminhado ao Congresso Nacional, o qual poderá transformar tais proposições em lei[8].

Características específicas do processo no sistema judicial norte-americano:

O processo norte-americano é “advserarial”, sistema em que recai sobre os litigantes a responsabilidade pela apresentação de suas pretensões diante de um julgador neutro. O trabalho de colheita das provas e preparação do julgamento é realizado pelos litigantes, não pelo juiz. Prevalece, também, o julgamento da matéria fática, tanto em causas civis como penais, pelo júri. O júri civil é composto de 6 a 12 pessoas e o criminal, a partir de 12 pessoas, podendo chegar, no caso do grande júri, de 16 a 23 membros.

Uma característica é a prevalência do sistema da common law, em que a lei surge do que os Tribunais interpretam, muito mais do que esteja fixado pelas leis. Ainda que tenha aumentado o papel dos “estatutos” ou normas legislativas nos EUA, essas continuam a serem interpretadas pelas Cortes. A ferramenta básica da common law é o precedente, em que o juiz fica jungido ao que já tiver sido julgado anteriormente por uma Corte e que estabeleceu um princípio resultante da sucessão histórica de decisões e que possa ser usado em casos posteriores e similares. Os princípios da common law podem ser revogados ou modificados pela legislação subseqüente, mas a legislação está submetida à interpretação judicial segundo a metodologia da common law. Como são muito importantes os precedentes, existem diversos instrumentos de publicação de decisões de Tribunais, a permitir o pronto acesso de todos. Muitas áreas do direito são atualmente reguladas por leis ou estatutos, mas todas essas leis são interpretadas conforme esses precedentes estabelecidos pelas Cortes.

Há ainda, no direito norte-americano, o poder de o próprio Judiciário, conforme o Rules Enabling Act of 1934, estabelecer normas processuais referentes à colheita de provas. De acordo com esse poder, o Judiciário estabeleceu normas federais sobre provas, sobre questões civis, criminais, falências e procedimento de apelação. Essas normas são elaboradas por um comitê de juízes, advogados e professores, designados pelo Chief of Justice. São publicadas nacionalmente e aprovadas pela Conferência Judicial dos EUA e promulgadas pela Suprema Corte. Essas normas tornam-se, a não ser que o Congresso as rejeite ou modifique.

Os casos civis iniciam-se com uma petição inicial, como no direito brasileiro, seguindo-se basicamente um método parecido de respostas, etc.

Há, contudo, algumas características específicas do direito norte-americano. A primeira delas é o discovery, em que um litigante deve fornecer ao outro informações sobre a questão submetida a julgamento, tais como identidade de testemunhas, cópias de documentos relacionados ao caso, etc. O propósito disso é preparar o julgamento e prevenir surpresas, sendo que o procedimento é realizado pelas partes sob a supervisão cautelosa e neutra do juiz. Há a deposition, ou seja, depoimento, em que a testemunha é chamada a falar sobre o que sabe sobre determinado caso, seguindo-se o método do cross examination para a elaboração de perguntas. Há, também, o interrogatory, que é uma questão elaborada na forma escrita e encaminhada de uma parte à outra para ser respondida sob juramento. Existe, ainda, a motions ou pedidos formulados à Corte para que siga um determinado caminho, ao invés de outro, como a motion to dismiss, espécie de rejeição liminar do pedido, quando este não encontra o menor amparo na legislação.

Os juízes costumam proceder a reuniões ou conferências com as partes e também costumam encaminhar a questão a um mediador para facilitar o julgamento. Existem inúmeros escritórios especializados nesses tipos de acordo, utilizando-se muito a mediação, a conciliação e a arbitragem. Pelo primeiro, entende-se a participação de um terceiro, que atua colaborando no encontro de uma solução consensual. A conciliação é o resultado do processo, que se consubstancia no acordo ou settlement e a arbitragem estabelece-se com base em um acordo que outorga a um terceiro a solução definitiva da questão, que passa a ter força de lei entre as partes.

Se não há acordo, encaminha-se o caso ao júri, a não ser que as partes conjuntamente dispensem o julgamento pelo júri, hipótese em que caberá o juiz singular o julgamento de toda a matéria. Caso contrário, o caso é encaminhado ao júri, que após minuciosa explicação do juiz, promove, primeiro, a definição da matéria objeto de discussão e, em outra oportunidade, o julgamento da causa.

Já os casos criminais são apresentados sempre por um oficial público, representado pelo promotor, que age em nome do Departamento de Justiça. O tipo de crime define o procedimento a ser seguido. Existem três tipos de crimes: Felony, misdemeanor ou petty offenses. O primeiro é uma categoria de crime mais grave e punido com pena maior do que um ano de prisão. O segundo é punido com pena de até um ano. E o terceiro, punido com pena de até seis meses de prisão.

Após a prisão, funciona um sistema de pré julgamento ou pretrial, sendo que as informações obtidas por esse serviço servirão para ajudar o juiz a decidir pela colocação ou não em liberdade antes do julgamento. Em uma fase inicial, o juiz, geralmente um magistrate judge, ouve o acusado e determina se há ou não uma causa provável ou “probable cause”. A quem não puder arcar com a contratação de um advogado, o Estado fornece um.

Já o Felony só pode ser analisado, mesmo nos estágios iniciais, por um grande júri, que revê as provas amealhadas e decide se há ou não causa provável.

Na maior parte do julgamento, ou seja, em 90% dos casos, os réus preferem realizar o chamado plea bargain com a acusação, obtendo uma pena a ser designada pelo juiz e menor do que aquela que obteria caso se submetesse a julgamento. Há também a mesma fase de Discovery do processo civil, com algumas nuances que limitam sua utilização diante a fim de proteger a identidade de informantes e testemunhas.

Tal como em nosso processo, à acusação cabe a comprovação dos fatos ou beyond a reasonable doubt. Se o réu não é declarado inocente, e o Estado não pode apelar, mas a defesa pode apelar sempre. A acusação pode apelar da pena aplicada, que segue um padrão aprovado nacionalmente pela Setencing Commission e que estabelece categorias de pena, segundo as condições subjetivas do condenado e a gravidade do crime, havendo 43 níveis de crime e seis categorias de históricos criminais, em que se analisa o autor do fato e seu entorno.

Em caso de apelação, a questão é revista por outra Corte, composta de vários juízes, que se reúnem em panel. A Corte de apelação não produz novas provas, mas pode determinar que a Corte inferior o faça. Os argumentos são escritos, mas em muitos casos são também apresentados oralmente diante da Corte, pelo prazo de 15 minutos, em que os julgadores também participam da discussão, de maneira muito mais iterativa do que a sustentação oral do direito brasileiro. A decisão é apresentada por escrito e o juiz dissidente pode apresentar o voto em separado.

Conclusões:

O estudo do sistema judicial norte-americano é muito importante para servir como paradigma ao nosso sistema, principalmente na atual fase histórica em que vive o Poder Judiciário brasileiro, em que tantas cobranças da sociedade são feitas principalmente em razão do acentuado volume de processos em andamento.

Pode-se notar que o Poder Judiciário dos EUA modernizou-se acentuadamente nas últimas três décadas para enfrentar o crescente número de processos. Para isso contou com uma estrutura organizada no plano federal e também estadual, bem como com o engajamento dos juízes e um volume de recursos públicos considerável.

Se por um lado, vários aspectos sociológicos diferenciem o sistema brasileiro do norte-americano, por outro, é forçoso concluir que os problemas que enfrentaram e ainda enfrentam por lá são, em muito semelhantes, aos que se vivencia no Brasil. Uma das ferramentas mais importantes que utilizaram para enfrentar os problemas foi a introdução de idéias e concepções próprias da iniciativa privada para a solução de questões práticas, sem descurar da independência e autonomia do Poder, sempre valorizando a atividade-fim, qual seja o juiz e sua função de julgar.

Referências bibliográficas

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, Ed. Martins Fontes, 2002.

DUFF, James C. The Federal Court System in The United States – An introduction for Judges and Judicial Administrators in Other
Countries.

GELDART, Willian. Geldart, Introduction to English Law, Oxford University Press, NY.

GEORGE, Honorable Lloyd D, Administrative Structure of the Federal Courts in the United States.

MAXWELL, Lawrence R, Selected Materials Regarding the Collaborative Dispute Resolution Process “collaborative law”, Dallas, 2009.

RAMOS, João Gualberto Garcez Ramos, Curso de Processo Penal norte-americano, RT, SP, 2006.
[1] Como exemplos dessa autonomia estadual, citem-se as diferentes idades para dirigir nos diferentes Estados, a admissão da pena de morte em uns e não em outros, os estatutos de direito de família, etc.
[2] Muitos dos dados foram obtidos na monografia The Federal Court System in The United States – An introduction for Judges and Judicial Administrators in Other Countries, de James C. Duff, Director of the US. Courts.
[3] Não há necessidade de os juízes escolhidos serem juristas, mas na grande maioria dos casos os escolhidos têm recaído em profissionais com experiência no direito, notadamente juízes de Cortes de Apelação inferiores e, na minoria dos casos, em políticos. Percebe-se uma diminuição gradativa das escolhas somente políticas, preferindo-se um misto de escolhas técnicas e políticas para a Cortes.
[4] Uma curiosidade do sistema norte-americano é o fato de que juízes aposentados são, muita vez, aproveitados para o exercício de funções judicantes, como é o caso, da juíza aposentada da Suprema Corte, Sandra O’connor, que atua atualmente como juíza em uma Corte de Apelação.
[5] Duff, James C. The Federal Court System in The United States – An introduction for Judges and Judicial Administrators in Other Countries, p. 16.
[6] Ibdid., ibidem.
[7] H. Lloyd D. George, Administrative Sturcture of the Federal Courts in the United States, p. 8.
[8] Ibid, ibidem.

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