O Sufoco de Marco Aurélio
- Levi Herberth*
Depois de penhorar o telefone indicado no mandado, Marco Aurélio tentou - sem sucesso - encontrar o executado para intimá-lo do feito. Foram tantas as diligências para localizar o dito cujo que o oficial resolveu jogar duro.
- Se o homem era candidato a deputado estadual e estava em plena campanha (conforme lhe disseram) ele teria que ser abordado de manhã bem cedo. Com certeza dormiria em casa. Candidato em época de eleição não dorme em outras camas - deduziu brilhantemente o nosso Sherlock.
Às seis e trinta da matina estava Marco Aurélio tocando campainha da residência do executado/candidato. Uma adolescente, em traje escolar, abriu a porta, confirmou que o intimando se encontrava - viva! -, disse que iria chamá-lo, mandou o oficial sentar no sofá, fechou a porta e desapareceu.
Vivalma não aparecia naquela sala de estar há, aproximadamente, trinta minutos, quando, então, surgiu uma moça muda para fazer companhia ao Marco. Ele perguntou pelo dono da casa e ela, através de gestos sutis e sons altos dava seu recado: as duas mãos juntas e coladas ao rosto, acompanhados de um ronco gutural, ajudavam a muda a informar que o executado ainda dormia e que, apesar do oficial insistir, não iria acordá-lo.
Como ouvia vozes nos outros cômodos da casa, Marco Aurélio se levantou e quando pensou em adentrar um pouco mais no seu interior, entreviu, de soslaio, um senhora, en passant, em trajes sumários. Ela não o percebeu e ele resolveu sentar, de novo, no sofá e ver que bicho dava.
E o bicho deu. Kafka não imaginaria melhor. Irrompeu no recinto, aos gritos, uma criança portadora da síndrome de Down. A muda ao vê-la, gritou alegremente e a colocou no colo. Marco Aurélio enquanto assistia ao "upa, upa, cavalinho" desconcertante, planejou ir embora. Tentou a fechadura mas a mesma não cedeu. A porta estava fechada.
Marco Aurélio gritou para o interior da casa. Ninguém respondia. Resolveu esperar para ver se desengrossava (já tinha mais de duas horas naquele local). Eis que subitamente adentra no recinto uma senhora e o oficial de justiça a ela se dirige, comunicando o descaso com que foi recebido naquela casa. Exige que o executado compareça imediatamente a sua presença sob pena do telefone penhorado ser desativado à revelia. Ato contínuo, chega o intimando. Bem asseado e alimentado, indagando enquanto assinava a intimação:
- Mas rapaz! Por que você não mandou me chamar antes? Eu já estava de saída quando me avisaram. Mas, diga-me o seguinte: você já tem candidato a deputado?
* Levi Herberth, Oficial de Justiça da 6ª Vara Federal/RN
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