sábado, 13 de novembro de 2010

Servidor não pode criticar órgão em blog pessoal - Fonte Consultor Jurídico



Servidor não pode criticar órgão em blog pessoal


POR VLADIMIR PASSOS DE FREITAS


A imprensa noticiou, em 27 de outubro passado, que no Rio de Janeiro foram impostas sanções a servidores públicos, sob o título “Policiais são punidos por comentários no Twitter” (Estado de SP, 27.10.2010, C4).


Informa a reportagem que um capitão da Polícia Militar teria sofrido 20 dias de prisão por ter comentado no Twitter sua nomeação para determinado cargo na corporação e que, segundo o Comando da PM fluminense, teria conteúdo irônico e depreciativo sobre ato legal da corporação. Também um delegado da Polícia Civil teria sido removido para um cargo sem importância por defender eleições para a escolha do chefe da Polícia Civil.


Os dois casos são de grande interesse, porque revelam a dificuldade existente em regular algo tão novo como o uso da internet, com reflexos no serviço público. Pessoalmente, sem avançar em qualquer consideração sobre o caso dos policiais do RJ, cujos detalhes desconheço, farei algumas considerações.


A internet, com as suas múltiplas facetas, representa um mundo novo. Uma mudança de hábitos e costumes talvez mais intensa do que a criação da imprensa, por Johannes Guttemberg, no século XV. As comunicações são instantâneas, superam barreiras geográficas, tudo se sabe em tempo real. Por exemplo, do meu escritório posso saber todos os estudos sobre Cortes Tribais (indígenas) dos Estados Unidos.[1]


Ocorre que este novo mundo chegou rápido demais. E o experiente advogado, forjado nas petições impressas, na forma reconhecida e nos termos em latim, de repente se vê obrigado a adotar a assinatura eletrônica, ler acórdãos na internet e receber mensagens extremamente informais de pretensos estagiários.


Um caso judicial simboliza esta mudança de hábitos e merecerá um dia análise em trabalhos acadêmicos. Refiro-me a um mandado de segurança em que fui a autoridade coatora, impetrado por um antigo advogado de Porto Alegre, que contestava a obrigatoriedade de entrar no Juizado Especial Federal com petições eletrônicas. Como exigir de um profissional que mudasse seu comportamento, seus hábitos, sua forma de conduzir-se profissionalmente? Mas, por outro lado, como admitir que as petições seguissem sendo impressas, quando todo o sistema estava preparado para a modernidade do processo digital? Quase a pedir desculpas, sustentei a decisão administrativa, como presidente do TRF-4. A corte, por maioria, denegou a segurança.


Na verdade, seja qual for a profissão do operador jurídico, àqueles que não se adaptam a este novo mundo só resta um caminho: a aposentadoria, podendo dedicar-se a outros assuntos também importantes, como a família, leitura ou serviços sociais.


Por outro lado, a explosão de informações e novidades deixa-nos perplexos diante das situações novas que surgem a cada dia. Não temos regras nem sabemos como proceder diante desta era da comunicação virtual. Que fazer com sites que exibem cenas de menores transando? Como proceder diante de mensagens eletrônicas que, sob o manto do anonimato, atacam a tudo e a todos de forma irresponsável? Quais os limites para o acesso às redes da internet em hora e local de trabalho?


É infração administrativa um servidor ofender um colega publicamente na lista de sua classe?


Estas e outras tantas são perguntas que não têm respostas prontas. Exigem estudo, meditação, amadurecimento.


A primeira observação é que o artigo 5º da Constituição Federal, no inciso IV, afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e, no inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.


Estão estes incisos a autorizar críticas à repartição do denunciante?


A liberdade de expressão existe e isso é muito bom. Claro. Sem ela, manietada a mídia, acovardadas as pessoas, teríamos campo livre para a verdade única das ditaduras. Mas regras de proteção constitucional não significam o poder tudo. Por exemplo, apesar de proibida a censura, nada impede que a lei regule o acesso a filmes, classificando-os por faixas etárias.


No caso de servidores públicos federais, a Lei 8.027/1990, no artigo 116, inciso II, estabelece como um dever “ser leal às instituições a que servir”. Disto se segue que um servidor ou um agente político (v.g., um magistrado) encontra limites na sua liberdade de expressão.


Na mídia eletrônica, uma notícia se propaga imediata e velozmente, replicando-se em sites diversos. Uma denúncia, verdadeira ou não, pode acarretar resultados de difícil mensuração a partir do momento em que é divulgada.


Imagine-se um tresloucado servidor, bem ou mal intencionado, atribuir a um ministro do STF a condição de corrupto. Divulgado o fato, o efeito, altamente danoso, ocorrerá por si só. Vítima não será apenas o magistrado acusado, mas todo o sistema judicial, porque milhares de brasileiros concluirão que não se pode confiar na Suprema Corte. E isto é péssimo para a democracia, péssimo para o Brasil.


Então, qual o tratamento a ser dado a quem se vale das redes sociais de comunicação em Twitter ou blogs pessoais para atingir terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, instituições públicas ou privadas?


Em termos gerais e sem qualquer alusão aos casos noticiados na imprensa, não vejo como direito do servidor público, seja qual for a categoria, o de emitir opiniões críticas ao órgão a que pertence em qualquer dos veículos de comunicação eletrônica.


É preciso que haja um equilíbrio nos interesses em jogo e a ofensa ou a ironia, tornadas públicas nas modernas e múltiplas redes de comunicação virtual, em nada contribuem para o crescimento e o respeito pelos órgãos ou pessoas que os dirigem. O inconformismo de alguns, que pode muitas vezes ter justificativas, deve ser direcionado aos canais adequados (v.g., representação na esfera administrativa ou ação judicial). Não, porém, tornando pessoal a controvérsia e expondo a administração ao descrédito.


Assim, a meu ver, para os excessos que transbordem do inconformismo usual, aplica-se o estatuto do servidor público ou a lei especial, se existente, para determinada carreira. Se outro for o entendimento, estaremos admitindo a quebra total da hierarquia administrativa com consequências imprevisíveis.

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