"O foro privilegiado é porta para a impunidade"
Para promotor, ainda há entraves que levam à lentidão nos processos, como exigência de citação e excesso de recursos
23 de agosto de 2010 | 0h 00
Fausto Macedo, Bruno Tavares - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA - Silvio Marques, promotor do Ministério Público de São Paulo
Aos 18 anos, ela precisa mudar. Artífice do Ministério Público na batalha contra políticos e administradores sob suspeita de enriquecimento ilícito e desvio de recursos do Tesouro, a Lei de Improbidade Administrativa esbarra na morosidade da Justiça e se revela insuficiente para levar os réus ao veredicto final. "Existem vários problemas que precisam ser superados, especialmente com relação ao processo, que é muito demorado por imposições do Congresso", alerta o promotor Silvio Antonio Marques.
Ao Estado, disse que a lei continua sendo forte aliada, mas sugere alterações no texto para suplantar artimanhas de acusados que contam com os préstimos de bacharéis contratados a peso de ouro.
O que tem de mudar?
Em 2001, o governo editou medida provisória e o Congresso aprovou uma alteração fundamental da Lei 8.429. Incluíram no texto previsão que obriga a Justiça a notificar os acusados, antes da ação, para que se manifestem acerca da acusação contida na petição inicial do Ministério Público. Somente depois da notificação é que o juiz pode decidir pela abertura ou não do processo. Leva tempo demais a execução desse procedimento.
Cite um caso concreto.
Em 2004, propusemos ação contra o ex-prefeito Paulo Maluf (1993-1996) por remessa de valores para a Suíça (Maluf nega). Só agora a ação está ingressando na fase de citação de todos os acusados. A citação não pode ser feita sem que se formalize a notificação. Esse ritual prejudica o resultado das ações. E prejudica também o processado que é inocente porque fica anos a fio sob suspeita. É ruim.
O que essa demora causa?
Há testemunhas que esquecem os fatos; algumas morrem no curso do processo. Há casos em que réus também morrem no meio da ação. Um exemplo é o Pitta (ex-prefeito Celso Pitta). Isso leva à impunidade ou mesmo à extinção do feito antes mesmo de o processo ser julgado. O problema é que as leis são feitas por políticos que têm interesse nesse tipo de situação. Infelizmente, só vamos atingir um grau de desenvolvimento quando a classe política for mais responsável.
O superpromotor americano Adam Kaufmann, que atua em Nova York contra o colarinho branco, se disse impressionado com o fato de ações no Brasil se arrastarem por até 20 anos...
Kaufmann tem toda a razão. Por exemplo: é mais fácil quebrar sigilo bancário no exterior. Como se não bastasse o procedimento, que é absolutamente emperrado, ainda existe a atuação de advogados que agem para atrasar o processo para que não transite em julgado.
Sente-se frustrado?
De forma nenhuma. Apesar dos entraves, os resultados estão aí. O Brasil é o único país que tem legislação avançada para coibir a impunidade.
Dezoito anos da lei de improbidade... O que deve mudar?
A lei é forte, mas merece reparos. Primeiro, enxugar o procedimento. Deixá-lo mais célere. Segundo, aumentar o prazo de prescrição, que hoje é de apenas 5 anos. Tem administrador que fica 8 anos no cargo. Quando ele sai, é difícil obter as provas. O tempo para investigar é excessivamente curto. O MP só pode propor ação até 5 anos após o encerramento do mandato para cargos eletivos e comissionados. O prazo de prescrição deve ser mais elástico.
Isso basta?
Seria muito importante dar a delação premiada. Não se pode fazer acordo nos casos de improbidade, só no crime. Então, que haja possibilidade de beneficiar aqueles que colaboram com a investigação, revelando autorias e trajetória de valores.
E o foro privilegiado para políticos. Qual a sua avaliação?
É uma porta aberta para a impunidade.Os dados oficiais mostram que a atuação dos tribunais superiores nessa área é absolutamente insignificante em termos de processos abertos. O foro privilegiado é nocivo ao interesse público.
QUEM É
Promotor de justiça desde 1991, há 15 anos caça gestores que se apropriam de vantagens ilícitas. Embarca nesta quarta-feira para um curso na Sorbonne (França) sobre cooperação jurídica. Quando retornar, esperam por ele 150 inquéritos - e todos tratam de violações aos princípios do artigo 37 da Constituição - moralidade, economicidade, honestidade.
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