'Corporativismo ameaça confiança na Justiça'
Para Vilhena, liminares do STF foram 'nocivas ao País' e descumprem a Constituição, que dá 'plenos poderes ao CNJ'
25 de dezembro de 2011 | 3h 05
VANNILDO MENDES / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
O constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, considera "equivocadas" e "nocivas ao País" as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitam os poderes de Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e suspendem as investigações contra juízes em 22 tribunais do País. "Essa posição corporativa causa insegurança jurídica e põe em risco ainda mais a confiança da sociedade na Justiça", afirmou. Em entrevista ao Estado, ele defendeu a atuação da corregedora nacional do CNJ, Eliana Calmon. "Ela está correta em não abrir mão de princípios e zelar pela ética e moralidade no Judiciário."
Em duas decisões recentes, o STF considerou que o CNJ está extrapolando suas funções e podou seu poder de correição. Quem está com a razão?
A polêmica confirma que o CNJ é mais que necessário ao Brasil. Sua construção foi um acerto para a consolidação do estado de direito democrático no Brasil. Nos regimes democráticos não pode haver nenhum poder que não esteja sujeito a controle. A criação foi tardia, mas o CNJ estreou com a contundência que deve ter. Vem desempenhando bem suas três funções essenciais: supervisão sobre a produção e produtividade da Justiça; planejamento operacional e administrativo do Judiciário; e correição interna.
Por que a reação tão hostil contra o CNJ, não só das entidades corporativas, mas de integrantes do STF, que deveriam zelar por sua eficácia?
Na aferição que a FGV faz sobre o índice de confiança da população nas instituições, é alto o índice de desconfiança na Justiça. A imagem do poder está associada a antigas mazelas, como a morosidade nas decisões e a percepção de que a Justiça não aplica a lei de forma igual para todos. O CNJ veio contribuir para a superação dessas deficiências. Essa posição corporativa do STF põe em risco ainda mais a confiança da sociedade na Justiça. Há uma crise geral de desconfiança. O CNJ surpreendeu positivamente. Muitos não acreditavam que sua atuação fosse tão contundente. As pressões corporativas são previsíveis. A questão é saber se o STF vai sucumbir às pressões ou se vai confirmar a Constituição, que dá plenos poderes de correição ao CNJ.
A ministra Eliana Calmon é acusada de cometer excessos no exercício da função de corregedora. O sr. concorda?
O antecessor dela, ministro Gilson Dipp, foi altamente contundente nas ações. Teve atuação marcante na correção das irregularidades do caótico sistema prisional brasileiro e não poupou magistrados relapsos. Ela nada mais faz do que dar continuidade a essa linha. Talvez ela tenha um estilo mais duro e mais presente na mídia. Mas está correta em não abrir mão de princípios e zelar pela ética e moralidade no Judiciário. É preciso lembrar que o CNJ não se reduz ao corregedor. O CNJ tem um colegiado. Quando faz algo, reflete o pensamento coletivo.
Como o sr. avalia a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, na véspera do recesso, de conceder uma liminar que reduz o poder do CNJ de investigar juízes?
A decisão do ministro é muito equivocada. A Constituição Federal quis criar um órgão que faça suas apurações com autonomia, sem tirar as competências das corregedorias dos Estados. A lógica é criar uma concorrência, uma força de competição virtuosa, em que a sociedade é quem ganha. Mas a decisão do ministro inviabilizou essa competição e favoreceu o corporativismo do Judiciário.
Por ter suposto interesse pessoal no tema, pois teria sido beneficiado por um pagamento de atrasados de auxílio-moradia pelo Tribunal de São Paulo quando era desembargador, o ministro Ricardo Lewandowski deveria se declarar impedido?
Se ele estava sendo objeto de investigação, o que não está claro para mim, deveria ter se declarado impedido de julgar a liminar.
Diante da manifestação do presidente do Supremo, Cezar Peluso, de que o CNJ não teria competência para investigar os ministros da Corte, como se exercerá o controle sobre o próprio STF?
Todos os países democráticos têm esse dilema: quem dá a última palavra? Quem guarda os guardiões? O que o CNJ criou foi uma concorrência de guardiões. Ao rejeitar qualquer controle externo de suas ações, o STF fica numa situação mais vulnerável. Nos outros países, como os Estados Unidos e a Alemanha, os tribunais superiores só se manifestam por meio dos seus colegiados. Mas, no Brasil, 95% das decisões do STF são monocráticas. O Supremo, em regra, não age como tribunal. São 11 juízes dando decisões individuais sobre assuntos que impactam a vida de toda a sociedade.
Essa postura pode afetar ainda mais a credibilidade da justiça?
Os dois casos recentes que geraram essa crise são fruto de liminares individuais. A garantia de que uma decisão é imparcial é quando ela é colegiada. As decisões monocráticas do STF são fonte permanente de polêmicas e crises como esta. Não é adequado à corte constitucional tomar decisões relevantes de forma monocrática. Isso gera insegurança. É ruim para a sociedade.
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