sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Delegado reage contra juíza que mandou oficial de justiça dar ordens a ele - Fonte Portal Nacional dos Delegados

Delegado reage contra juíza que mandou oficial de justiça dar ordens a ele

Qua, 28 de Dezembro de 2011 01:02

Os delegados de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul não aceitam determinações judiciais para que oficiais de justiça requisitem delegados com o fim de exercerem atividades estranhas às atribuições do cargo de autoridade policial. Da mesma forma não aceitam requisições de seus trabalhos para encaminhar presos custodiados e à disposição da justiça.

Foi o que destacou o delegado Rafael Soccol Sobreiro que, não acatando a decisão judicial de uma magistrada do interior gaúcho, repudiou a julgadora através de ofício em que negou cumprimento às ordens que, segundo ele, não possuíam amparo legal, pois não existe lei que obrigue o delegado de polícia aceitar ordens de oficial de justiça.

Veja abaixo o ofício da lavra do delegado Rafael Soccol Sobreiro, uma verdadeira obra jurídica que deve ser estudada e guardada na memória dos operadores do direito que militam na seara criminal.

Excelentíssima Senhora 
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 
DD Juíza de Direito.

Meritíssima Juíza: 

Acuso o recebimento do vosso Ofício Circ. Gab. nº 154/2011, cujo teor causou espécie nesta Autoridade Policial. No entanto, aproveito o ensejo para solicitar seja informado ao signatário qual o dispositivo legal que concede autorização (poder) aos Oficiais de Justiça para requisição de auxílio ou acompanhamento policial, independentemente de ofício do Juízo.

Isso porque, como se sabe, a administração pública, por todos os seus Poderes, rege-se pelo princípio da legalidade estrita, de sorte que o servidor público somente pode fazer aquilo que a lei lhe autorize expressamente e, mais do que isso, eventual responsabilização pessoal por delito de desobediência, conforme dispõe o art. 330 do Código Penal, exige que o autor da conduta desobedeça à ordem LEGAL (elementar do tipo) de funcionário público, motivo pelo qual impende seja informado o dispositivo de lei que dá poder ao Oficial de Justiça para requisitar acompanhamento policial direta e informalmente.

Assim, eventual exercício de função não prevista em lei, por meio de requisição de agente sem atribuição para tal, poderia configurar abuso de autoridade. A propósito, dispõe o art. 662 do CPC que “Sempre que necessário, o juiz requisitará força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem”. De igual forma, os artigos 362, 445, inciso III, 461, §5º, 579, 825, parágrafo único, todos do CPC, que fazem referência à requisição por parte do juiz à autoridade policial, em casos de resistência ou extrema necessidade. Aliás, os artigos 140 a 144 do CPC, aplicados subsidiariamente ao CPP, nada mencionam sobre o citado poder requisitório de oficiais de justiça. De semelhante teor são os dispositivos do CPP, que dispõe especialmente sobre o auxilio da força pública para condução de testemunhas.

Em sendo assim, como bem explica o manual do oficialato do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, “Quando o oficial de justiça for impedido pelo devedor de adentrar a residência para penhorar ou relacionar os bens (art. 659, § 3º do CPC), deverá solicitar por escrito ao juiz a requisição de força pública” (disponível em http://tjsc25.tjsc.jus.br/academia/arquivos/oficialato_justica_carlos_augusto_wehle_n2.pdf, acesso no dia 22 de dezembro de 2011, às 16h12min).

Não se confunda, dessa forma, poder de polícia, com poder de requisição, pois este é decorrente de expressa previsão legal, ao passo que aquele é dado a qualquer agente público com poder de fiscalização e decorre da própria lógica da administração pública. A vigorar entendimento diverso, defendido pela nobre Juíza, um soldado da Brigada Militar, um fiscal sanitário, ou um fiscal de trânsito municipal também teriam poder de requisição sobre a Autoridade Policial, sobre o Membro do Ministério Público e inclusive sobre o Magistrado (ainda que ministro presidente do STF), visto que todos são agentes públicos e possuem poder de polícia. Com efeito, os conceitos de solicitação, requisição e colaboração não se confundem.

De qualquer sorte, cumpre informá-la de que, na Delegacia de Polícia de Casca, há apenas dois agentes policiais em efetivo exercício, sendo que o órgão possui circunscrição em quatro municípios, os quais somam mais de 500Km2, ou seja, proporcionalmente, há meio agente para cada município, ou um agente para cada 250Km2 (quando um deles não está de férias ou licença). Tais agentes efetuam intimações, comparecem a locais de crime, auxiliam em nossa atividade investigatória, atendem à comunidade, registram ocorrências, digitam depoimentos, atendem telefone, ajudam no cumprimento de requisições judiciais e ministeriais, realizam sobreaviso emergencial, acompanham o signatário no cumprimento de mandados de busca e apreensão, dentre diversas outras tarefas. Não bastasse isso, vale ressaltar que os agentes de polícia, a título de colaboração, ainda notificam partes para o comparecimento em audiências de conciliação/transação em Termos Circunstanciados, tarefa essa que compete aos Oficiais de Justiça e que por eles já vem sendo desempenhada em diversas outras Comarcas, o mesmo valendo em relação a prisões cíveis, ou seja, decorrentes do não pagamento de pensões alimentícias.

Dessarte, solicito que eventuais requisições judiciais, tais como apoio a oficiais de justiça, quando imprescindíveis, sejam encaminhadas com a devida antecedência por meio de ofício assinado pelo Magistrado, de forma que se possa efetuar uma programação prévia para o auxílio, evitando-se, assim, prejuízo aos afazeres já agendados para a data, bem como existência, no momento, de recursos humanos e materiais para o atendimento, ressalvados, por óbvio, casos imprevisíveis e de extrema urgência e relevância.

Outrossim, informo que não são e nem serão atendidas pela Delegacia de Polícia de Casca solicitações para o transporte de presos entre o Presídio de Guaporé e o Forum desta Comarca, tendo em vista que tal tarefa compete à SUSEPE, que possui pessoal e equipamentos materiais para o desempenho de seu mister. Além disso, além de exorbitar as funções da Polícia Civil e demais órgãos, tais como Brigada Militar, põem em risco não previsto em lei os policiais, além de poder gerar responsabilização administrativa e cível dos referidos em eventual resgate de presos, acidente de trânsito ou qualquer outro infortúnio.

Nesse contexto, considerando que o ofício foi encaminhado não apenas à Delegacia de Polícia de Casca, mas também a todos os órgãos policiais da Comarca, solicito seja informado ao signatário quais as “diversas reclamações e informações em sentido contrário” referentes à DP de Casca, pois, ao que me consta, desde que assumi a titularidade desta DP, apenas houve negativa à solicitação por telefone para transporte de presos do Presídio de Guaporé até o Forum de Casca, para audiência, o que, como já dito, não é atribuição da Polícia Civil.

Em síntese, a atividade da Polícia Civil, que exerce as funções de polícia judiciária, diz respeito à investigação criminal e a todos os atos que decorrem desta, de sorte que os nossos parcos recursos humanos e materiais são destinados à atuação apenas quando houver notícia de crime, visando a sua elucidação.

Ainda, entendo que foge à missão constitucional do Poder Judiciário – a quem a Carta Magna conferiu as funções de solucionar os conflitos levados ao seu conhecimento, controlar a constitucionalidade das leis e dos atos administrativos, tutelar os direitos fundamentais e, sobretudo, garantir a preservação e desenvolvimento do Estado Democrático de Direito – pretender impor às forças policiais (pertencentes a outro Poder do Estado) função em princípio não prevista em lei, tais como atender a requisições de oficiais de justiça, serventuários do Poder Judiciário, configurando, em verdade, uma tentativa de ingerência do Poder Judiciário em ditar os rumos e procederes da Polícia Civil por meio da imposição de temor correicional. As instituições pertencem a Poderes estatais diversos (não havendo qualquer hierarquia/subordinação entre o Juiz e o Delegado de Polícia) e gozam, no desempenho de sua função, de autonomia, não sendo a Autoridade Policial e seus agentes assistentes dos oficiais de justiça, os quais gozam de prerrogativas adequadas para o desempenho de suas funções, tais como auxílio de combustível pago pelo Tribunal de Justiça, de sorte que a única viatura da Delegacia de Polícia de Casca não será usada para transporte de presos ou para realização de tarefas não afetas à sua função.

No mais, considerando os termos do oficio ora respondido, ressalto que eventual notícia falsa da prática de crime de desobediência pode configurar a prática dos delitos de calúnia, comunicação falsa de crime, ou até de denunciação caluniosa, a depender do caso (notadamente do encaminhamento dado à notícia falsa da prática do crime). 
Por derradeiro, em relação aos procedimentos envolvendo a Lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha), como de praxe, são registrados, no respectivo procedimento, número de telefone, endereço completo, filiação da vítima e agressor e alcunhas das partes envolvidas, sempre que os dados são disponibilizados pelo comunicante, de sorte que o ofício ora respondido parece não se dirigir à Delegacia de Polícia de Casca/RS.

Atenciosamente,

Rafael Soccol Sobreiro, 

Delegado de Polícia.

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